(por Sarah Corrêa) É comum as pessoas enxergarem os moradores de rua como marginais,
mendigos, coitados, entre outras maneiras pejorativas. Mas o suíço
Christian Pierre Kasper, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, mostra em suas
pesquisas que a realidade desses ocupantes anônimos do asfalto pode ser vista de outro ângulo, um pouco mais positivo: o da a criatividade. Ser criativo é, na real, essencial para sua sobrevivência.

Os estudos de Kasper envolvendo os moradores de rua começaram em 2002,
quando iniciou seu doutorado. Para a academia, o suíço levou dois temas que
o interessavam: "Pesquisar o processo de habitar um espaço, e o "desvio de
função", ou seja, os usos das coisas que não se adequam às funções
impostas. As moradias de rua me permitiram juntar esses dois interesses",
explicou ao Virgula.

Observando de perto

A partir dessas bases, entre 2004 e 2005, o acadêmico partiu para a
análise de campo e foi observar de perto como o pessoal se organizava nas
ruas. Durante esse tempo, Kasper acredita que estudou uns 100 casos. O local de sua pesquisa era sempre a região central de São Paulo: o Parque Dom Pedro II e a Praça da Sé.

O que chamou mais a atenção de Kasper foi uma "casa" e os utensílios
domésticos fabricados inteiramente com madeira reutilizada de caixotes. Eram
"usados de maneira muito criativa", enfatiza. Outro improviso que ele cita
foi "um pequeno abrigo, num canto da praça da Sé, inteiramente construído
com painéis de propaganda para venda de apartamentos".

Latas que viram fogões

O ponto de partida para toda observação de Kasper foi um primeiro artigo
de sua autoria intitulado "Aspectos do desvio da função". No texto, o
suiço procura mostrar como certos objetos podem ganhar um uso diferente da função planejada originalmente. E isso é mais comum do que se imagina.

Basta prestar um pouco mais atenção ao nosso dia-a-dia. Quem
nunca precisou de uma chave de fenda para tirar aquele parafuso chato do
controle remoto e, na falta da ferramenta, usou a ponta daquela faca de
cortar bife? Isso é um bom exemplo de desvio. A necessidade nos leva a criar
novas funções para os materiais.

E necessidade é o que mais se passa nas ruas. Entre situações que podem ser tão banais para nós, como se proteger do frio, da chuva ou preparar as refeições, os sem-teto usam a imaginação. "Eles transformam bancos de praça em barracas cobertas com
lonas impressas de propaganda, por exemplo. Quase tudo que fazem é "desvio
de função", da lata transformada em fogão à construção de suas carroças,
todas feitas com peças recuperadas", relata Kasper.

Valor próprio

Apesar de abordar um tema que está totalmente ligado aos problemas que
nossa sociedade enfrenta, o suíço lembra que não tem "nenhuma pretensão
direta em melhorar a vida dessas pessoas". Por outro lado, ele diz que foi
a condição vivida pelos moradores de rua que o ajudou em sua pesquisa. Mas
Kasper reconhece o papel social de seus estudos: "Talvez minhas pesquisas
colaborem para que se olhe para eles de uma outra maneira. Penso que eles
têm um valor próprio, para além dos padrões vigentes".

O trabalho de Kasper ainda está bastante restrito ao meio acadêmico. Fora disso, uma matéria sobre seu estudo saiu numa edição recente da revista portuguesa “Nada”, de arte e tecnologia; e o SESC Itaquera o contatou em 2007 para organizar uma expoisção de suas fotos de rua. Lá ele também realizou uma oficina sobre a observação da cidade com professores do ensino fundamental. “Foi bem legal poder compartilhar um pouco da pesquisa fora do meio acadêmico. Estou aberto para outras ocasiões, como essa.”


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Pesquisador destaca lado criativo de quem mora na rua