Dentro da nova complexidade musical, que para o antropólogo Hermano Vianna tem Campo Grande (MS) como capital do pop brasileiro, é preciso ouvir a voz do Brasil profundo. Assim, não se pode ignorar o interior do Paraná, berço do fenômeno Michel Teló, do superhit Ai Se Eu te Pego, e a aposta Naiara Azevedo, que em entrevista ao Virgula Música, conta ter vindo do sítio em Farol, cidade de 3 mil habitantes. 

Naiara afirma ter conseguido ressonância com o público feminino por ser uma mulher “normal”. “Eu não sou nenhum estereótipo de beleza, que parece uma Barbie, que parece uma boneca, uma gostosona do funk, uma mulher fruta. Eu sou uma mulher normal e eu acho que a partir disso as mulheres colocaram em mim uma certa confiança, um certo carinho”, afirma.

Aos 23 anos, a cantora ficou conhecida com Coitado, há dois anos. Sua música mais recente, Mamãe Passou Açúcar em Mim, ainda que tenha o mesmo nome que o sucesso de Carlos Imperial imortalizado por Wilson Simonal, estabelece uma ponte com o funk carioca, como Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha, interpretada por João Lucas e Marcelo, também já havia feito.

Ouça Naiara Azevedo em Coitado

Como as funkeiras, Naiara adota um discurso igualitário entre os gêneros: “Não se deve colocar, ah, só o homem pode fazer isso, só a mulher pode fazer aquilo. Cada um faz o que acha que é bom para si”. Leia a seguir a entrevista concedida por telefone de seu escritório em Londrina (PR).

Queria que você falasse sobre as tendências na música sertaneja. Sua música nova Mamãe Passou Açúcar em Mim tem uma aproximação com o funk. Você acha que os gêneros estão se misturando na cultura popular?

Tudo de uns sete anos para trás mudou no sertanejo. Todo mundo da galera tem um gosto diferente e a partir do que todo mundo gosta, a gente procura fazer a música. Mistura o funk, mistura o sertanejo, coloca uma pitada de forró, da gaita (sanfona), a gente mistura de tudo para agradar a todos os gostos. 

É difícil quem goste de uma coisa só, “ai eu só de funk”, “só de rock”, por isso que a gente mistura tanto.

Tem uma certa “apimentada” também no seu som, não é? Um brincadeira com a questão da sensualidade…

Eu não tenho problema com esse negócio de ser meio tímida. Eu sou bem alegre, brincalhona, extrovertida e eu gosto de passar isso nas minhas músicas. Com um tom de ousadia. Eu acredito na mulher que é ousada porque hoje em dia nós estamos ocupando um lugar muito acima do que nós ocupávamos há um tempo atrás. 

É isso que eu procuro colocar na minha música. A mulher sem medo, à frente de tudo.

Naiara Azevedo, Mamãe Passou Açucar em Mim

Você é feminista?

Não. Eu só acho que não se deve colocar, ah, só o homem pode fazer isso, só a mulher pode fazer aquilo. Cada um faz o que acha que é bom para si.

Quem você acha que está fazendo música sertaneja legal hoje em dia?

Eu gosto de todos. Desde as duplas que estão bombando há tanto tempo, como Jorge & Mateus, Fernando & Sorocaba, Gusttavo  Lima, Luan Santana, que são os ícones. Até outros que não são tão conhecidos em nível nacional, mas fazem um som bacana, um ritmo bacana, que logo, logo, se Deus quiser, vão estar estourando por aí também. A gente aprecia de tudo.

Sua sonoridade é bem marcada pelo som do interior do Paraná. Tem a sanfona, uma levada meio vanerão… E o Michel Teló também é daí. Você acha que o Brasil está descobrindo esse som?

Eu acho que sim. São poucos os cantores do Paraná que ganharam reconhecimento em nível nacional. E eu acho que devido a isso que as coisas estão mudando e a gente está conseguindo alcançar esse espaço agora. Parece que o pessoal está gostando.

E tem gente de fora copiando? Precisa ser daí para fazer esse som de maneira autêntica?

Não, acho que não. O artista, eu particularmente, participo muito da produção musical. O que vai ser colocado, a ideia, o esqueleto da música. Mas já existem tantos cantores paranaenses que fazem música com produtores de São Paulo, de Goiânia.

Acho que não é tanto típico da terra, é mais a ideia do produtor que o artista escolhe para produzir suas músicas.

De que cidade você é?

Eu nasci em Campo Mourão e fui criado em Farol, uma cidadezinha do interior do Paraná e atualmente estou morando em Londrina. Meu escritório é em Londrina.

Você acha que ser do interior influencia a sua música e você como pessoa?

A minha música eu não digo que influencia, por ter sido criada no sítio. Eu acredito que influenciou a minha personalidade, a minha forma de levar a carreira, de tratar os meus fãs. Influenciou muito a humildade. Eu ser carinhosa. As pessoas do interior, por ter mais contato, conhecer todo mundo, tem um carinho a mais. É uma coisa de abraçar, de beijar, de dar aquela atenção mais especial.

Veja o clipe de O Gigante Acordou, de Naiara Azevedo

Você fez uma música sobre os protestos, o Gigante Acordou. Rapidinho você foi para o estúdio e no dia 19 já  postou, quando os protestos haviam começado na semana anterior. O que te motivou a querer dar seu recado?

É porque eu não aceito de forma nenhuma a política no Brasil, eu acho a coisa mais abominável, ridículo, não tem coisa pior que a política brasileira, os políticos brasileiros. É terrível. 

E eu sempre engasgada com isso. Me emocionou muito ver pela televisão as pessoas se mobilizando de tal forma. Televisão, Facebook, internet tudo, o Brasil parando para pedir aquilo. Eu me emociono quando eu falo disso, eu me arrepio. Ver aquelas 600 mil pessoas no Rio de Janeiro gritando para parar com essa corrupção. 

E eu decidi me pronunciar em relação a isso. O que eu posso fazer é o que eu sei fazer de melhor, que é a música . Eu quis motivar o pessoal que gosta do meu trabalho para conhecer um pouco mais sobre o que eu penso. As pessoas falam, “ah, porque é mulher”, “ah porque faz som sertanejo”. Eu sou patriota, eu escrevo muita música. E porque não expor o que eu amo fazer falando dos protestos.

É um incentivo a mais para a galera. A música expressa tudo que você está sentindo. Então, por isso a música.

E qual você considera ser a sua missão na música?

Eu uso a música para levar alegria para as pessoas. A minha missão maior, o que eu procuro fazer quando eu escrevo uma música é pensar nas pessoas cantando, se divertindo, dançando.

Por exemplo, essa brincadeira que a gente faz defendendo a mulherada, dar a oportunidade da mulher cantar o que ela quer cantar de verdade. O que eu escrevo, eu exponho o sentimento da mulher ali. A personalidade. O que a mulher gostaria de dizer de verdade. É a alegria e algumas mensagens, um desabafo da mulherada, de uma forma bem-humorada.

Quando foi que você decidiu que a música seria seu caminho?

Há dois anos, quando eu escrevi Coitado.  Eu escrevi essa música e a partir do carinho, das mensagens que recebi das pessoas. Comecei a perceber qual era a minha responsabilidade em relação à música e que eu queria iso.

Você podia imaginar quando estava no sítio que um dia poderia ser uma estrela?

Jamais. Sempre sonhei, mas o sonho era muito distante da minha realidade. A minha cidade tinha 3 mil habitantes e eu nem morava lá, morava no sítio mesmo. Era só eu, meu pai, minha mãe, minha irmão, com três cachorrinhos, uma vaquinha (risos).

Em Farol mesmo?

Isso.

E eu fui para Mourão para fazer faculdade e lá eu me descobri como cantora.

Faculdade de que?

Eu me formei e fiz pós-graduação em estética.

Você tem uma preocupação com visual, acha que isso é importante?

Eu acredito que a mulher tem que ser vaidosa. Se sentir bem. Como eu sou vaidosa? Eu gosto de cuidar do meu cabelo, de cuidar da minha pele, passar uma maquiagem, estar com uma roupa bonita.

Aí tem pessoas que tem vaidade com o corpo. Uma gosta de ser malhada, outra de ser magra, de ser bombada, ter silicone, barriga chapada. Diversos tipos de ser preocupar com a beleza.

Eu me preocupo com a beleza interior, principalmente, como as pessoas me enxergam como pessoa. E depois de estar sempre cheirosa, de cabelo arrumado, bem maquiada. E isso acho que me ajudou muito em questão de ter esse carinho das mulheres.

Porque mulher só tem inveja uma da outra. Se vir uma mulher muito bonita você já entorta o nariz. A gente é assim mesmo. Eu também era assim antes, com menos maturidade.

E a partir do fato de eu ser uma mulher normal, eu não sou nenhum estereótipo de beleza, que parece uma Barbie, que parece uma boneca, uma gostosona do funk, uma mulher fruta. Eu sou uma mulher normal e eu acho que a partir disso as mulheres colocaram em mim uma certa confiança, um certo carinho.

Não vim para competir com nada nem com ninguém, mas para ser a voz delas.


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Aposta do sertanejo, Naiara Azevedo dá voz a mulheres fora do padrão de beleza