Há exatos 20 anos, no dia 7 de março de 1990, morria um dos principais personagens da história do Brasil. Luiz Carlos Prestes liderou a histórica revolta tenenstista, iniciada em outubro de 1924 e que pretendia levantar a população contra a dominação das oligarquias da época, exigindo reformas políticas e sociais.

O movimento saiu do Rio Grande do Sul e se juntou aos paulistas. Sob o nome de Coluna Prestes e com mais de mil homens, a marcha percorre cerca de 25 mil quilômetros pelo pais e termina em 1927. Prestes, então, vai ao exílio.

Em 1935, volta clandestinamente ao Brasil sob o nome de Antônio Vilar. Sua esposa, Maria Bergner Vilar, do Partido Comunista Alemão era, na verdade, Olga Benário, retratada na biografia de Fernando Morais que foi adaptada para os cinemas sob direção de Jayme Monjardim.

No mesmo ano, Prestes publica um manifesto em nome da Aliança Nacional Libertadora (ANL) exigindo o fim do governo Vargas que, por sua vez, declara a ANL ilegal. Prestes e Olga são presos em março de 1936. Posteriormente Prestes é solto, mas Olga, grávida, é entregue a agentes nazistas. A filha nasce na prisão e depois é entregue à avó, mas Olga morre em um campo de concentração em abril de 1942.

Novamente exilado após o golpe militar de 1964, Prestes vai morar em Moscou. Volta ao Brasil com a anistia de 1979, mantendo seus ideais comunistas, apesar de não mais defender a revolução popular. Agora buscava o socialismo pelo voto.

Apoia a candidatura de Leonel Brizola à presidência da República em 1989. No início do ano seguinte é internado por insuficiência renal em uma clínica do Rio, vindo a falecer poucas semanas depois, com 92 anos.

 

Minhas seis horas com Prestes
um relato do jornalista Vitor Angelo

Era começo dos anos 1980, vivíamos o começo da abertura política e um dia veio parar em minhas mãos um panfleto sobre um curso: ABC do Socialismo. Aquilo soava clandestino, nada mais propício para um jovem que algo proibido. Resolvi fazer. Mesmo com a chamada “distensão”, era divertido pra mim ter sempre que mudar de prédio porque a polícia ameaçava invadir as palestras.

Lembro de que não entendia nada do que aquelas pessoas falavam: ditadura do proletariado, dialética, luta de classes, materialismo histórico. Mas lembro que adorava, pois depois do curso sempre tinha uma festa em algum lugar ermo, onde teria uns livros de Marx, Engels e Marcuse pra comprar e uma cerveja barata. Se nos perdíamos para chegar ao local, a gente pedia informações para um passante. Se ele falava que tinha que virar à direita, a gente vaiava a pessoa e se era pra virar à esquerda, aplaudíamos entusiasticamente.

Toda essa introdução foi pra explicar o grau da minha seriedade em relação à “Revolução”. Lembro do constrangimento dos camaradas quando soubemos que Luiz Carlos Prestes estava em São Paulo e iria dar uma palestra. Eu, sempre leviano, disse sem prensar: “Oba, vamos conhecer o Mickey Mouse do comunismo brasileiro”. O silêncio gelou o ar, deixando-o mais frio que um gulag na Sibéria. Não era assim que o “Cavaleiro da Esperança” deveria ser tratado, o tenente supremo da Coluna que levou seu nome, o homem que deu a vida pela democracia e pela justiça para os mais pobres. Me calei e assim permaneci durante toda a palestra de Prestes.

Ele já estava com seus 80 anos, sabíamos, mas parecia muito menos a partir do momento que ele começou a falar. Seu discurso ainda era vivo e apaixonado como um adolescente. Senti vergonha de mim por alguns instantes. Lembro muito de suas mãos enrugadas e ágeis explicando com determinação porque os mais pobres mereciam o paraíso na Terra, não em outro lugar. Falou horas, acredito que umas seis horas, para uma platéia atônita, hipnotizada.

Sua postura era elegantíssima, altiva, ele tinha as esperanças, de um cavaleiro, que o mundo iria mudar pra melhor. E ele nos enchia de esperança. Naquele momento minha mentalidade começou a mudar. Pensei que se aquele homem tinha aquela compreensão do mundo era por sua seriedade, dedicação e o comunismo não era uma piada, um passatempo como até então era pra mim.

Sai decidido a estudar e compreender tudo o que ele falou. “Fui sempre um exilado, mas porque meu país, o Brasil, se exilou das mudanças necessárias” é uma frase incerta e pouco precisa que credito a ele. Foi a única vez que o vi na vida. Com uma mente dinâmica, não parou de falar. Quase sem pausa. Nem percebemos o tempo passar. Aquilo aconteceu fora do tempo e do espaço, pois eu conheci o último dos utópicos – Prestes odiaria esse termo se referindo a ele.

Quando tudo acabou, virei para os mesmos amigos que me censuraram e disse: “Se ele é o Mickey, a gente é o Pateta”, e cai na risada, não percebendo que naquele momento, de uma maneira grosseira ainda, tinha aprendido o que era dialética e isso eu agradeço até hoje ao mestre Prestes.


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Morte de Luiz Carlos Prestes completa 20 anos

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