A MTV Brasil sai de campo, mas sabe dar risada de si mesma. Prestes a ser entregue à norte-americana Viacom, que produzirá apenas 350 horas de conteúdo original por ano, o canal exibe uma das atrações de humor mais anárquicas e sarcásticas que a televisão brasileira já viu: O Último Programa do Mundo, cujo cenário é uma emissora prestes a demoronar. Daniel Furlan, Juliano Enrico e Raul Chequer são os responsáveis por fazer o programa acontecer e têm tido poucas horas de sono por isso.
Em entrevista ao Virgula Diversão, na rádio Jovem Pan em São Paulo, os rapazes capixabas, que também estrelam a série Overdose (com roteiro do cartunista Arnaldo Branco), falaram sobre o desafio de fazer um programa quase sem verba e acumulando funções de atores, roteiristas, diretores, editores e produtores.
“Esse programa dificilmente seria aprovado em outra situação, em outro canal. Talvez nem mesmo na MTV há um ou dois anos. O fato de ele ter poucos recursos, de ter um custo de produção quase zero, forçou a gente a achar soluções que, no final, são o grande mérito do programa”, disse Daniel.
Leia a entrevista com os criadores do Último Programa do Mundo:
Como surgiu a ideia de fazer o Último Programa do Mundo, que lida com o fim da MTV Brasil com humor?
Daniel: O programa tem várias ideias que vinham desde antes de virmos para a MTV. Queríamos um programa sobre várias coisas ao mesmo tempo e que ao mesmo tempo não fosse sobre nada; um programa que não tivesse sentido algum e que mudasse de direção o tempo todo. Tínhamos uns roteiros antigos [da TV Quase, também feita por eles] que tinham isso, mas não havia uma unidade para fazer um programa. Daí, pintou a oportunidade de fazer um programa na MTV que não se sabia o que era. O Juliano veio com essa coisa de ser algo apocalíptico. A Lílian Amarante, nossa diretora, botou uma pilha de a gente fazer. Assim, aproveitamos ideias antigas, adaptadas para o momento da MTV.
Juliano: Foi uma ideia que eu e o Daniel tivemos e que tem muito a ver com o que a gente faz na revista Quase e que, depois, a gente passou a fazer na internet, com nosso canal, a TV Quase. A gente aproveitou esse momento da MTV e a abertura que deram para criar um programa. Usamos isso a nosso favor. Com o que eles nos ofereceram de estrutura, a gente fez um programa possível, tentando criar soluções criativas. O fato de não termos externas ou convidados famosos acabou sendo uma marca forte do programa. Fizemos o programa acontecer com a experiência de fazer quadrinhos, de gravar, de editar, de fazer vídeos. A gente tem uma equipe de TV bem pequena.
Vocês estão negociando com a Viacom?
Daniel: Não. A gente meio que tem outras possibilidades. Tem outras coisas que podem acontecer, mas não sabemos exatamente o que seriam. Estamos muito imersos nesse programa, pelo fato de fazermos tudo. É o que a gente faz desde que acorda até a hora de dormir. Por isso, não temos noção do que vai acontecer quando a MTV Brasil fechar. O que é um problema, na verdade.
Como está sendo esse processo de fazer tudo no programa? Tem sido desgastante?
Daniel: É muito mais desgastante fazer desse jeito, mas a gente tem controle total sobre o produto. Então, a gente prefere trabalhar dessa forma. Seria uma angústia muito grande, para a gente, entregar as coisas na mão de um editor e ir embora para casa. Ou ter um roteirista que já chega com um roteiro pronto.
Raul: E há muito tempo a gente trabalha assim. Nosso modo de produção exige que todo mundo seja bem versátil. Não dá para só atuar ou só escrever. Cada pessoa faz várias funções. E fazemos bem, porque fazemos há muito tempo. Antes daqui, eu estava em uma maratona da montagem do Overdose. A gente sempre trabalhou escrevendo, atuando, editando, dirigindo, às vezes produzindo.
Juliano: E uma coisa importante é que o formato do programa independe dessa situação específica do canal para ter as características que ele tem. A idéia é que isso não acabe com o fim do nosso contrato com a MTV atual. A ideia é continuarmos fazendo, mesmo ele se chamando O Último Programa do Mundo. Mas não conta isso pra ninguém, porque as pessoas têm de achar que o último programa do mundo é esse aí que elas estão vendo agora.
Vocês diriam que esse momento, em que a MTV Brasil termina, foi o que lhes garantiu essa liberdade criativa?
Daniel: A MTV sempre teve essa característica da liberdade. A gente diz que esse programa dificilmente seria aprovado em outra situação, em outro canal. Talvez nem mesmo na MTV há um ou dois anos. O fato de o programa ter poucos recursos, de ter um custo de produção quase zero, forçou a gente a achar soluções que, no final, são o grande mérito do programa. Os grandes atrativos dele existem graças à dificuldade de orçamento. A MTV sempre foi um canal ousado e agora está mais ainda por causa da situação em que está.
Vocês foram influenciados por programas antigos da MTV?
Raul: Eu sou muito fã do João Gordo, cara. Gosto do Gordo Visita, do Gordo Freak Show, do Fundão MTV. Eu assisti muito à MTV por causa dele.
Juliano: Muitos apresentadores e programas da MTV ajudaram a formar um pouco a nossa personalidade. Você cresce assistindo. Eu piro muito no João Gordo também, na forma que ele apresentava. O Casé também foi uma influência, com o Teleguiado. Gostava dos programas que eles destruíam coisas e que eram ao vivo. Gostava muito do Gastão também.
Daniel: Realmente,o João Gordo era um entrevistador foda. Sobre o Casé, era impressionante a forma como ele lidava com o espaço e com o públíco. Tinha muito essa coisa de ele falar ao telefone, que foi uma influência para a gente também. O Piores Clipes do Mundo também foi importante; não tem muito a ver com o que a gente faz, mas é um programa de chromo key, que sempre foi a marca da MTV. O Hermes e Renato também é foda.
O que vocês esperam do conteúdo produzido pela Viacom?
Daniel: Não sei, cara. É difícil. A gente não sabe. Na MTV atual, da Abril, a gente não tem informação do que eles estão pensando em fazer. É difícil dizer. Mas meu palpite é que vai ser bem diferente do que é agora, mas não sei para que lado.
Raul: É melhor não esperar nada, para se surpreender depois. Para o bem ou para o mal.
Juliano: É engraçado o que rola com a MTV, porque é diferente de outros canais. As pessoas se relacionam com ela como se fosse uma pessoa mesmo. Quando não gostam de algo que o canal está exibindo, elas falam como se estivessem sendo traídas por uma pessoa. Acredito que tenho essa relação com a MTV também porque a assisti durante muitos anos da minha vida. Espero que seja bom e estou torcendo por isso.
Existe espaço para a subversão na TV, hoje?
Juliano: Acho que, muito graças à MTV, hoje há a possibilidade de ser subversivo. A forma que a MTV brincou com os formatos televisivos ao longo dos anos acabou sendo repetida por outros canais, até de TV aberta. A MTV abriu o caminho para você inovar. Eu, como telespectador, sinto isso.
Vocês têm a TV Quase, no YouTube. Qual é a diferença de produzir para a internet e produzir para a TV?
Daniel: Na TV, você pensa um pouco mais antes de fazer algo mais arriscado. Mas, na MTV, a liberdade é praticamente a mesma.
O Zico Goes, como diretor de programação da MTV, disse que vocês seriam “os caras que a Globo e a Record vão contratar daqui cinco anos”. O que acham dessa possibilidade?
Daniel: Acho que depende do que for para fazer, né? Depende da quantidade de dinheiro que você precisa também. Se eu estiver sem grana, eu vou trabalhar no almoxarifado do SBT tranquilamente. Mas fora o lance da grana, depende do que for para fazer.
Quais são seus projetos futuros, depois de a MTV Brasil acabar?
Raul: Provavelmente, a gente volta a morar na internet, ou onde nos receberem.
Daniel: A gente está formatando alguma coisa para a internet, algo que use as coisas que a gente faz na Quase. Ou o Último Programa do Mundo, talvez. A gente ainda não sabe o que vai formatar ainda. Mas tem o lance do Irmão do Jorel, que é uma animação do Cartoon Network. Estamos escrevendo os roteiros esse ano para estrear no ano que vem.
Juliano: A gente está, agora, usando todo o tempo possível no Último Programa do Mundo porque é uma grande vitrine. Estamos aproveitando toda essa liberdade que a gente tem. Hoje, tem gente criando fan-page e Twitter dos personagens, pegando trechos de falas do Daniel e postando, As pessoas piram em vários detalhes que a gente nem imaginava. Isso é uma parada nova pra gente. Mesmo na internet, nosso público era muito pequeno. A gente recebe muita mensagem carinhosa de pessoas que curtem o que criamos.
Quem vocês ainda querem entrevistar no Último Programa do Mundo?
Juliano: A gente sonha em entrevistar o Bruno de Lucca. Esperamos que isso aconteça no último Último Programa do Mundo.
Veja o 11º episódio do Último Programa do Mundo: