Descendentes de escravos que vivem na Fazenda Machadinha, em Quissamã,  região Norte do Rio, nas antigas senzalas – agora restauradas como unidades habitacionais –, dedicam seu tempo a manter viva a tradição culinária de seus antepassados. Receitas que remontam ao século 19 foram resgatadas por Carlos do Patrocínio, neto do último cozinheiro da fazenda de cana-de-açúcar, Amaro do Patrocínio, que trabalhava com o sobrinho, Menésio do Patrocínio. O avô e o tio do Seu Carlinhos cozinharam para os donos do lugar nos tempos em que a casa-grande ainda funcionava como tal. O projeto de resgate desta cultura gastronômica foi batizado de Raízes do Sabor, e hoje os visitantes da fazenda podem provar, no restaurante Casa de Artes da Machadinha, o que comia a antiga população local.

Entre as receitas de Amaro do Patrocínio estão preciosidades incomuns como o chamado Mulato velho, uma mistura de filé de peixe salgado, abóbora e feijão, a Tapioca com sassá (um tipo de peixe), a Sopa de leite, feita de carne seca com pirão de leite, e a Sanema, um doce de mandioca e coco enrolado na folha de bananeira. Delícias como estas são preparadas com esmero por Gerusa Azevedo do Patrocínio, casada com Seu Carlinhos há 51 anos. A maioria dos pratos vêm acompanhada de histórias deliciosas, que fazem o turista viajar no tempo. O Capitão de feijão, um bolinho de feijão temperado, por exemplo, teria surgido porque a cozinheira da época, deliberadamente, cozinhava mais feijão (com muita carne) que o necessário para família da casa-grande, e depois, com as sobras enviadas às senzalas, fazia o bolinho, juntando farinha e água e moldando uma espécie de pirão. A operação era feita sempre ao som de canções africanas em iorubá.

Todo projeto de resgate da gastronomia de outrora, típica de Quissamã e que reflete a miscigenação das culturas portuguesa, africana e indígena, foi realizado pela ONG Harmonia, Homem e Habitat, com o apoio da Prefeitura da cidade. Em 2010, o Raízes do Sabor foi laureado com o prêmio de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, e ganhou visibilidade. Hoje, turistas procuram a Casa de Artes Machadinha para comer – muito bem, é claro – e compreender, através dos depoimentos orais de seus moradores, como foi forjada a cultura gastronômica local. A fazenda, construída pelo Visconde de Ururaí em 1867, possui uma Capela de Nossa Senhora do Patrocínio, de 1833, e duas senzalas que, embora reformadas, mantêm as estruturas originais.

Além da experiência no restaurante, a fazenda oferece ainda um espaço de apresentações de dança e música típicas dos escravos, como o jongo, e uma loja de artesanato produzido na região. Um passeio completo, cheio de história, para quem vai a Quissamã e não quer ficar apenas curtindo as praias.


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Resgate da culinária afrodescentente em Quissamã é destaque no turismo

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