A palavra mais usada pelo diretor de Deixa Ela Entrar, Tomas Alfredson, durante o debate que aconteceu nesta quinta-feira, dia 29, na FAAP, em seguida da exibição do longa – parte da 33a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – foi, sem dúvida, a sugestão. É baseado nela que todo o aclamado filme sueco foi pensado, dirigido e montado. E se essa é a palavra de ordem, nada melhor do que uma discussão para aflorar as percepções do público brasileiro.

Apesar dos momentos impertinentes – perguntas cheias de malícia, falta de sensibilidade e até abordagens típicas de quem não estava acompanhando atentamente o diálogo sobre o longa – o saldo foi positivo. Alfredson pôde comentar desde o seu processo criativo até infeliz remake que o filme, vencedor de mais de 50 prêmios mundo afora, vai ganhar nos Estados Unidos.

Moda vampiresca

Deixa Ela Entrar vem sendo muito comentado por críticos e jornalistas como uma atualização do gênero vampiresco, mas segue totalmente o caminho inverso. “Não tenho tradição de filmes de horror. Nem mesmo na Suécia o gênero é comum”, comentou o diretor. Para ele, o filme fala sobre o amor verdadeiro e o suspense é usado o tempo todo como sugestão. “Quis fazer um filme silencioso, até mesmo com poucos diálogos para que esse terror fosse criado na mente dos espectadores”.

Tanto está alheio à moda vampiresca, que Alfredson foi categórico ao responder perguntas sobre as séries – True Blood e Vampire Diaries – e filmes – Crepúsculo e Matadores de Vampiras Lésbicas – do gênero. “Nunca assisti a nenhum deles. Não conheço nada sobre o vampirismo, sobre seus hábitos”, revelou. E não é pra menos, Deixa Ela Entrar se distância ao máximo dos filme de/sobre vampiros, já que sua história é focada na relação de amor dos dois personagens e da proximidade entre eles por meio das suas dificuldades de interação no meio em quem vivem.

Um jovem na década de 80

Baseado no livro do escritor sueco John Ajvide Lindqvist, a história se passa no início da década de 80 e conta a história de Oskar e Eli, dois seres que se sentem excluídos pela sociedade – ela por ser uma vampira e ele por problemas de adequação social. “Filmar sobre esse período foi ainda mais fácil pra mim, porque eu tinha a idade do personagem na época. Me deu mais liberdade pra contar a história. Se fosse filmado no tempo atual, não teria o mesmo impacto, derrubaria a história”, explicou.

De acordo com o cineasta, o interesse pela história surgiu há uns cinco anos. “Recebi o livro de um amigo. Confesso que não gosto de receber livros, porque sempre gostei escolher minhas próprias leituras. Mas a história me conquistou desde o início. Me identifiquei com o personagem do Oskar, um garoto tímido que tinha problemas na escola”, entregou. “Independente do tema, gosto de contar boas histórias”, comentou.

Sexualidade e violência

Diferente do que foi percebido por parte do público, o longa sueco não traz insinuações homossexuais sobre o garoto e a vampira/vampiro e nem mesmo uma visão sexualizada de suas relações. “Não há esse elemento no filme. A cena em que ela deita, nua, na cama com ele, por exemplo, é apenas uma conexão de amigo”, esclareceu. Segundo ele, a única cena embaraçosa foi fazer o beijo. “As crianças não se sentiram confortáveis para realizar a cena, mas tudo foi feito com muita sutileza. Até mesmo aquelas de nudez, os atores não filmavam juntos”.

Sobre a violência em meio a tanta delicadeza na abordagem, Alfredson foi taxativo. “Não há conflito entre elas. A violência no filme é mostrada desde o interior do personagem. É sobre lidar com essa raiva e conseguir colocar pra fora. Oskar é sempre contido, mas quando a braveza sai, é violenta, forte”, comentou.

O processo criativo

Para construir todo esse esquema sugestivo, Tomas revelou todo o seu processo criativo. “Imaginei cores, sentimentos, sons e tentei me afastar dos ideais intelectuais e da influência de outros diretores. Toda a minha inspiração veio da literatura, da música, das artes”, explicou. “Para você ter uma ideia, eu e o autor – que também escreveu o roteiro – cortamos cenas grandes, do filé mignon e deixamos apenas o que poderia ser explicado com imagens”.

“Tentei fazer um filme mais silencioso possível. Os diálogos não eram o mais importante, afinal não fala de sentimentos do cotidiado, de ações do dia-a-dia. A narrativa é poética”, complementou.

Quando perguntado sobre o trabalho com as crianças, exibiu sua intimidade com o assunto. “Trabalho há muito tempo com crianças. Elas são as criaturas mais cinematográficas que existem. Todos os dias eu lia em voz alta o script. Isso ajudou muito ao fazê-los se imaginarem na situação dos personagens. Além disso, durante as filmagens, em cada tomada, eu mencionava um elemento novo”.

O [infeliz] remake

Sobre a versão norte-americana dirigida por Matt Reeves (Cloverfield), que deve estrear em 2010, o cineasta não colocou muita fé. “Confesso que senti ciúmes quando soube, até porque você toma aquilo como seu, se envolve durante o processo. Mas como sabemos, o livro é aberto a outras adaptações”, contou.

“Eu só posso lamentar que os Estados Unidos queiram sempre recontar as histórias em inglês para que seu povo possa conhecê-la. Eles não aceitam filmes de outras línguas, talvez por preguiça de ler legendas”, criticou.

Próximos projetos

Agora com o nome forte no mundo do cinema, Alfredson poderia muito bem se jogar de cabeça no mercado Hollywoodiano. “Não me mudarei para lá. Se surgirem convites para dirigir filmes, só aceitarei se gostar da história”.

Por enquanto, então, o sueco pretende tocar outros projetos internacionais, entre eles o longa The Danish Girl, sobre a primeira pessoa na história a fazer uma cirurgia de mudança de sexo – o homem Einar Wegener, que se transformou em Lili Elbe, na década de 20. A película pode ter ninguém mais que Nicole Kidman no elenco.

“Outro plano é fazer Tinker, Tailor, Soldier, Spy, filme britânico baseado em um livro do escritor John Le Carré“, revelou.

Com todo esse talento visto em Deixa Ela Entrar, os projetos de Alfredson são bastante aguardados pelo cinéfilos no mundo todo. É esperar para ver.


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Para o diretor de "Deixa Ela Entrar", sugestão é a palavra de ordem