Quantas vezes você já não teve vontade de falar “chega, eu vou embora pra roça, criar galinha”? Quantas vezes você cumpriu a promessa e foi começar uma nova vida em um lugar menor e mais calmo?

O Virgula Inacreditável conversou com três pessoas que decidiram abandonar a vida urbana por um tempo e tocar a rotina em outra cidade. O único requisito era que todos os entrevistados tivessem levado consigo a profissão, mostrando ser possível (ou não) conciliar carreira e qualidade de vida. Encontramos histórias inspiradoras, reviravoltas no roteiro e muita, muita esperança no que vem por aí. Bora conhecer esse pessoal?

A vida longe das metrópoles


Créditos: Arthur Soares Henriques

 

 Yentl Delanhesi e Peèle Lemos

 O casal vive em uma pequena fazenda perto de Catuçaba, um distrito de 800 habitantes no topo da serra do Mar, no estado de São Paulo.

“Há mais ou menos cinco anos, decidimos achar um refúgio para fugir da frequência de SP nos fins de semana, e encontramos esse pedaço de terra. A região era especial e, culturalmente, sentíamos que existia muita riqueza e muita coisa que poderíamos aprender. Pouco tempo depois fomos surpreendidos por um convite para ir morar fora do país. Com o coração um pouco apertado, mas com o mesmo intuito de viver/estar em locais interessantes e inspiradores,… Fomos. Em 2014, viemos ao Brasil para uma temporada de nove meses, para morar em Minas, dentro de Inhotim, desenvolvendo um projeto. Novamente, vários bons inesperados aconteceram, e nos demos conta de que eles estavam nos conduzindo para algo. Nem sentimos que foi uma questão de escolha. Não fazia mais sentido voltar novamente para os Estados Unidos, foi apenas seguir o fluxo que nossas próprias decisões e buscas ditavam. E aqui foi uma das chegadas.”

As expectativas eram altas, porém baseadas na simplicidade da vida: aprendizado com a natureza, ética, aprimoramento estético, valorização do processo… O sítio e as pessoas ao seu redor eram os canais mais férteis para isso acontecer.  “Chegar aqui foi descer de um pedestal de ‘cidade grande’ e entender que nós somos alunos. Nosso primeiro objetivo foi se adaptar ao local, aprender a ‘língua’ e o ‘tempo’ do lugar, equilibrar ser mão-de-obra com ser cabeça-pensante”, contam.

Com a mudança de rotina, o casal ganhou seu tempo de volta. Eles explicam: “Comer é um processo mais longo, porque ele começa dias antes, quando a gente faz a compra da semana e colhe os ingredientes necessários, e demora mais minutos na hora de saborear, porque não há pressa em voltar para algum lugar. Isso reflete em uma rotina mais leve, disciplinada, prazerosa e consciente”.

Ainda assim, o trabalho “de cidade grande” continuava e, para isso, foi necessário mudar o processo como ele acontecia. A tecnologia ajudou bastante, mantendo-os conectados a quem era preciso, e o foco aumentou, uma vez que trabalhar passou a ser um dos vários eventos da rotina deles. E, às vezes, que mal tem em convidar o “cliente” para passar um dia na fazenda?

Peèle e Yentl não pensam em retornar a São Paulo, pelo fato de a cidade não ser compatível ao estilo de vida que buscam. Para eles, a cidade proporciona três pontos que comprometem a liberdade que precisam: muito desperdício, medo e intermediários.

Carol Patrocínio

Vive em Santo Antônio do Pinhal, a duas horas de São Paulo, com o marido Eduardo e os filhos Lucca e Chico.

“A gente estava bastante cansado do caos, de ficar horas no trânsito e não ter paciência para nossos filhos e um para o outro. E São Paulo tem essa coisa ilusória de que você tem o mundo nas mãos, nunca dorme, vai ter uma vida cultural intensa e que não pode viver sem isso. E, bem, é só uma ilusão. A gente trabalha tanto que não tem tempo para aproveitar nada disso. ‘Mas e se eu quiser comer comida tailandesa às 3h da manhã eu posso…’ Bem, alguma vez você quis? A gente, não. A gente ficava tão cansado que não aguentava fazer nada aos fins de semana, só queria assistir Netflix em paz”.

Querendo mais tempo e energia para se dedicar às crianças, sem gastar o salário nisso, partiram para o interior. Lá, trabalhariam com mais foco e menos pressão, afinal não precisariam passar oito horas em um escritório, sem necessidade. Carol e Eduardo são jornalistas e resolvem tudo via internet. Nessas horas, a organização da cidade grande faz com que Carol possa se programar e curtir melhor o tempo no interior.

Já a dinâmica de cidade pequena foi uma adaptação para a família, que estava acostumada com horários a serem cumpridos e rapidez no atendimento. Acontece. Afinal, não era calma o que eles buscavam? Esse clima mais ameno foi encontrado também nos bichos, como os macacos fazendo algazarra pela manhã, as vacas, os galos e os pássaros de todos os tipos que aparecem no jardim, para comer as frutas que ficam por ali.

O senso de comunidade foi outra surpresa: a vizinhança é hospitaleira, oferece ajuda e se mantém presente. “Aqui não tem aquela coisa de SP de “passa lá em casa” e não passar o endereço. Aqui as pessoas param no meio do caminho e batem papo por meia hora. A relação interpessoal é outra”, conta Carol.

Dormir mais e melhor, fazer sua própria comida, ter a família à mesa nas refeições e usufruir o tempo livre são fatores que fazem com que a família ainda não considere retornar a São Paulo. “Ainda estou naquela fase de paixão e voltar para a cidade é o que eu menos quero. Passar meus dias no mato tem me feito muito bem e, como em começo de relacionamento tudo é perfeito, não pretendo mudar nada”, finaliza.

Dado Motta


Viveu por dois anos e meio em Botucatu, com a ex-mulher Juliana e o filho, Paco. Hoje, viaja para ver o menino nos fins de semana.

A história do designer é um pouco diferente, e mostra que, às vezes, vale mais retomar a vida na cidade e valorizar o que há de especial no interior.

Quando Dado descobriu que seria pai, sentiu a necessidade de levar uma vida com mais qualidade. Na época, ele e a então mulher Juliana passaram a procurar novos rumos para construir uma nova vida, e encontraram em Botucatu uma espécie de condomínio antroposófico, com base na filosofia que busca trilhar a verdade que reside entre fé e razão. Lá, a comunidade se formava em volta de uma escola de pedagogia Waldorf e de uma fazenda de agricultura biodinâmica – modelo agrícola que evita o uso de químicos e integra as várias atividades de uma propriedade como horta, pomar, campo de cereais, criação animal e florestas nativas .

Morou por lá durante dois anos e meio, e pôde ver o filho se criar próximo da natureza e de tudo o que ela oferece. Nesse tempo, conseguiu levar a vida romântica de quem quer abrir mão das coisas, mantendo a conexão com São Paulo. Transferiu suas aulas de ioga para o interior, continuou seus trabalhos e tocou a vida.

Com o tempo, começaram a pesar mais as coisas que estavam em São Paulo, como a família, os amigos e os projetos, e, no final de 2013, Dado voltou. Hoje, para não perder os momentos com o filho, viaja às sextas-feiras para Botucatu e passa o fim de semana por lá.

 


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Já pensou sair da cidade grande e levar uma vida mais simples? Conversamos com quem já teve coragem

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