O carioca Jorge Lopes Ramos e a iemenita radicada em Londres Persis Jade Maravala são as cabeças à frente da Zecora Ura, companhia teatral surgida em 2001 e que hoje mantém bases na capital britânica e no Centro-Sul fluminense. Reconhecida nacional e internacionalmente, a Zecora Ura ocupa o Centro Popular de Conspiração Gargarullo, na cidade de Miguel Pereira, e atua em parceria com a companhia londrina Para Active.

Juntos, os grupos têm como destaque o espetáculo Hotel Medea, que já ganhou montagens no Brasil e no exterior. Por onde passa, a peça chama atenção de crítica e público por proporcionar uma experiência diferente da convencional. Além de ter seis horas de duração, Hotel Medea faz os espectadores vestirem pijamas, subir e descer escadas e beber energético entre uma cena e outra. Tamanha fuga do senso comum é reflexo da filosofia da Zecora Ura: desconstruir visões rígidas do fazer teatral. Outra característica da companhia é o intercâmbio entre artistas de diferentes origens e expressões.

Jorge Lopes chegou a Miguel Pereira aos 12 anos com a família em busca de mais qualidade de vida. Já Persis Jade desembarcou na cidade fluminense em 2007, convidada para acompanhar do Centro Popular de Conspiração Gargarullo. Os dois conversaram conosco sobre o caráter e planos da companhia. Acompanhe:

Qual era o intuito inicial ao criar a Zecora Ura?
Jorge: Eu criei a Zecora Ura em 2001, e dirigi a maioria de suas produções e turnês até 2006, quando a companhia iniciou sua parceria com a Para Active de Londres. O intuito era o de criar projetos teatrais que permitissem uma multiplicidade de culturas e linguagens na interação com a plateia com o espaço e com o tempo.  Apresentamos projetos em banheiros públicos, trens, garagens, internet, galerias, ruas, apartamentos, barcos, depósitos e até mesmo em palcos.

Persis: A Para Active foi criada em 1998, se dedicando ao treinamento intercultural psicofísico do ator e a intervenções político-artísticas de Performance Art.  Desde 2006 trabalho com a Zecora Ura na criação de seus projetos. Em 2012 fui convidada a assumir o cargo de diretora da companhia com o Jorge.

Uma das características da companhia é o diálogo entre artistas de diversos locais. De que forma esse intercâmbio é feito e quais são os seus resultados?
Jorge: O intercâmbio é um pilar permanente da rede Zecora Ura. Esse intercâmbio se caracteriza tanto pelas colaborações com artistas de diversos locais, como também pela troca artística entre diferentes linguagens e métodos de criação.  

Persis: O resultado é um ambiente propício à inovação e a experimentação com novos modelos.  Não temos qualquer interesse na preservação da arte, mas sim na constante reinvenção de seu papel nas formas de se pensar, e de se estabelecer relações.

Quais desses intercâmbios já realizados vocês podem destacar?
Jorge: A residência internacional multidisciplinar DRIFT, desde sua primeira edição em 2006, já visitou mais de dez países e teve sua décima-terceira edição em Belo Horizonte. A residência combina elementos de metodologias artísticas e de desenvolvimento profissional, e atrai participantes internacionais das mais diversas manifestações artísticas.

Persis: As relações iniciadas nas residências normalmente dão início a vários anos de colaboração entre participantes e a Zecora Ura. Em nossa residência DRIFT em Belo Horizonte este ano, estabelecemos parcerias fortes que já estão gerando resultados em Londres.

A companhia altercala períodos em Miguel Pereira e em Londres. O que essa alternância de bases traz em termos de vivência artística?
Jorge: A alternância não se resume a Miguel Pereira e Londres.  Nossos principais parceiros hoje nos recebem regularmente em Manchester, Cardiff, Edimburgo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre.  Miguel Pereira e o Leste de Londres são nossas bases semipermanentes, e nos oferecem uma riqueza de experiências e relações que companhias raramente vivenciam ao mesmo tempo.

Persis: Em Miguel Pereira, o Centro Popular de Conspiração Gargarullo é o único teatro, e o único cinema na cidade.  Londres é possivelmente a cidade com a maior oferta cultural do mundo.  Esse contraste nos permite experimentar diferentes formas de compartilhar o fazer artístico com plateias locais, nacionais e internacionais.  O isolamento rural e a dinâmica urbana dão a nosso fazer teatral uma complexidade que nos mantêm em constante estado de mudança.

Qual o momento atual da companhia?
Jorge: Estamos hoje incubando novas ideias.  Ideias de inovação de negócio nas artes.  Tanto nossas, como de outros que respeitamos como pensadores, ativistas e inventores.  O projeto de ocupação Fabrika, no CPC Gargarullo, é o primeiro passo nessa direção.

Persis: Temos uma série de novas obsessões, mas algumas ainda não queremos divulgar. Hotel Medea é objeto de artigos e livros sendo publicados em 2013 e 2014 no Reino Unido. Estamos formatando nossa metodologia da Dramaturgia da Participação para um novo curso acadêmico em Londres, e Hotel Medea foi convidada a abrir o festival internacional de Nova Zelândia em 2015.

Em sua opinião, qual a função do teatro enquanto agente transformador da sociedade?
Persis: Nunca na história da humanidade o artista foi tão necessário. Precisamos desenvolver novos processos e novos modelos.  Precisamos de um humano mais humano. Nossas respostas mais necessárias não estão vindo da economia, da política, da saúde.  No momento em que o mundo procura respostas, o artista deve tomar a liderança e assumir sua posição de visionário, inventor e provocador para propor formas de pensar e agir.  Formas de experimentar e ensaiar a mudança e a transformação. A Arte precisa sentar nas mesas onde se debate saúde, educação, economia.  Artistas precisam tomar seus devidos lugares e liderar a mudança a longo prazo.

Jorge: Infelizmente, a grande maioria de artistas hoje é domesticada pelo sistema de editais.  Com a oferta crescente de apoio financeiro às artes no Brasil, a produção artística tem crescido tanto em número quanto em abrangência.  Mas, o que acontecerá no momento em que não forem lançados mais editais?  Vemos isso acontecer hoje na Inglaterra.  Companhias que há vários anos vinham sido sustentadas pelo governo fecham a partir do momento que as verbas são cortadas. O artista precisa perceber que qualquer fomento às artes deve ser utilizado como propulsor para o desenvolvimento de modelos cada vez mais sustentáveis.  Para que nós artistas possamos criar nosso próprio mercado, nossos próprios modelos e processos, fazendo com que nós possamos nos dedicar ao que fazemos melhor: inovar.


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