Álbum de estreia de Jadsa chegou em março de 2021

Entre os primeiros cinco anos da década de 80 surgiu, em São Paulo, o movimento musical que foi definido pelos críticos da época como “Vanguarda Paulista”. Em um país pré reabertura política, artistas como Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Cida Moreira e Itamar Assumpção se reuniram no Teatro Lira Paulistana, localizado no bairro de Pinheiros, para se apresentar.

Com experimentações sonoras, líricas e vocais, os artistas buscavam uma linguagem múltipla em suas músicas, marcadas pela variação de ritmos e as diferentes camadas. Além do uso de vinhetas nos álbuns. Um dos objetivos do grupo era inovar e fazer algo diferente do que tocava nas rádios e na TV, daí o nome dado pelos críticos da época.

Tal movimento impulsionou descobertas musicais que se refletem até hoje, influenciando novos artistas. Como Jadsa, baiana e soteropolitana que graças a sua mãe, Juçara, conheceu Itamar Assumpção. Inspirada em um dos principais nomes da Vanguarda Paulista, Jadsa lançou seu álbum de estreia, “Olho de Vidro”, em março de 2021 pelo selo Balaclava Records.

Em sua obra, Itamar consegue nos levar para diferentes ambientes e nos conduzir de faixa a faixa pelas experimentações propostas. Uma das principais características do músico está presente no trabalho de Jadsa. Com variações vocais, ambientações e a brincadeira com as letras e o som das palavras, a artista nos leva em um mergulho profundo pelo universo de “Olho de Vidro”.

A múltipla linguagem dos vanguardistas também está presente na vida de Jadsa. A artista, que começou sua carreira com 13 anos, tocou em diversas bandas e toca guitarra, baixo, violão e bateria, esta que começou tocar aos 11 anos. Aos 16 anos, Jadsa decidiu tentar carreira solo. Além de cantar, compor e ter a paixão pela música, Jadsa participou do teatro Vila Velha, onde atuou em 4 peças e co-dirigiu uma. No teatro, ela entendeu que era o momento de mudar a postura, a física e a artística.

“Márcio Meirelles me abriu muito a cabeça como pessoa. Falava muito ‘Levanta a cabeça’. Eu fazia parte das bandas, e tocava com ela baixa. O teatro me fez essa reviravolta aqui na cabeça”

Apesar de ser o álbum de estreia, “Olho de Vidro” não é a estreia da artista. Em 2015, Jadsa lançou “Godê”, o seu primeiro EP produzido com o coletivo Tropical Selvagem (João Meirelles e Ronei Jorge). Em 2020, em parceria com João Meirelles, lançou o EP “Taxidermia vol.1”. João também esteve presente na produção do “Olho de Vidro” que conta com diversas participações especiais como Ana Frango Elétrico, Kiko Dinucci e Luiza Lian, a qual Jadsa dedicou a faixa “Lian”.

As músicas foram compostas desde 2015, mas foi em 2018 e 2019 que o álbum começou a ganhar ainda mais forma. Gravado em 2019 no Red Bull Studios, a cantora também foi contemplada pelo edital da Natura Musical que patrocina o álbum. “Olho de Vidro” conta com a participação dos músicos Caio Terra, Bianca Predieri, Marcelle, Marina Melo, Filipe Castro, Aline Falcão, Filipe Massumi, Josyara, Raíssa Lopes e Sérgio Machado.

Em entrevista, Jadsa conta um pouco mais sobre a produção do “Olho de Vidro”, sobre a importância de Itamar Assumpção em sua vida e sobre a sua relação com o teatro.

Daniela de Jesus: Antes do álbum, você lançou os EP’S “Godê” (2015) e “Taxidermia vol.1” (2020).Como foi o caminho para chegar até o “Olho de Vidro”?

Jadsa: Foi bem natural, nada forçado. O “Godê” foi mais pensado. O que é que eu posso mostrar em três faixas, né? Como é que eu posso me mostrar, eu sou bem tipo pra frente, eu fico compondo muito e quero mostrar muita coisa sempre. No “Taxidermia” com o João, pensamos muito em pesquisar, fazer essa parceria mesmo, e botar pra frente esse projeto de voz com a com experimentações. O João tem pesquisa dentro da música eletrônica, então ele faz referência ao “Olho de Vidro”, tanto que o João é produtor musical do “Taxidermia” junto comigo e produtor no “Olho de Vidro”. O processo foi natural, escolhemos cantar e tocar o que gostamos, além de colocar como referência a cidade de Salvador e o país. Tentamos representar o máximo a gente e a nossa galera, o nosso povo, a nossa música, que a gente tem muita coisa, né? Então, um trabalho de pesquisa geral, representa tudo que temos, em termos de, de cultura, de paisagem, e sensação no corpo.

D: O “Olho de Vidro” foi lançado pelo edital da Natura Musical. Como foi esse processo?

J: Eu inscrevi o projeto umas quatro, cinco vezes no edital, muito na tentativa mesmo. Conforme a gente escrevia e não tinha possibilidade de fazer essa parceria naquele momento, o que eu entendia era, tá faltando alguma coisa. Então fui buscar esse álbum que nem eu sei, talvez nem a Natura saiba, mas alguma coisa estava faltando. De tanta tentativa, de se equilibrar dentro desse projeto, de tentar, deixar ele redondo deu certo. Paralelo a isso, eu passei na seleção do estúdio Red Bull em São Paulo, o edital contemplar o lançamento e a circulação do disco.

D: Como que os “nãos” ajudaram a chegar no trabalho final?

J: A negação, as negações na vida não só com com editais, faz parte da construção mesmo, eu nunca tomei um não como uma desistência, uma porrada que eu não pudesse levantar. É uma porrada que é significativa e que foi, pra mim, força, mais do que um atraso. Tomar esses nãos me fez repensar muito o que é que eu estava fazendo e o que eu queria, o “Olho de Vidro” partiu muito dessa questão da negação, é uma musicalidade ali dentro do disco que eu não conseguiria há dois anos atrás, por exemplo, colocar aqui em Salvador, para show. Antes de vender essa ideia, antes de fazer com que as pessoas entendessem e, se sentissem dentro desse projeto, eu acho que tem que ter uma sensibilidade, uma compatibilidade com o projeto. Pra mim, o “Olho de Vidro” aqui em Salvador, na minha cidade natal, já era uma negação na minha cabeça. Então, eu fui pesquisar muito, fui estudar muito para trazer isso bem explicado e introduzir esse projeto de uma maneira consistente para rodar e poder enfim representar de uma de alguma maneira. Esses “nãos” me deram muita força.

D: Você fala bastante da artistas no álbum como Gal Costa, Ava Rocha entre outras. Como é a influência dessas mulheres em você?

J: Eu sempre enxerguei essas mulheres como figuras emblemáticas mesmo. Essas mulheres, homens, os artistas em si, como figuras de alcance, de desejo. Não é que eu desejo ser essas pessoas, mas eu desejo entender e desejo passar o nome dessas pessoas pra frente, independente se a pessoa vai ver. Então, a resistência de cantar sobre essas mulheres, sobre esses astros, para mim é uma maneira de fixar na minha cabeça o quão a gente é grande. Porque está todo mundo no alcance, estão todos movimentando a cultura, crescendo, enriquecendo a cultura. Para mim cantar sobre essas pessoas sempre foi uma função, sempre foi um dever.

D: Além dessas artistas, Itamar Assumpção está muito presente no álbum. Eu gostaria de saber como você descobriu ele e qual a importância dele na vida musical.

J: Itamar é referência total, não somente na obra mas na minha vida. Quem me apresentou o Itamar foi minha mãe, quando eu parei para ver quem era Itamar, saber que ele era preto, eu fico emocionada aqui de saber sobre essa resistência toda. Itamar também cantava sobre as mulheres, cantava sobre a vida, mostrava algumas miragens. Fazia você imaginar e às vezes te dava, te dá ainda, vários socos, colocar um pedacinho da obra dele, no meio da minha música para mim, é de uma grandiosidade, é muito religioso cantar Itamar e pensar nele. A influência de Itamar na minha cabeça foi essa chavinha que ele virou, foi esse portão enorme que ele abriu. Isso tudo com pesquisa dele e com registros, ele fazia muito ao vivo e pra mim os ao vivos dele são imbatíveis. Itamar e o teatro me mostrou isso, de verticalizar a imagem, em cima do palco, com ao vivo, com poder olhar e falar para as pessoas ‘Velho, vamos nessa. Estamos juntos’.

D: Você falou de como o teatro influenciou, conta um pouco mais da história de como o teatro entrou na sua vida.

J: Entrei no teatro no Vila Velha, aqui em Salvador, é um Teatro Arena, o único do Nordeste que é de arena. Ele é um teatro político e de resistência. Meu diretor teatral era o Márcio Meirelles, pai de João Meirelles, e eu entrei para poder fazer música. A principal referência que eu tive desse teatro, em si, foi o “Ó Pai, Ó”, eles construíram essa peça e ela fala sobre Salvador, fala muito sobre nós. Eu queria muito entender isso, de como era fazer música para as pessoas atuarem por cima, falarem por cima, entender como que eu falo junto com elas. Entrei em 2014 e percebi lá dentro que somos uma areinha e cada um junto dá um saco de areia, dá um peso, mas sozinho você não é muita coisa não. Márcio Meirelles me abriu muito a cabeça como pessoa. Falava muito ‘Levanta a cabeça’. Eu fazia parte das bandas, e tocava com ela baixa. O teatro me fez essa reviravolta aqui na cabeça, eu entrei com dezessete anos e saí com dezoito, fiquei uns dez meses no teatro, porque é muita função. Fiz quatro peças, sendo uma infantil chamada “Bonde dos Ratinhos”, e co-dirigir a peça que comemorou os cinquenta anos de teatro, “Jango”, que foi a única escrita por Glauber Rocha. Mas foi isso, de conviver com as pessoas e entender que cada um tem sua função dentro do teatro e consequentemente em grande escala, num universo, assim, no mundo, mesmo.

D: Sobre as participações do álbum, como foi trazer esses artistas para o “Olho de Vidro”?

J: Eu, eu sentia as músicas, escrevia e parecia que essas músicas iam chamando as pessoas. Conheci Kiko e Ana, na Casa Vulva, em São Paulo, e as duas pessoas moraram na minha cabeça a muito tempo. Eu tentei sempre resistir com o nosso contato, não perder contato de vista, nunca pensei ‘Quero que participe do meu disco’ era mais ‘Quero que participe da minha vida’. A Luiza Lian foi assim, eu cheguei em São Paulo em 2018, e o “Azul Moderno” tinha sido lançado, ele tocava em todos os lugares que eu ia. Em São Paulo é muita movimentação, muita gente indo e voltando e eu sou uma pessoa que gosta de ir e ficar um pouco, gosto de estudar aquilo e conversar um pouco. São Paulo mexeu muito na minha cabeça, eu fiquei muito antenada e mexida mesmo. A música da Luiza Lian foi muito importante, então eu fiz “Lian” em homenagem e como um agradecimento. Acabei me batendo com ela na vida e ficamos próximas. A mesma coisa foi com Ana e Kiko, Kiko representaria esse samba puxando pro rock, Ana eu tive essa melodia do “Raio de Sol” e escutei a voz dela na minha cabeça, tudo foi desejado e as coisas foram acontecendo.

D: Qual foi o melhor conselho que você já recebeu? Aquele que você sente que mudou sua vida.

J: O maior foi o da minha mãe. Vá! Se resume a essa sílaba e a essa palavra maior. Depois que ela falou eu só vou. Fica na minha cabeça bastante, essa autorização de uma pessoa que você se identifica muito. Ela olhando pra mim e falando, “Vá”, vixe, a autorização é para o resto da minha vida. Eu já tomei pra mim.


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