O brasileiro Nelson Freire é pop! Já foi tema de filme de João Moreira Salles, é o único pianista vivo que a genial Martha Argerich respeita e o nome capaz de lotar uma Sala São Paulo de iniciantes à arte do concerto, em uma quinta-feira (03) chuvosa.

Estes diletantes de primeira viagem fizeram um ruído excessivo e incomum na sala, aplaudiram no intervalo dos movimentos, bateram o pé no chão, mas, mesmo quebrando protocolos (ou criando novos), nada tirou o brilho nem a magia do piano de Nelson Freire.  

Ovacionado de pé, depois de realizar de forma brilhante sua leitura para Concerto para Piano e Orquestra nº 2 em Fá Menor, op 21, do polonês Frédéric Chopin (1810-1849), ele ainda retornou duas vezes ao palco, sob aplausos, para tocar solo as peças A Morte de Orfeu, de Orfeu e Eurídice, de Christoph Willibald Gluck (1714-1787), e Jesus, Alegria dos Homens, de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Neste momento, a plateia teve mais do que a confirmação que estava diante de um intérprete excepcional. Como as notas e as frases musicais soam distintas e ao mesmo tempo com tanta clareza diante de seu dedilhado é uma experiência única.

Claro que a escolha do repertório: um concerto de Chopin, que até podemos considerar conservador no sentido da chamada educação musical, é muito bem acertada para um público que está se iniciando na música de concerto. Mas ao mesmo tempo desafiadora, é uma peça que os virtuosos adoram apresentar, pois o piano tem papel quase primordial. Então, que novidades interpretativas poderíamos encontrar nesta obra, digamos, manjada?

Chopin escreveu seus dois concertos para piano ao acabar de completar vinte anos, entre os anos 1829 e 1830. São duas obras de densidade altamente romântica, mas diferentemente dos concertos de Mozart ou Beethoven, a orquestra não está em diálogo constante com o instrumento, e sim com o papel de fazer a ligação entre os motes de cada andamento. Além disso, a massa orquestral serve para introduzir temas que depois serão desenvolvidos de forma virtuosa pelo piano. O concerto nº 2 foi escrito primeiro que o em Mi Menor, mas acabou sendo publicado depois.

No primeiro movimento, Maestoso, temos dois temas desenvolvidos, um primeiro sereno e depois um introduzido por oboé e desenvolvido por Nelson Freire com virtuosismo. A orquestra o apoia sem o mesmo vigor que às vezes é exigido, mesmo sendo ela apenas um elemento de apoio ao piano durante todo o concerto.

O Larghetto do segundo movimento é inspirado por Constança Galdowska, uma grande paixão de Chopin. É um movimento lírico e típico da expressão romântica do século 19. Ao invés das derramadas interpretações feitas neste movimento, Nelson é mais econômico, como se quisesse chegar com as notas na essência desta declaração amorosa. É um momento que percebemos a grandeza da leitura de Freire sobre este recitativo cheio de paixão.

O terceiro movimento, Alegro Vivace, apresenta-se como um rondó – uma forma de composição musical estruturada a partir de um tema principal e suas variáveis  (normalmente duas ou três), sempre intercalados pela repetição do tema principal. Nele, temos o caráter polonês introduzido por Chopin e a missão do compositor de colocar o piano em papel superior ao da orquestra. O instrumento brilha neste movimento cantando o tema de forma muito expressiva. Nelson se empenha em fazer valer a tese de Chopin. O concerto todo é para um instrumentista virtuose, mas o pianista brasileiro prefere  deixar para esta parte do concerto o impacto de sua técnica. São nas partes do moto perpetuo (parte de uma peça com uma corrente contínua e fixa de notas de pequena duração e executadas em tempo rápido) já no final do concerto que o espectador fica quase sem fôlego.

Freire mostra com transparência a sua leitura para uma peça tão executada. E os aplausos não são em vão. As frases de um crítico do Washington Post sobre outra genial pianista brasileira, Guiomar Novaes, valem para Nelson: “Ela parece trazer o público para a música ao invés de levar a música ao público”.

De certa forma, Nelson é pop, mas ao invés de propor um rebaixamento da arte mais erudita, ele prefere elevar o seu ouvinte!

Em tempo: Também foram apresentadas Terra Brasilis – Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Clarice Assad e a Sinfonia nº 1 em Ré Maior – Titã, de Gustav Mahler. Esta última executada com preciosismo pela regente Marin Alsop provando por que a Osesp é hoje uma das mais prestigiosas orquestras do mundo.

Escute Nelson Freire tocando A Morte de  Orfeu, peça que tocou no bis, mas atenção, não foi gravada na Sala São Paulo, clicando aqui.


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Nelson Freire é pop e domina Sala São Paulo com sua leitura sobre concerto de Chopin