Lucy Ramos fala sobre mudanças e projeto para empoderar pessoas negras (Foto: Divulgação)

Em entrevista exclusiva para o Virgula, Lucy Ramos comentou sobre um de seus projetos pessoais, o Segundas Cacheadas. A iniciativa, que começou em sua própria página no Instagram, tem como objetivo compartilhar histórias sobre transição capilar para empoderar mulheres negras.

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Durante a conversa, a atriz ainda comentou sobre seu mais recente papel na TV – como Lívia em “Amor Perfeito – e a parceria dentro e fora das telas com o marido, Thiago Luciano, com quem se relaciona há 16 anos. Confira os melhores trechos:

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Segundas Cacheadas 

O ‘Segundas Cacheadas’ começou já faz muito tempo, no meu Instagram. As meninas me pediam muito: ‘Lucy, o que você passa no cabelo? Dá dicas pra gente!’. E eu sempre pensei, ‘gente, tem tantas meninas lindas que representam tanto no Youtube, no Instagram e tal’. (…) Páginas no YouTube falando sobre os cachos, a aceitação, o afro, até dando dicas, truques, né? E aí eu pensei, ‘mas já tem tantas meninas, por que que eu vou fazer esse espaço, sendo que já tem?’.  E eu explicava isso pra elas, mas ainda assim elas continuavam pedindo, até que entendi que aquilo era porque eu tinha um peso. Atriz, que está fazendo novela, você está sempre ali com cabelo cacheado. Tem diferença! Então, eu aceitei e fui achar uma forma de me comunicar com elas, além de só falar dicas.

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Aí toda segunda feira eu falo sobre esse tema, por isso [o nome] ‘segundas cacheadas’. Mas aí a coisa foi se perdendo. Eu criei uma hashtag, para quando as pessoas quisessem ver esse conteúdo, só que a coisa foi se perdendo, outras pessoas foram marcando e eu precisei abrir um espacinho só para esse projeto.

Inicialmente era sobre escutar as histórias das meninas, o que acontecia com elas… de aceitação, de entendimento. Mais do que dar dicas, era sobre tentar entender o pensamento, as crises, o que fazia alisar [o cabelo], contar o que passaram na escola e em casa. Foi mais esse acolhimento de conhecer elas.

Agora, a gente está mais para um movimento de pegar essas meninas que já fazem isso e colocar na nossa página de uma forma divertida, de uma forma sempre positiva, sabe? Tanto que a frase [do projeto] é: ‘Mude os fatos, não o afro.’. Essa é a frase que explica que o problema não está no nosso cabelo: o problema está sobre o que pensam em relação a ele.

Compartilhando histórias de outras mulheres

Eu não queria que [o ‘Segundas Cacheadas’] ficasse sendo uma coisa só minha. A minha opinião é que eu não devo só compartilhar o que eu acho, o que eu vivi ou o que eu sei, não. Isso é muito pequeno, né? Então eu queria essa experiência de trazer o Segundas Cacheadas na voz delas, de pessoas reais, pessoas que vivem coisas que eu não vivi, que inclusive eu queria escutar a história delas para também mergulhar nesse outro universo.

Eu acho que dessa forma, nesse início, eu já acolhi elas de um jeito que elas pensaram: ‘ah, aqui eu consigo falar disso. Ela consegue entender o que eu penso’, sabe? Não é uma coisa pensada só comercialmente… Até porque não é esse o objetivo do lugar, né? Realmente é um acolhimento.

Acho que por isso que elas já entenderam que ali é o lugarzinho onde pode resmungar se quiser, ou sorrir se quiser. Ali é o lugar pra você fazer o que você quiser – e tá tudo bem. Ninguém vai te julgar, sabe?

Tem muita gente que pensa que bobeira – e fica falando que ‘ai, é só um cabelo’.  Não é só um cabelo! É muito mais do que isso, sabe? A gente não vai minimizar as questões, por mais que que para muitos possa parecer bobo, mas não é. A gente sabe que não é sim.

Eu acho que como em tudo na vida, a gente não consiga nada sozinha. Você não pode achar que você que fez tudo sozinha. A gente fica tão mais forte sabendo que podemos contar com outras pessoas e ter uma rede de apoio. E segundo as cacheadas, é isso, é uma rede de apoio, né? Você poder dividir as suas dores, dividir as suas inseguranças e saber ao escutar outras histórias e entender outras realidades. Saber que você não está sozinha. É muito ruim você se sentir sozinha nesse mundo.

Lívia de “Amor Perfeito” e o autocuidado

Acho que rola uma conexão, porque a gente tem essa coisa nos pretos. Assim a gente aprende a cuidar do nosso cabelo, a gente tem que aprender, porque hoje a gente tem até pessoas que que entendem um pouco, profissionais que entendam sobre isso, produtos que são pensados para esse tipo de cabelo – mas antes não tinha. Então, por muitas vezes eu cuidei do meu cabelo sozinha, fazia os procedimentos ou qualquer coisa em casa mesmo.

A gente tem essa relação sempre com o nosso cabelo, muito a ver com a necessidade. E é afetivo também, né? Porque é sempre ou a mãe, ou um amigo fazendo as tranças. (…) Eu estar ali fazendo uma cabeleireira… Hoje, as pessoas me perguntam se eu fiz algum workshop, preparação. Eu falo que não. Ser cabeleireira já está em mim.

E vou falar que a Lívia no salão é uma coisa, por ser uma novela de época. Eu fico até com uma certa dificuldade para colocar em prática essa coisa do cabelo. Porque era muito específico naquela época [anos 1940], como cuidar do cabelo, o que fazer no cabelo, né? A gente só tem no salão da Lívia equipamentos que eles tinham na época.

E as nformações que a gente tinha também eram sobre cabelos lisos, né? Então para os pretos, o que seria? Seriam as tranças mesmo ,de fazer em casa. Na novela acaba sendo um outro tratar. A Lívia, ali, naquele lugar do salão, a gente não tem nem muito material. Não tem como a gente fazer um penteadinho, enrolar o cacho e colocar um grampo. Não tem como. Tanto que a Mariana Ximenes até sugeriu uma vez, ela fez um cachinho e amarrou com um pano. Vai ter uma cena futura que ela vai estar no salão da Lívia, que ela enrolou o cabelo assim, então vai ter vários paninhos.

Acho que, no caso, as pretinhas alisavam  em salões muito específicos, né? Em lugares muito específicos. Não seria nesse salão da Lívia. É um outro contexto de salão- um salão de vários pretinhos, talvez, o que seria outra atmosfera, outra coisa que seria muito incrível a gente poder representar… Mas não é o caso pra essa história.

Mudanças na sociedade
Acho que a gente está num processo muito bacana, de evolução, de entendimento, de que as informações estão aí para quem quiser ver, para quem quiser evoluir e para quem tá com a cabeça aberta para o entendimento. Mas vai muito de cada um também, vai de cada pessoa… Tem muitas pessoas que não querem e não fazem questão. Cada um cuida da sua vida, mas eu acho que é todo um processo, sabe?
Eu ouço histórias de amigos, de pessoas próximas, qu epassam por determinadas situações que você pensa, ‘não é possível que hoje isso ainda aconteça’. E acontece, sabe? É um processo, um caminho. E a gente tem que se manter firme e forte, entender que não isso que estamos construindo não é só para a gente. Cada conquista minha, e eu estou abrindo espaço para alguém. A gente já vem de uma história muito pesada, muito tensa. Então a ideia é fazer tudo com muita sabedoria e e amor.
Na verdade, não é nenhum favor que estão fazendo, essa conscientização e mudança de olhar, de não achar que a cor determina alguma coisa. O que tem que determinar é o talento. Se a pessoa está pronta, tem o talento, tem que tudo e só está esperando uma oportunidade, o que é dela por direito porque ela estudou, ela se dedicou, ela acordou cedo, trabalhou, fez tudo para simplesmente estar ali e pronta. Então o que a gente quer? Isso! A gente não está pedindo nada demais, mas sim o que já é nosso, por direito, de existir, de crescer, de amadurecer.

Ser uma mulher negra
Você nasce negro, você já tem uma ‘condição’ ali que é dada ao longo da sua vida. Você também precisa ter esse letramento do que é ser negro nessa sociedade onde a gente vive. Então, não é só você viver na sociedade desavisada.
A gente tem e precisa ter essa história do letramento e de entendimento. Eu estou muito atenta. Eu estudo, eu leio… Porque são muitas histórias, são muitas coisas, né? Então é isso. A gente acaba vendo as vantagens e os privilégios [de pessoas brancas], essas coisas, em tudo nessa vida, a gente vê. ‘Ah, se fosse pretinha, eu não podia estar fazendo isso’, ‘Se fosse preta, não teria tido esse tratamento’.
Relação com Thiago Luciano
Ele tem um pouco mais de letramento por estar comigo, porque talvez,  se ele não tivesse convivendo comigo, não seria assim. A gente está juntos há 16 anos.
Ele escreve ele é roteirista e tal, então sempre nos roteiros dele, ele coloca pretinhos em lugares de destaque, tudo isso. Eu sempre falo: ‘tem que colocar’. Ele é meu grande amigo, além de maridão tudo, ele é meu parceiro e eu divido tudo com ele, mas tem certas coisas que de fato eu quero conversar com ele, e por mais que ele queira também, é um pensamento diferente. Aí ele questiona coisas que eu falo: ‘mas não é isso que eu tô falando’, aí eu tento de novo e não sei o quê… Porque é realmente diferente. E, se você fala esses mesmos pensamentos pro pretinho, ele de cara já entende.  Mas é isso. Só o fato de você estar aberta a enxergar isso cada vez mais, aprender cada vez mais, estar ciente disso, por mais que você não sinta na pele ou nos olhares, já é muito importante.
Direto a gente trabalha junto. Ele é cineasta, escreve, dirige – inclusive, estamos com um novo filme chamado ‘O Segundo Homem’, no Star+. Eu sou a protagonista e também ajudo ali na produção. A gente tem uma produtora juntos:  produtora pequena, independente. Nós acabamos fazendo tudo muito junto.

Trabalho com o marido
Do meu lado, de início era um pouco difícil… Aquelas questões doego da atriz, de mostrar suas inseguranças para o cara com quem você está iniciando um relacionamento. Isso era um probleminha… Mas, depois que eu percebi que isso era uma bobeira,e que essas coisas fazem parte da vida e até te aproximam mais da pessoa, tudo melhorou.
Hoje, eu aprendi a respeitar e separar nossa relação individual da profissional. Por que, por mais que eu seja atriz e esteja envolvida pessoalmente com ele,  ele ainda é o diretor, o roteirista, o produtor, e eu preciso isso no ambiente de trabalho.
Ele escuta bastante todo mundo, não só a mim, mas os os atores que trabalham com eles, a equipe, né? Ele escuta bastante, mas eu tenho que saber que no final das contas, por mais que eu tenha dado uma opinião, ele pode não segui-la ou não. Ele é quem tem que decidir as coisas já que ele que tem um projeto em mente, que sabe tudo, então tem também isso de respeitar esse lado do diretor, do autor e tudo mais. Hoje, eu sei até onde eu vou, e a gente respeita esses limites.


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Lucy Ramos fala sobre mudanças e projeto para empoderar pessoas negras