Protagonista de uma geração democrática, rica e prolífica da bossa nova – a do início dos anos 1960 -, Marcos Valle acaba de dilatar sua consistente discografia com o novo CD/DVD Marcos Valle Conecta: Ao Vivo no Cinemathèque, registro de uma bossa nova visionária, “que olha para frente, não para trás”, tal como descrita pelo cantor, sucesso permanente na Europa e no Japão, em entrevista exclusiva ao Virgula.

Prestes a comemorar 65 anos, Marcos Valle traçou uma história pessoal de parcerias memoráveis, com gente como Edu Lobo, Dorival Caymmi, Sarah Vaughan, Chicago, Leon Ware, Airto Moreira e o irmão e letrista Paulo Sérgio. Compositor, instrumentista, cantor e arranjador, ele investe também em alianças com jovens talentos da música nacional, tais como Marcelo Camelo, +2, Fino Coletivo e os DJs Nado Leal e Plínio Profeta, artistas convidados do recente CD/DVD. No papo que bateu com o Virgula, registrado a seguir, ele revelou detalhes sobre o lançamento, e comentou as comemorações em torno dos 50 anos da bossa nova, cujo mote é a homenagem a seu amigo João Donato. Confira.

A retomada
“Conecta reflete um momento muito especial na minha carreira, traduzindo algo que já venho fazendo há alguns anos na Europa e no Japão e que, finalmente, começa a ter um retorno aqui no Brasil. A música que faço lá fora é reconhecida como uma renovação da bossa nova, pelo fato de envolver tantas influências. Pop, jazz, baião, soul. Tudo isso deu uma característica de mistura à minha música”.

Turbinando
“Essa bossa nova misturada é, digamos, uma bossa nova turbinada. Algo que já está consolidado lá fora. O Conecta veio caminhando como conseqüência do que estava acontecendo no exterior. É um marco para mim porque as pessoas vão poder ter conhecimento do que quero fazer pela renovação da bossa nova.

A descoberta
“Descobriram minhas músicas na Europa e tive um convite da gravadora Far Out, de Londres. Tive propostas de outras, mas confiei na proposta que me fizeram e já estou no quarto disco com eles. Eles relançaram discos antigos por lá, o que, como conseqüência, fez com que as pessoas quisessem ouvir coisas novas minhas. No Japão, país que é consumidor da bossa nova há muito tempo, surgiu uma garotada nova principalmente por causa dos DJs que tocavam minhas músicas”.

Antes de Conecta
“Jet Samba foi meu último disco antes do Conecta, e veio muito bem porque eu só tinha gravado um disco totalmente instrumental em 1966. É que o pessoal gosta que eu cante, e acabo sempre colocando apenas uma ou duas faixas instrumentais em cada álbum. Queria fazer algo importante, com dedicação, e aproveitei todas as condições de tempo e dinheiro que tive na época. O retorno foi muito positivo, tanto de público, quanto de imprensa. O destaque foi o prêmio TIM de instrumental do ano. Agora, o Conecta é completamente diferente do Jet Samba, o que acho legal. Não gosto muito de me repetir”.

A longa estrada da bossa nova
“Não vejo a bossa nova como algo que começou há apenas 50 anos. Acho que uma música tão aberta e democrática deve ter começado há muito mais tempo. Não dá para ver a bossa apenas como aquela imagem tradicional. Ela engloba muitas influências. Dá para ver pelo que faço com gente nova como Lulu Santos, Jorge Vercilo, Marcelo D2 e o próprio Marcelo Camelo. Quanto à minha música, acredito que ela transcende o que se entende por bossa nova, apesar de ter muito a ver com ela, que é de fato um dos mais importantes movimentos da música brasileira”.

João Donato
“Sou muito amigo do João Donato, que tem características particulares no estilo musical dele. A maneira que ele compõe é bem descontraída. Isso apareceu também no show que foi feito em homenagem a ele, na ocasião das comemorações dos 50 anos da bossa nova. Às vezes parecia que os convidados nem sabiam o que iam fazer, mas ficou simpático, até porque a música dele é mesmo esse descompromisso. Esse projeto que o Itaú fez para o João Donato lembra muito o Accentura Performances, de 2006, em que tive encontros maravilhosos com Ed Motta, Celso Fonseca, Sandra de Sá e Marcelinho da Lua, e para o qual fui convidado pelo Nelsinho Motta. Também gostei muito da experiência”.

Cinemathèque
“A idéia do DVD nem existia quando falei com o Cinemathèque e eles propuseram fazer uma série de shows. Escolhi o Cinemathèque pelo local ser parecido com algumas casas da Europa em termos de clima e tipo de público. Não teve a ver com tamanho, estrutura ou acústica do lugar, detalhes que eu ainda desconhecia. O local não é grande, então tivemos que nos esmerar na parte de câmera. Mas o Roberto de Oliveira fez um belíssimo trabalho de filmagem”.

Conexões
“Eu queria fazer apresentações com a energia das que faço na Europa, com convidados da nova geração que tem a ver com a minha música e que se identificassem comigo para não ficar nada forçado. O primeiro convidado em que pensei foi o Marcelo Camelo. Quando entrei em contato com ele, ele estava saindo dos Los Hermanos. Disse que era meu fã, que tinha tudo que eu faço. Fiquei animado com a empolgação dele, já que já estava curtindo o que ele fazia. Em seguida, fiz a mesma coisa com o Fino Coletivo e o +2 [Moreno Veloso, Domenico Lancelotti e Kassin]. Adoro a mistura que eles fazem. O time estava fechado, mas a Patrícia Alvi deu a idéia de convidar DJs, até porque minha música foi redescoberta por eles, tanto na Europa como no Japão. E eles deram esse toque festivo. Fechamos a tampa. Antes não previsto, esse DVD veio como uma conseqüência do resultado final, que ficou muito bom. Vejo como um material underground, mas com um lado profissional muito forte. O legal também foi que a gente tocou mesmo, mandou ver, já que não sabíamos que ia dar em um DVD”.

Repertório
“O repertório foi pensando a partir de músicas da minha última turnê pela Europa. Outras surgiram em conseqüência dos convidados. ‘Nem Paletó Nem Gravata’ foi uma sugestão do Marcelo Camelo, enquanto que ‘O Cafona’ surgiu quando eu estava ensaiando com o +2 e senti, de repente, o quanto a música se encaixava. ‘Próton Elétron Nêutron’ também caiu muito bem no meio de uma música do +2, ‘Homem ao Mar’”.

Viajando
“Vou para a Austrália no início de setembro, fazer no mínimo três shows por lá. Vou junto com João Donato, Roberto Menescal, Wanda Sá e Vinícius Cantuária. Em outubro, viajo para o Canadá, onde me apresento com o Carlos Lyra e o Roberto Menescal, também em pelo menos três shows. Depois sigo para a Europa, eu e minha banda apenas, para divulgar o ‘Conecta’. Devo voar para lá por volta do dia 16 de outubro, para fazer de 15 a 20 dias de shows”.


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A bossa é nova nas conexões de Marcos Valle

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