A Batalha do Passinho


Créditos: divulgacao

Cebolinha, Jackson, João Pedro, Jonathan, Bregueti, Quinho, Xuxa, Cristian, Michel. Estes nomes podem não te dizer nada, mas se você vir um destes garotos dançando o passinho do menor na sua frente, dificilmente esquecerá. Eles são algumas das peças, ao lado de muitos outros, no movimento retratada em A Batalha do Passinho, o Filme, que estreia em circuito comercial em junho.

Para Emílio Domingos, diretor do documentário que venceu a mostra Novos Rumos, no Festival do Rio, é possível estabelecer uma relação entre funk e trap, gênero do hit Harlem Sake, e oriundo do sul dos Estados Unidos, assim como a música que deu origem ao funk carioca. “A gente está devolvendo para eles uma coisa que veio para cá e a gente transformou. O miami bass que a gente faz já não é mais miami bass”, afirma, em entrevista ao Virgula Música. “O passinho é a sofisticação do sampler, da colagem, representada na corporalidade”, aponta.

Mergulhado neste universo, Domingos diz que não é possível estabelecer um Pelé do passinho. “Como é uma dança em que cada um tem seu estilo e imprime o que quer, cada um tem seu estilo. É difícil chegar e afirmar. É muita subjetividade”, avalia. “Como é uma coisa muito competitiva, coisa de adolescente, é difícil dizer este é o Pelé, todo mundo quer ser o Pelé. A cada vídeo que entra na internet, um novo Pelé do passinho surge”, diz. 

O diretor diz que o famoso Gambá, tido como Rei do Passinho e morto aos 21 anos, no ano passado, poder ser visto como um “Garrinha do passinho, por ser um cara muito criativo, um revolucionário do estilo”. “Ele levou o passinho para lugares que o passinho mesmo sendo uma coisa muito livre, não imaginava chegar”, afirma.

Domingo vê o passinho como parte dos rituais de afirmação dos adolescentes das comunidades cariocas. “Imagina um adolescente conseguindo uma visibilidade grande, em uma período em que você quer se afirmar diante do grupo, dos outros, e consegue afirmar essa sua identidade de dançarino. Eles se dedicam muito porque eles querem agradar às garotas, ficar famosos, uma série de coisa. E o talento deles está sendo reconhecido, então a evolução é gritante de muitos deles, eles estão sempre descobrindo passos novos. É uma efervescência muito grande”. Leia a entrevista a seguir.

Como que você se interessou pelo assunto?

Minha formação é de ciências sociais com ênfase em antropologia. Então, desde a época da universidade eu me interesso, desde quando eu li O Mundo Funk Carioca, do Hermano (Vianna), ou quando eu via meu irmão adolescente no final dos anos 80 ouvindo o Funk Brasil, do (DJ) Marlboro, que eu achava estranho mais ao mesmo tempo achava curioso, que eu me interesso pelo assunto.

Mas eu também sou DJ de uma festa de black music chamada Phunk, uma festa com 11 anos. Eu tenho muitas relações, o meu longa anterior chama-se L.A.P.A., que é sobre o hip hop aqui do Rio. Então eu tenho um interesse por cultura urbana há muito tempo, desde os anos 90, quando eu fiz faculdade.

E associado com antropologia visual. Eu me recordo, por exemplo, de ter visto o filme do Sergio Goldenberg em 94, que chama-se Funk Rio, que era o filme que mostrava o início do funk cantado em português. Porque os bailes acontecem desde os anos 70, os bailes de black rio, de black music.

E a dança onde entrou?

Eu sou um péssimo dançarino, perto deles eu sou um péssimo dançarino. Eu descobri o passinho em 2008. Eu estava na internet, já tinha feito um filme sobre funk antes, que se chama Cante um Funk para um Filme, que eu fiz em 2007 com Marcus Faustini, que é um agitador cultural aqui do Rio. E aí eu estava vendo estes vídeos no YouTube e fiquei completamente maluco, fiquei uma tarde de domingo, sabe aquela coisa de pular de janela em janela?

O que mais chamou sua atenção?

Eu fiquei muito curioso e achava que era uma coisa forte, nova, mas quando eu via no YouTube, não sabia quem eram os garotos, os vídeos tinham 1h30min, 2min. Eram os garotos sorrindo e fazendo aqueles movimentos muito agitados e muito difíceis. E bem alegres, parecia que não era esforço, o que me chamava atenção era isso, como parecia, além de ser novo porque tinha aquela influência do tamborzão, era o novo funk, o funk mais acelerado, parecia fácil para eles fazerem aqueles movimentos.

Então isso que chamou mais a minha atenção, além de eu achar muito sofisticado, muito difícil de fazer, eles faziam com facilidade. Era uma outra geração. Porque este termo passinho existe há muitos anos na dança aqui, nos bailes. Dançar um passinho, muita gente dança um passinho, mas dar o nome de uma dança, um estilo de dança, foi uma coisa desta galera.

Como que você chegou até eles?

Em 2011, eu estava organizando uma mostra de filmes sobre hip hop e funk no Sesc aqui do Rio e aí fui convidado pelo Julio Ludemir e Rafael “Nike” Soares para ser jurado de uma batalha do passinho. Na hora aceitei, mas cinco minutos depois declinei do convite e disse, eu quero registrar isso, quero fazer um curta-metragem, quero ter contato com esses garotos, saber quem eles são. E aí comecei a filmar, filmar a batalha, a ficar próximo dos garotos e vi que um curta-metragem não ia contemplar toda a relação deles com a dança, o universo que era muito mais complexo, não é só chegar e ensaiar.

Os garotos que dançam tem uma relação que vai além do baile, o passinho é uma cultura que se amplia na internet, uma cultura que faz com que garotos de territórios diferentes, de áreas distantes, se reúnam para treinar, conversar sobre o assunto. Mobiliza muita gente.

Tinha uma comunidade no Orkut com 11 mil pessoas, discutindo ativamente o assunto. E para você ter noção, o vídeo que é meio que um marco do passinho, o Passinho Foda, que é o garoto que está no meu filme, inclusive, o Beiçola, está com quase 5 milhões de views. Eles filmaram um churrasco, eles dançando numa confraternização, colocaram no YouTube despretensiosamente e se tornou uma referência, todo garoto queria dançar como eles ou mais que eles. Porque tem essa coisa de adolescente de competir, de ser melhor.

Isso gerou uma febre, você bota passinho agora no Google. Ontem eu fiz isso brincando e deu mais de 3 milhões de tópicos. E foi isso, quando eu comecei a conhecer as figuras, os garotos, eu fui me aproximando, fui virando amigo deles, aprendendo muito e o filme é um pouco resultado disso, desta minha descoberta, mas o filme todo é contado por eles. Lógico que é o meu olhar, mas a partir da nossa relação e eles que falam tudo. Eles que me ensinam, ensinam as pessoas que vão ver o filme, o que é o passinho. Não tem nenhum estudioso comentando, sabe?

Como que você acha que o funk deixou de ser uma manifestação marginal para se transformar em referência. Como diz o Hermano, música afro-concreta brasileira?

Eu acho engraçado este termo. Eu trabalho com o Hermano e sou pesquisador do Esquenta! também, mas não conhecia.

Ele falou em uma entrevista para o Estadão, do Ivan Marsiglia. Disse também que o tamborzão do funk tinha salvo a música brasileira…

O Hermano é um otimista, o funk talvez tenha salvo mesmo, eu acredito muito no potencial do funk, acho um gênero musical muito importante para a cultura brasileira, contemporânea. Talvez seja o gênero mais importante do final do século 20, mas acho que ainda existe uma relação muito polarizada da sociedade com o funk. O Estado que ao mesmo tempo diz que o passinho é identidade cultural aqui do Rio de Janeiro proíbe os bailes. A relação ainda é muito complicada, as pessoas ainda tem muita dificuldade para assumir que gostam de funk.

Eu acho que quando as pessoas começam a perceber a sofisticação artística de um sampler, de uma colagem, começam a assimilar, acho que deixa de ser marginal a partir deste momento. O funk é muito sofisticado, ele tem esta capacidade de colar, assimilar tudo que está ao redor, é antropofagia por excelência. Se o brasileiro é antropofágico, eu acho que o funk é uma experiência radical de brasilidade.

O funk assimila tudo. Quando é que deixa de ser marginal? Eu não sei, o funk é muito marginal. Eu acho que o passinho está conseguindo romper barreiras pelo fato de estar mais associado à dança, à questão visual, estética. Eu já tive experiência de ver pessoas que não gostavam do funk, não gostavam da música, mas gostavam de ver os garotos dançando.

Eu acho que o passinho é essa sofisticação do sampler, da colagem, representada na corporalidade. Você vê a riqueza dos movimentos, a mistura, a assimilação de diversos elementos, não dá para você definir exatamente o passinho.

Eu já li que tem elementos do frevo, do break, da capoeira…

Quando você vê um garoto dançando, vê que é muito mais. Não dá para você definir, eles assimilam tudo, mas realmente tudo. O crump, mímica, teatralização, perfomance, tem movimentos de yoga, alongamento, sei lá o que é aquilo.

Não dá para limitar, assim como não dá para limitar a criação de um produtor de funk, o cara coloca desde a nova gíria, a nova forma de falar, até a tarantella italiana, o (Luciano) Pavarotti, a música clássica, o beat do atabaque de umbanda, candomblé. Não dá para limitar, isso que é rico, uma cultura que está em contante modificação.     

Eu não sei se saiu da marginalidade, efetivamente, eu tenho certeza que o passinho está ajudando a romper um pouco estes preconceitos. A popularidade que o passinho está conseguindo alcançar mostra que além de eles estarem rompendo as fronteiras dos territórios, eles estão conseguindo romper os preconceitos também.

A dança sempre fez parte do funk, assim como o break é um dos elementos do hip hop?  

É o beat e o dançarino. O baile funk é isso, a partir da batida as pessoas vão dançando. Não existe baile sem dançarino. É o ritual, a cultura toda tem que ter isso, a batida, um DJ lá que bota a batida, que é o mestre ali, o mago, seria o condutor da cerimônia e os dançarinos. 

O passinho do volante, do Ah Lelek Lek Lek Lek, virou um meme, jogador de futebol fez, fizeram montagens com Silas Malafaia, com Jean-Claude Van Damme. O Ah Lelek é o Harlem Shake brasileiro?

O cara que fez o Harlem Shake, produzido lá pelo Diplo (dono do selo Mad Decent), garanto que não pensou que fosse virar isso. E acho que não estava tão associado à dança. A galera que criou esta dança brincou com a música. Em termos de fenômeno, eu acho que sim, o passinho do volante está estourado. E o Diplo gosta muito de funk. Ele é louco por funk brasileiro, um dos caras que mais estuda. Ele fez um filme, Favela Blast.

Você acha que o funk influenciou o trap?

Sim, certamente tem uma influência. Bom, você escuta a música e vê. A gente está devolvendo para eles uma coisa que veio para cá e a gente transformou. O miami bass que a gente faz já não é mais miami bass, não tem nada a ver com miami bass e o que eles fazem lá fora. Então, a galera veio aqui, pegou uma coisa que a gente deglutiu e está devolvendo.

Kanye West e Jay-Z foram a um estúdio onde se produz funk durante este Carnaval…

A produção dos Estados Unidos está tendo muita influência, a gente pode falar do Black Eyed Peas, uma banda pop. Eles usam muitos beats similares ao funk daqui, de tambor, do grave. 

Trailer de A Batalha do Passinho, o Filme



Passinho Foda, vídeo icônico do movimento 



Passinho do volante em Ah Lelek Lek Lek Lek, do MC Federado e os Leleks 



Gambá em final de competição de passinho no Sesc Tijuca 


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Diretor de A Batalha do Passinho compara dança a colagens do funk