Pego a última edição da década da revista Uncut – ícone da “inteligência” musical, editada no epicentro sonoro mundial, Londres – e está lá: disco do ano – Imidiwan, da banda de uma tribo nômade de Mali, Tinariwen.

É sério.

É muito sério.

Entre os postulantes circulam bandas tão chatas quanto pretensiosas como o Grizzly Bear. Dessas bandas que não têm guitarrista nem baixista, mas instrumentistas – um cara larga a guitarra, empunha um banjo e depois tira um som de um serrote. Sabe?

A coroa de 2009 da revista representa bem o que foi a década, onde a (rapidez de) informação foi inimiga dos critérios.

Vamos à raiz.

A década começou em 1998 (pois os períodos começam quando bem entendem, e não quando o calendário determina), quando um garoto de 18 anos inventou o Napster. Com ele, as coleções de discos passaram a ser dos tamanhos dos HDs.

A primeira derrapada veio um ano após a explosão do produto, em 2000, quando o baterista do Metallica resolveu que tinha gostado da brincadeira de vender dezenas de milhões de CDs e declarou guerra ao professor Pardal do MP3, Shawn Fanning.

Conseguiu se queimar tentando pateticamente impedir a chuva pingo por pingo.

O efeito deslumbrante do Napster fez com que todos tivessem acesso a tudo do mundo da música – de banda iraniana de ska a grupo de pagodeiros britânicos, passou a valer a descoberta.

Descubro a coisa mais estranha, logo existo.

Ou por outra: descubro a beleza na coisa mais estranha, logo existo.
Essa passou a ser a lógica. Fosse num seriado (outro hit da década), eu falaria lógica com os indicadores e anulares simulando aspas.

O Radiohead foi quem se deu melhor, pois soube ficar estranho.

Num mundo em que valia o diferente, ninguém mais quis pagar por nada, pois a web sempre tangencia o gratuito.

E depois das tentativas mais bizarras de se (re)criar um mercado musical sob essas novas condições, o Radiohead virou Casas Bahia com In Rainbows e perguntou: “Quer pagar quanto?”.

– “Eles podem fazer isso, pois são o Radiohead”, você pode argumentar a este texto.

“Sim, eles podem fazer isso, porque são o Radiohead”, responde o texto.
E você pode comprar ou não. Só que ninguém compra uma banda iraniana de ska. A corda morde o rabo.

O mundo do gratuito criou o monstro MySpace, rede social que colocava em contato direto banda e fã. E o mundo criou as redes sociais, onde as pessoas aderiam a tribos virtuais, plastificando ainda mais o cenário.

E quando passava para o mundo real, a coisa ficava mais e mais longe do grátis.

Bandas descobriram que o Brasil paga(va) cachê cheio, e o país entrou definitivamente na rota.

Começou com o Rock in Rio 3 e não parou mais.

Até que tivemos o show que mudou o patamar do preço dos ingressos – Coldplay, em 2003.

Entradas passavam a valer três dígitos. Inimagináveis R$ 100 a inimagináveis seis anos. Esgotou. E desde então tem sido um teste de resistência aos bolsos, que culmina com Metallica no Morumbi a R$ 500 por cabeça pela proximidade vip do palco.

Nada mais esdrúxulo para um ano em que o rei do pop morreu e que a coroa passa para os tuaregues do Tinariwen.

Luiz Pimentel é jornalista, blogueiro e editor-executivo de Entretenimento do portal R7


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Luiz Pimentel: A década dos dois pesos e 30 medidas na música