(Por Sarah Corrêa) – Um clássico da literatura pode sofrer várias mutações: virar filme, novela e história em quadrinhos. Essa última adaptação é recente aqui no Brasil, mas, mundo afora, grandes obras literárias, como O Tempo Perdido, de Proust, vêm sendo enquadradas na ponta dos nanquins afiados de muitos criadores.

Isso aconteceu com o gigante Eça de Queiroz, maior realista do século XIX, que teve seu livro A Relíquia traduzido para os HQs através do cartunista tupiniquim Marcatti, um paulista de 46 anos que há mais de 30 vem pintando o mundo underground através de seu olhar “escatológico”.

O processo

O trabalho levou um ano e oito meses para ficar pronto. Foi dedicação integral de Marcatti em um encontro com as folhas em branco, sua interpretação da obra de Eça e o esforço em recontar a história de "maneira fiel, mas ao mesmo tempo pessoal". Mesmo tendo feito um resumo enxuto do original – e isso leva alguns críticos a dizer que a obra perde suas características -, Marcatti enxerga de um outro modo. "Qualquer uma das adaptações é estimulante, porque traz o autor esquecido de volta, faz reviver Eça, Machado. Além do que, ela alimenta o interesse pelo original."

E a contribuição de Marcatti, que surgiu a partir do convite da Editora Conrad, responsável pelo projeto de lançamento do livro no ano passado, vai além do interesse dos amantes da 9ª arte. Os clássicos da literatura – reconhece o próprio cartunista – não se enquadram na linguagem moderna que os jovens estão acostumados. Com isso, ficam perdidos no tempo. Porém, a partir de uma adaptação, até em sala de aula elas são revividas com o cartoon.

E esse novo negócio tende a se expandir do ponto de vista mercadológico, segundo Odair Braz Júnior, ex-editor da Pixel, conhecida por publicar HQs, porque “a idéia é que as escolas usem muito como instrumento de educação, então é praticamente certeza que o governo compra pra distribuir nas instituições de ensino e bibliotecas. Acaba sendo lucrativo”.

Percebendo essa movimentação, outras editoras também exploraram essa tendência, como a Escala, que lançou a Coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos. Neste projeto, entre outras, histórias de Machado de Assis (A cartomante, O Alienista) e Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias) foram adaptadas, de maneira didática, para o quadrinho. Com isso, até mesmo crianças de dez anos têm acesso a textos tão ricos. Porém, Marcatti faz uma observação nesse caso.

"Isso pode ser castrático para o autor. Porque, nesse projeto, especificamente, a adaptação passa por uma formatação e quem escreve perde sua autoria quando vai recontar a obra. Eu não me enquadro neste padrão". Marcatti diz isso porque, em seu projeto, ele salienta a importância de ter recontado A Relíquia de maneira que as nuances de seu traçado e sua interpretação da história não se perderam. "Por exemplo, quem lê o original e depois for ler a minha adaptação vai perceber que eu recriei alguns personagens, dei mais força para alguns e menos para outros", observa.

Dentre tantas outras explicações para conceber uma adaptação, é essencial perceber que um livro não é lido da mesma maneira por um adolescente, um jovem ou um adulto, porque ele “é suscetível às emoções dos leitores”, não há como frear essa mudança. Tudo passou por transformações e recontar é estimular a leitura e a redescoberta de grandes autores.

Além dos super-heróis americanos ou o erotismo italiano

Durante muito tempo, os quadrinhos foram vistos como coisa "imbecil" por alguns olhos menos vividos, ou como marginal, por observadores mais maldosos. A tentativa de desmistificar esses julgamentos começou, no Brasil, na década de 50, quando a editora Ebal "quadrinhou" alguns clássicos da literatura. A partir de então, passou-se a perceber que os personagens, que se movimentam para lá e para cá dentro das quatro linhas de um livreto, poderiam quebrar barreiras conhecidas.

"Com a adaptação da literatura para os quadrinhos, mesmo chata no início, as pessoas puderam perceber que a quadrinização das histórias pode passear por outras linguagens e romper os universos mais do que conhecidos, como os super-heróis norte-americanos, o erotismo italiano e os personagens infantis no Brasil", explica Marcatti.

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Literatura nos quadrinhos: quando obras vão para os gibis