De Leve, Rodrigo (Dead Fish) e Amanda Mussi

Um petição ou uma letra, uma entrevista ou uma jam, um freestyle ou uma corrida, uma arte-final ou uma virada? Esta é a vida dos músicos que têm outras profissões.

Rodrigo Lima, vocalista e letrista da banda de punk hardcore Dead Fish, é advogado. O ídolo da cena alternativa brasileira não tem dúvidas que o trabalho como advogado o ajuda no ofício da música. “Sim, desde a faculdade. Nunca parei para contar quantas coisa escrevi que tem ligação direta com o que estudei e trabalho mas, sem dúvidas, muitas devem ter”, diz.

Músicos que têm outra profissão

Rodrigo Lima, vocalista e letrista da banda de punk hardcore Dead Fish, é advogado
Créditos: Reprodução/Facebook

Pai da Tulipa Ruiz e do Gustavo Ruiz e com um currículo que inclui ter acompanhado o lendário Itamar Assumpção, o jornalista e músico Luiz Chagas já se viu muitas vezes na dúvida entre sacar o gravador para registrar uma conversa ou a guitarra para fazer um som. “Bom, se você está falando com o Jeff Beck, o Toninho Horta, o Hermeto (Pascoal), o Leslie West ou o Arismar do Espírito Santo isso é muita coragem, muita metidez, não é mesmo? Mas falando sério, é uma delícia entrevistar colegas, conversar tanto com o Gilberto Gil quanto com um carinha de uma banda de baile do interior sobre composição. É mais delicado quando o focalizado é alguém próximo, o que ocorre quando o jornalista está na ativa, mas eu me saio dessa entrevistando ‘mesmo’ a pessoa, com distanciamento, tipo ‘me conta a tua história'”, afirma Luiz.

Ramon Moreno, o De Leve, um dos maiores talentos do rap carioca, voltou a viver apenas de música, mas por um período entre 2012 e 2013, ele dirigiu um táxi. Antes, ele já havia passado por uma produtora de vídeo. “O que se aprende de historias no táxi (risos) Bastante coisa”, avalia. De Leve diz que nunca teve de mandar uma rima após ter sido reconhecido. “Não, pegava muito coroa”, aponta. “Diz meu pai que acontece com ele. Diz ele. Não sei se acredito nele não”, brinca o MC surgido com o coletivo Quinto Andar.

Designer, ilustradora e DJ (sim, na nossa opinião os DJs são músicos e essa polêmica está superada há anos), Amanda Mussi vê total relação entre os trabalhos de imagem e som. “O design influencia bastante no meu gosto musical e vice-versa, assim como tenho preferência por certas cores, tonalidades e texturas, o mesmo ocorro com timbres, instrumentos e composições. Sou muito ligada na estética sci-fi dos anos 60/70, no exagero de cores dos anos 80 e no construtivismo russo nos anos 20, que trabalha muito com colagens e tipografia, e na música não é muito diferente eu adoro sonoridades mais vintage com um teor de mistério e seriedade ao mesmo tempo, a utilização de certos samples”, analisa Amanda, que bate suas maiores referências.

Para Luiz, se beneficiar dos conhecimetos musicais para ser um jornalista melhor é “muito natural”. “Um engenheiro funciona melhor numa revista sobre engenharia, um publicitário idem em sua área. O que acontece, pelo menos em uma visão rápida, é que a música de massa se confundiu com a literatura e a realidade, nos anos 1960. Eu vivi isso e a coisa continua a reverberar até hoje. Passou-se a exigir do artista músico opinião sobre tudo, afinal as músicas faziam parte do dia a dia, inspiravam-se nos jornais. Mas, tanto em um caso quanto em outro, é preciso ter cultura. É claro que existem tapados fazendo música e jornalistas que não sabem música mas opinam. Afinal a música de massa dos dias de hoje encerra um fim em si mesma. O negócio é ter cultura geral, mas pra isso a pessoa precisa estar interessada no mundo. Gente focada pode ser tão desagradável quanto ignorantes em geral”, opina.

Rodrigo revela que é advogado e músico ao mesmo tempo por opção. “Posso fazer esta opção hoje, eu que quero fazer algo mais do meu tempo. Desde 2012, acho importante estar em outra área, uma completa a outra e uma faz entender o prazer que decorre da outra, apesar de eu ter infinitamente mais prazer com a música”, diz.

Amanda tem uma opinião parecida. “Não conseguiria viver apenas de música pois ambos trabalhos estão bastante atrelados entre si. Eu mesma faço todo o material de comunicação visual das minhas mixtapes e das festas que produzo (Dûsk e Egrégora). Além de amar fazer trabalhos para outros DJs e produtores. O que sim eu faria, seria somente viver de música e desenhando para música.

Luiz, por sua vez, conta a sua experiência. “Tenho 62 anos. Na minha época não havia internet ou computadores, mas eu lia, tocava, estudava, vivia, com igual intensidade, ou melhor, necessidade. Tinha uma visão multidisciplinar. Eu só tive de optar entre música e jornalismo quando enfrentava dificuldades financeiras. Nos períodos em que não havia shows eu arrumava um emprego em redação. Quando não havia emprego, eu me dedicava à música. Não existe uma fórmula. Em vários momentos fiz várias coisas ao mesmo tempo; em vários momentos não tinha o que fazer. Tive fases boas, fases negras e no geral dei muita sorte”, afirma.

Em seguida, o guitar hero, contextualiza o que era o trabalho do jornalista e do músico há algumas décadas. “Na minha época, o mundo a que tínhamos alcance era infinitamente menor. Pensa bem, eu tinha de economizar, ir em uma loja de produtos importados e, com sorte, comprar uma revista que trazia alguma coisa aleatória sobre os Beatles ocorrida meses antes. Hoje você clica e, praticamente, participa do que acontece no mundo, testemunha. Eu me considero músico, me considero jornalista, não tem o só. Queria desenhar, fazer mais trilhas de filmes, traduzir mais livros. Não pintou mais, não pinta, mas também não me frustra. Minha mensagem é faça, vai fazendo, torne real o que você quer. É como dizer, viver é acrescentar e não limitar”, defende.

Não dá pra negar que o cara sabe das coisas. Especialmente no que se refere a transferir seu DNA musical para os filhos.


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Advogado, jornalista, taxista, designer. Veja músicos que têm outras profissões

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