Mais de 20 milhões de pessoas habitam a Amazônia brasileira hoje.  Uma população formada após diversos movimentos migratórios, quando expansões econômicas como o ciclo da borracha ou as grandes obras de infraestrutura do governo militar atraíram trabalhadores para região.

Essa dinâmica mudou na atualidade.  Hoje, a tendência na Amazônia é que os fluxos migratórios ocorram internamente, na própria região.  De acordo com o pesquisador no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA) Luis Aragón, o êxodo rural continua.  “Hoje, existe intensa mobilidade interna na Amazônia brasileira.  Está ocorrendo um processo forte de urbanização na região, com cidades com mais de um milhão de habitantes, como Manaus e Belém”, diz.

A população urbana da Amazônia praticamente triplicou entre as décadas de 1980 e 2000.  Em 1980, 4,7 milhões de pessoas estavam nas cidades, e esse número passou para 13,7 milhões no ano 2000 – data do último Censo Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Os dados mais recentes mostram que a população total da Amazônia Legal é de 24,7 milhões de habitantes, na estimativa de 2009.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), produzida pelo IBGE, mostra que na Amazônia Legal existem cerca de 5,1 milhões de pessoas que não nasceram no mesmo Estado em que vivem, ou seja, migraram.  Se compararmos com a população da Amazônia, veremos que 20% da população que vive hoje na região é formada por migrantes.

Algumas áreas têm taxas ainda maiores de pessoas que migraram.  Em Roraima, 45% dos habitantes que viviam em 2008 não nasceram no Estado.  Em Rondônia, 42% e em Mato Grosso, 41%.

Os dados do Pnad mostram bem a dinâmica atual e histórica do povoamento na Amazônia.  Se pegarmos as pessoas que vivem em Rondônia, mas não nasceram no Estado – um total de 648 mil pessoas – veremos que 25% dos migrantes vieram de outros estados da Amazônia, evidenciando a intensa mobilidade na região; 23% nasceram no Estado do Paraná, reflexo da época do povoamento de Rondônia, e 18% vieram no Nordeste, provavelmente atraídos pela mineração e projetos de infraestrutura.

Grandes obras

A expectativa é que obras de grande porte que estão sendo financiadas pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) estimulem ainda mais a migração para a região.

A usina de Santo Antonio (RO), por exemplo, já emprega cerca de 5 mil pessoas, de acordo com informação do consórcio responsável pela usina do final de julho.  Os empreendedores esperam que o pico de mão-de-obra para as usinas seja em janeiro de 2011, quando cerca de 12 mil pessoas devem estar trabalhando no local.

A oferta de emprego deve atrair a migração para Porto Velho, reforçando a tendência de migrações internas na região amazônica.  Esse grande fluxo de pessoas movimenta a economia da região, mas também evidencia a precariedade dos serviços mais básicos nas cidades amazônicas.  “As cidades se enchem de favelas porque não têm os serviços que deveriam ter para atender esse contingente que chega do interior”, explica Aragón.

Um exemplo disso já está sendo observado em Jacy Paraná, distrito de Porto Velho, onde fica o alojamento dos trabalhadores das usinas do rio Madeira.  Com o aumento da população, a cidade está enfrentando um surto da epidemia de malária.  Desde quando as obras começaram, a quantidade de casos diagnosticados aumentou 63,6%.

Ocupação na Amazônia

Historicamente, sempre existiu migração para a Amazônia, desde os tempos das conquistas dos espanhóis e portugueses.  Mas a primeira grande leva de população para cidades amazônicas foi no boom da borracha, nas décadas de 1850 a 1910.  A produção atraiu os chamados “soldados da borracha”, principalmente em períodos de forte seca no Nordeste.

Muitos estrangeiros se fixaram na Amazônia na época, e assumiram importância econômica quando o ciclo da borracha acabou.  “Quando o boom acaba, há uma estagnação grande na economia, e foram os estrangeiros que levaram a economia para frente. Eles não estavam vinculados diretamente à borracha, mas a pequenos empreendimentos.  As exportações chegam à zero porque se preferia a borracha produzida na Ásia, mas a vida econômica continuou, porque ainda existia gente morando por aqui.  Nesse período os italianos, judeus, espanhóis, levaram a economia para frente e supriram as necessidades”, explica Aragón.

Na década de 1970, um novo ciclo impulsiona a migração para a Amazônia.  No chamado “Milagre Brasileiro”, o governo militar estimulou a ocupação da Amazônia como política de soberania nacional, oferecendo terras na região para os migrantes: “terras sem homens para homens sem terra”.  Foram feitas grandes obras como a rodovia Transamazônica (BR-230), o projeto de mineração de Carajás, e pessoas do Sul, Sudeste e Nordeste foram atraídas para a região.

O propósito dos militares na época era estimular a ocupação, promovendo o desmatamento da floresta para o desenvolvimento econômico.  A maneira como foi realizada a conquista na Amazônia reflete na região até hoje, gerando conflito pela terra e caos fundiário.  “O processo era muito contraditório, e isso hoje se reflete no conflito pela posse da terra, a posse real e a posse de papel, jurídica.  Esses problemas com certeza são resultado do processo de ocupação”, diz Aragón.


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Amazônia vivencia êxodo rural