Quando o jornalista João Carlos Rabello começou, sozinho, a levar peças de outras cidades para serem apresentadas em Angra dos Reis, há mais de uma década, não imaginava que, no futuro, seria o responsável por um dos mais importantes festivais de teatro do país. Assim como os seus congêneres Festival de Teatro de Curitiba e o Festival de Teatro de Porto Alegre, o Festival Internacional de Teatro de Angra dos Reis (FITA) é cobiçado por nove entre dez companhias, atores e diretores de teatro.

O sonho de participar depende de Rabello, curador da mostra, que, por sua vez, também teve um dia o sonho de realizar um evento tão importante para a cidade onde nasceu. A ideia ficou na gaveta até 2003, quando o FITA ganhou os mais importantes teatros da cidade, entre eles, o Teatro Municipal. Naquele ano, cerca de 27 mil pessoas assistiram às 15 peças programadas. Em 2012, em sua nona edição, o público chegou a pouco mais de 95 mil pessoas.

Em 2013, novos recordes de espectadores devem ser batidos, com 59 peças em cartaz de 2 a 20 de outubro, todas a preços populares. Mais 1300 companhias se inscreveram para integrar a programação, de todos os cantos do Brasil e de outros países. A abertura ficará por conta da peça “Gonzagão – A Lenda”, do diretor João Falcão, e a grande homenageada deste ano é a atriz Camila Amado, que completa 60 anos de carreira e leva a Angra dos Reis a peça “O Jardim Secreto”. Na Praia do Anil, a “cidade do teatro” – dois palcos com capacidade para 1500 e 600 pessoas – receberá espetáculos de grande e médio portes, e abrigará ainda um lounge para debates, encontros e palestras.

O FITA, por sua importância, ganhou o Prêmio Estadual de Cultura do Governo do Rio de Janeiro em 2010. Entre as estreias deste ano estão “Tô Grávida”, de Regiana Antonini, com Fernanda Rodrigues; “Academia do coração”, de Flávio Marinho, com Cristina Pereira, Ernani Moraes e Bia Nunes, entre outros; “O Canto do Cisne”, de José Henrique Moreira, com Edney Giovenazzi e Pietro Moura; “Enamorados”, de Rômulo Rodrigues; “Deixa Clarear”, sobre a vida de Clara Nunes; “Só muda o endereço”, com Bemvindo Sequeira, entre outros espetáculos.

A seguir, em entrevista, João Rabello fala sobre o Festival e as novidades deste ano. Confira a programação completa aqui.

O que diferencia o FITA dos outros festivais de teatro do Brasil?
João Carlos Rabello – Acho que a gente escolhe um mix do que existe de melhor no teatro brasileiro. É um festival que aposta em espetáculos populares, porém, não de má qualidade. Não apostamos somente nas peças herméticas, na pesquisa de linguagem. Temos uma sala com 200 lugares para peças deste gênero, e uma com 1500 lugares, onde a gente coloca os “populares”. Este ano, por exemplo, teremos lá o “Gonzagão – A Lenda”. Esta tenda maior, todos os anos lota, às vezes com duas sessões diárias. Temos ainda um de 600 lugares, onde colocamos as peças de médio porte e os espetáculos infantis. Mas estamos entre os três mais importantes, em termos de tamanho – Angra, Curitiba e Porto Alegre. Cada um tem seu viés. O de São José do Rio Preto, por exemplo, não é um dos maiores em termos de volume de público, mas com certeza é um dos mais relevantes em relação à pesquisa de linguagem. O FITA tem um viés mais popular. A atriz Cristina Pereira costuma dizer que é o único festival do qual ela pode participar porque ela faz espetáculos de qualidade, porém, mais populares, e este tipo de peça não recebe atenção dos outros festivais. Aqui, cabe desde o Sérgio Britto, saudoso, que já se apresentou numa peça em que passava uma hora sem dizer uma palavra, até a Bibi Ferreira, com sua comédia escrachada, “Às favas com os escrúpulos”. Os ingressos aqui também não são tão caros como nos outros festivais – começam em R$ 2,50, preço de 40% dos ingressos, e chegam, no máximo, a R$ 50,00.

Quais são as novidades deste ano?
Vamos ter um grupo de debates sobre teatro e um espaço para pequenos shows de pessoas ligadas ao teatro. De resto, pretendemos fazer como no ano passado, inclusive atingir o mesmo número de pessoas, cerca de 95.600. E manter, como em todos os outros anos, desde a primeira edição, a gratuidade dos espetáculos infantis para as crianças da rede pública – nós oferecemos transporte de ida e volta, mais um lanche. Cerca de 12 mil crianças assistem a dez peças todos os anos, e buscamos os alunos até de barco na Ilha Grande, é uma coisa super legal.

Como surgiu a ideia de montar o FITA?
Como jornalista, sempre fui ligado a grupos teatrais e, eventualmente, levava algumas peças para Angra dos Reis, de uma forma não organizada porque não sou produtor de teatro. Daí surgiu a ideia de fazer um festival, mas ela ficou na gaveta por alguns anos, até surgir a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty. As pessoas aqui em Angra acordaram e viram que um evento cutural pode dar retorno para a cidade. Conseguimos realizar a primeira edição, em 2003, com um público de 27 mil pessoas em 15 peças. Em 2013, teremos 60 peças na mostra oficial. E isso porque nós não fazemos mostras paralelas. O Festival de Curitiba tem uma mostra oficial de 25 peças, o FRINGE, para o qual muitos grupos vão por conta própria, sem estrutura, sem cachê. É um estilo de se fazer festival, muitos fazem isso no mundo todo, inclusive o festival de Edinburgo. Mas a gente ainda não fez isso, embora exista uma grande pressão, principalmente dos artistas, para fazer. Ainda não tivemos pernas. Gostaríamos que a Prefeitura ou outros órgãos organizassem uma mostra paralela, para a gente cuidar só da principal. Como a FLIP faz: tem a tenda dos autores, oficial, e a Flipzona, a Flipinha, que são paralelas e organizadas por outros grupos e entidades. Bom, se ninguém fizer aqui no FITA, a gente vai acabar fazendo.

Quantas companhias tentaram uma vaga na FITA este ano?
Mil e trezentas peças se inscreveram, do mundo inteiro. De Portugal, Espanha, Argentinha, Bolívia, Colômbia, de vários países africanos, Itália e outros.

Nestes dez anos, qual foi o momento mais marcante do FITA?
Bom, tivemos vários. Me lembro da apresentação de “Tomo suas mãos nas minhas”, um espetáculo do casal de atores Roberto Bomtempo e Miriam Freeland. Era uma peça muito delicada, a gente não sabia se ia funcionar para um público tão grande, 1500 pessoas, porque eles estavam se apresentando, até então, para 150, 200. Mas corremos o risco. A plateia, lotada, não deu um pio, não se sabia se estava gostando ou não. Lá pelas tantas, no meio da peça, um grilo começou a fazer barulho dentro do teatro. E o Bomtempo, representando, diz no palco algo do tipo: “o diretor botou um grilo no meio da minha peça”. A plateia gargalhou muito. Só que, para a surpresa geral, aquilo fazia parte do texto, não era improviso. E o Bomtempo sequer tinha ouvido o grilo de verdade fazer barulho no teatro. Quando terminou, o público aplaudiu delirantemente, e a Miriam até caiu de joelhos e chorou. Ela estava grávida de três meses, e ninguém sabia. Foi uma emoção muito grande ver também a plateia comprando um espetáculo tão intimista. Mas já escolhemos peças que a plateia não gostou e saiu no meio. Temos de 10 a 12 estreias em cada festival, e estreia é sempre uma roleta russa, não se sabe o que vai acontecer. É emocionante também ver pessoas de 80 anos indo todos os espetáculos, e crianças que começaram a ir ao teatro com 7 anos, vão todos os anos e hoje têm 17. Formamos um público que sabe o que quer ver no palco.

E vocês também formam atores…
Sim, promovemos o Ateliê de Atores, com oficinas e workshops. A seleção começa no dia 31 de agosto e vamos escolher 50 alunos de Angra dos Reis. Durante três meses, eles terão aulas e, na FITA, vão participar de debates sobre as peças com professores. Dão aulas aqui os diretores João Fonseca, João Falcão e muitos outros. Há disciplinas de expressão corporal, de voz etc. Preparamos um grupo que, no FITA do ano que vem, vai se apresentar em dois espetáculos, ambos com metade do elenco de Angra. Eles começam a se preparar este ano para se apresentarem no ano que vem. A diretora Inez Viana montou, neste esquema, As Coxambranças de Quaderna, peça de Ariano Suassuna, que viajou o país e ganhou muitos prêmios – metade do elenco era de Angra e formada aqui no Festival. Para passar na seleção, é preciso fazer os testes, audições, com os professores coordenados pela Duda Maia.

Por que escolheram “Gonzagão – A lenda”, para abrir o festival?
Porque é um musical de excelente qualidade e que agrada a todo tipo de público, gente de todas as idades. E também porque um dos atores, Adren Alves, é de Angra e conheceu o diretor da peça, João Falcão, aqui numa das oficinas do FITA. Falcão escreveu o papel especialmente para ele. Essa troca é uma coisa importante e precisa ser valorizada.


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Festival de Teatro de Angra dos Reis leva 59 espetáculos à cidade em outubro