Nos últimos anos, Gregorio Duvivier se tornou um dos nomes mais influentes da opinião pública entre jovens adultos. Aos 30 anos, o ator, roteirista, humorista e escritor carioca se destaca por suas posições de esquerda, manifestadas livremente e sem qualquer receio em redes sociais, palestras e até em alguns vídeos do grupo Porta dos Fundos, do qual é cofundador.

Neste clima, o ator faz parte do projeto Você É o que Lê, com Xico Sá e Maria Ribeiro, que discute os rumos da literatura neste mundo contemporâneo e estreou em Salvador, em maio, e passará ainda por Recife, Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Divulgação Projeto ‘Você é o que Lê’ reúne artistas renomados

Não por acaso, encontrar um espacinho na agenda de Gregorio para uma entrevista não é fácil, mas nós conseguimos. Ao Virgula, o humorista falou sobre política, literatura e cultura do estupro, dando destaque para o caso de assédio sexual envolvendo o cantor Biel e uma repórter do iG. “Ele [Biel], na verdade, está inserido em uma cultura que acredita que o corpo da mulher é propriedade do homem, da sociedade, que é a mesma cultura que proíbe o aborto, que acha que o corpo da mulher é um assunto do Estado. O interior do corpo da mulher tem que ser decidido por um Congresso, pelo Eduardo Cunha, por sei lá quem, quando, na verdade, o corpo da mulher é de propriedade dela”, disse ele.

Sobre política, Duvivier criticou o retorno do Ministério da Cultura, baseando-se na teoria de que o governo interino de Temer não é legítimo, além de chamar a Lei Rouanet de “falha”. “A cultura é fundamental, mas não existe cultura sem democracia. Então pra mim a batalha primordial é pela democracia. Mas a defesa não pode ser nem do Ministério da Cultura nem da Lei Rouanet, que é fraca, é falha, problemática”, afirmou, e completou: “os principais beneficiários da Lei Rouanet são pessoas que não precisam dela”.

Leia a entrevista abaixo

Virgula – Para começar, queria que você explicasse um pouco quais são as intenções do projeto.
Gregorio Duvivier –
Eu adoro participar dessas coisas. Já estive em encontros e adoro discussões, e livro é uma coisa que, volta e meia, fica distante do público, e acho que debates aproximam e tornam o livro algo mais quente. Por isso, gosto muito de debater, de encontrar outros autores, e de ouvir também o público. E acho que esse encontro muitas vezes fica só na internet. O autor acaba virando uma figura quase virtual. Acho bom que tenhamos encontros físicos, acho que isso é muito bom tanto para o leitor, quanto para o autor também.

Virgula –  Você acha que essas trocas de ideias em encontros físicos fazem falta na sociedade hoje?
Gregorio
  – Acho que hoje em dia as pessoas estão muito fechadas no Facebook, né? E às vezes a gente fica só na internet e não tem nada melhor que um encontro presencial. Acho muito produtivo.

Virgula –  Em uma situação política e social como a que vivemos hoje no país, com discussão de racismo, feminismo, direitos LGBT e cultura do estupro, e essa divisão entre pessoas que querem mudar algo e outras que acham que está tudo bem, você acha que se a boa literatura estivesse mais presente na vida das pessoas, estaríamos hoje mais evoluídos nessas questões?
Gregorio
  – Eu acho, cara. Acho que toda literatura boa é sempre humanista, sabe? É sempre uma defesa apaixonada do ser humano. Acho tão bom pra democracia, muito fundamental e acho que temos pouco disso no Brasil. Nosso problema é literário, cultural.

Virgula –  Já que estamos falando de cultura, agora com esse teórico retorno do Ministério da Cultura, como você acha que a defesa da cultura e dos recursos à cultura deve prosseguir daqui em diante?
Gregorio
  – Acho que, como diz o ditado, primeiramente “fora, Temer”, né, e depois a gente discute o resto. Primeiro o foco deve ser a defesa de um governo legitimamente eleito pela população. Pra mim interessa pouco ter um Ministério da Cultura em um governo que não é legítimo. Dá a impressão de que ele está aí pra ouvir, que está mudando, quando, na verdade, não está. A cultura é fundamental, mas não existe cultura sem democracia. Então pra mim a batalha primordial é pela democracia. Mas a defesa não pode ser nem do Ministério da Cultura nem da Lei Rouanet, que é fraca, é falha, problemática. Como saiu recentemente, os principais beneficiários da Lei Rouanet são pessoas que não precisam dela, a Fundação Roberto Marinho… Órgãos que mais captam. Então acho a Lei Rouanet falha e não irei sair em defesa nem dela, nem de ministério nenhum. Só sou a favor da democracia e de um governo que tenha a legitimidade do voto.

Facebook/Reprodução “A Lei Rouanet é falha”, diz Gregorio Duvivier

Virgula –  É muito provável que nesse encontro você lide com um público jovem, e nessa semana tivemos um caso bastante emblemático de uma estrela jovem que foi o do Biel, que assediou sexualmente uma repórter. Queria saber o que você pensa sobre toda essa cultura que envolve o papel da mulher na sociedade e qual o emprego de um encontro literário pra tentar mudar essa cultura que ainda persiste aqui no Brasil?
Gregorio
  – Ótima pergunta. Eu não conhecia o Biel até então, mas acho a atitude dele muito sintomática de uma cultura do estupro na qual a gente vive. É o homem que acha que tem o direito de fazer isso, ele acha que tem direito ao assédio no Brasil. E não existe direito ao assédio, não tem direito ao sexo da mulher, não tem direito ao corpo da mulher. Esse pensamento permeia muito aqui no Brasil. Presto até minha solidariedade a repórter, e a todas as mulheres que sofreram e sofrem diariamente esse tipo de assédio.

Cara, essa postura desse garoto é muito comum no Brasil, não é um maluco isolado, ele é a ponta de um iceberg que é a violência contra a mulher no Brasil. Ele, na verdade, está inserido em uma cultura que acredita que o corpo da mulher é propriedade do homem, da sociedade, que é a mesma cultura que proíbe o aborto, que acha que o corpo da mulher é um assunto do Estado. O interior do corpo da mulher tem que ser decidido por um Congresso, pelo Eduardo Cunha, por sei lá quem, quando, na verdade, o corpo da mulher é de propriedade dela. Acho isso daí [caso Biel] criminoso, acho que tem que ser combatido e achei muito bonita a postura dela de denunciar, porque isso acontece todos os dias e as pessoas nem sempre têm essa coragem.

Relembre famosos acusados de assédio

Foi acusado de assédio sexual pelo ator Anthony Rapp. O caso aconteceu em 1986, quando Anthony tinha apenas 14 anos, e Spacey 26 anos
Créditos: Reprodução

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'No Brasil, homem acha que tem direito ao assédio', diz Gregorio Duvivier

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