“Ah, esses garotos? Eles são a verdadeira tragédia de Hollywood”, disse Eric Mitchell, artista e fotógrafo de trinta e poucos anos, enquanto tomava uma cerveja orgânica em um bar hipster em Silver Lake, bairro de Los Angeles. Os “garotos” são homens e mulheres, a maioria com mais de 30 anos, que vagam pela Calçada da Fama, na famosa Hollywood Boulevard, caracterizados como super-heróis e outras figuras do cinema estudunidense. Em troca de gorjetas, tiram fotos com muitos dos milhares de turistas que passam pelo ponto turístico diariamente.

Após anos à sombra de seus personagens, esses artistas de rua passaram a ter luz própria com o lançamento do documentário Confessions of  SuperHero, de 2007, que mostra as nada glamourosas vidas de alguns deles – uns à beira da miséria, outros frustrados com suas carreiras fracassadas na indústria do cinema, outros obcecados com os personagens que interpretam durante o dia. A fascinação do público sobre essas figuras aumentou ainda mais quando elas chegaram às páginas policiais e viraram meme na internet, após as prisões de imitadores do Super-Homem e do Homem-Aranha. Estas, devidamente registradas em vídeo e publicadas no YouTube.

Os termômetros marcavam quase 30 graus e o sol queimava forte em Los Angeles. Era sábado e, perto da estrela de Robin Williams na Calçada da Fama – repleta de flores e de fãs tirando fotos após seu recente suicídio -, Marylin Monroe assoprava beijos para fotos com um grupo de garotas sul-coreanas. Ao ver a reportagem se aproximando, Marylin disse imediatamente que precisaria de uma gorjeta, ou, na língua dela, “doação”, para falar. Por cinco dólares, aceitou conversar com Virgula Diversão, mas sem revelar seu nome verdadeiro.

“Na verdade, sou uma artista, uma atriz”, explicou. “Aqui, sou Marylin. A escolhi porque trago alegria para muitas pessoas, adoro como as crianças sabem quem é o mito Marylin. Escolhi porque é freelance e me ajuda a pagar as contas, a ter o que comer no fim do dia”, explica. “E, enquanto isso, trabalho na minha carreira no cinema, faço testes e tudo”, diz. Para os passantes, ela fazia caras e bocas, piscava lentamente os longos cílios postiços e repetia um repertório de três poses: assoprando um beijo para a câmera, equilibrada sob um pé só e inclinada para a câmera, e levantando o vestido branco como se ali soprasse um vento imaginário, referência à lendária cena do filme O Pecado Mora ao Lado (1955).

Pelas ruas, os turistas passavam aos montes, clicando freneticamente – mas nem todos param para um foto, já que estas custam alguns dólares. Para consegui-los, os imitadores precisam de muita atenção, virando de costas quando alguém tenta “roubar” uma foto ou selfie sem dar a doação. “A maioria [dos imitadores] veio para Hollywood para tentar a carreira no cinema, mas fracassou”, lamenta David, suando sob uma fantasia de Transformers. “É triste. Eu estou aqui para sustentar minhas duas namoradas, nunca quis ser ator”, brinca, sob uma sonora risada. “Vou te dar a fofoca: o Super-Homem veio aqui para fazer isso, o Capitão América veio aqui para fazer isso. Mas há muitos que aplicam golpes ou vivem de prostituição”, afirma.

Remi, um rapaz franzino de 34 anos, parece estranhamente pequeno dentro da fantasia de Capitão América. Imigrante da Romênia, um dos países mais pobres da Europa, ele chegou nos Estados Unidos há quatros anos, e acabou na Hollywood Boulevard quando se viu sem dinheiro. Por vezes, é retirado do local pela polícia. “A polícia muitas vezes recebe reclamações de pessoas que ultrapassam a linha do bom senso”, diz. “Mas como estamos fantasiados, nunca sabem quem é quem e acabamos sofrendo a repressão”, queixa-se. “Como não somos aceitos no sindicato dos atores, não tenho o que fazer ou quem quem reclamar”, lamenta. Para Marylin, a polícia reprime apenas quem é agressivo com o público. “Trabalhamos com doações, mas somos artistas. Não podemos assediar os turistas. Mas acho que o governo poderia reconhecer melhor o nosso trabalho”, diz.

Ainda assim, parece haver um senso de comunidade entre os performers da Hollywood Boulevard. Enquanto conversava com Marylin, ela acenava para os colegas e trocava rápidas informações. “Sua fantasia está fabulosa hoje”, disse para Zorro, que, num pulo, viu o gravador e fugiu da entrevista. Há também frequentes repetições – além de Remi, David também se fantasia como Capitão América, mas os cabelos louros e a estatura mais imponente pareciam fazer mais sucesso com o público. “Não dá para dizer que eu gosto de todas as horas em pé sob o sol”, conta. “Não gosto de voltar para casa com os pés cheios de bolhas. Preferiria ser um super-herói de verdade e estar em filmes. Mas simplesmente não certo”, reclama, com franqueza. “Agora, se você me dá licença, preciso continuar a trabalhar”, sentenciou. E saiu andando. 

Ao lado do museu Madame Tussauds, que exibe estátuas de cera de celebridades (Jonhny Depp é o mais disputado, garante a recepcionista), dois Batmans tiram fotos juntos. “Justin, aqui ao meu lado, é o Batman verdadeiro, está trabalhando aqui na rua há dez anos”, diz Peter, o outro Batman. “Escute, não podemos parar, tempo é dinheiro! Mas a nossa foto é por conta da casa.” Perto dali, David, o Transformer, grita para a reportagem: “Só tenho um conselho: nunca faça sexo com zumbis!”, e gargalha ruidosamente, assustando um grupo de turistas muito loiros. “Tem um monte deles por aqui, se é que me entende”, brinca.

Tyler, de 23 anos, é um garoto negro de dreadlocks que distribui panfletos a cinco metros dali. “Aqui acontece de tudo”, afirma. “Já vi pessoas sendo esfaqueadas, há personagens que na verdade são garotos e garotas de programa”, revela. Baixando a voz em tom de confidência, solta a bomba. “E há um rumor de que alguns deles são pedófilos, mas não sei quem”, desconversa.

Mais à frente, próximo a uma filial da Igreja Universal do Reino de Deus em cujo letreiro lia-se “Pare de Sufrír”, Super-Homem fazia pose com duas garotas muçulmanas. “Não se preocupem, eu tenho troco”, garantiu ao ver seus olhares preocupados após a foto. Sob a fantasia está Javier, 39 anos, espanhol de cabelos negros, pele branca e alguma semelhança com o homem de aço, apesar da barriga saliente esticando o tecido azul de sua roupa.

“A primeira vez que estive em Hollywood? Fiquei muito triste”, revelou. “Los Angeles não é uma cidade boa. É um lugar onde todos só pensam em si, é difícil confiar em alguém ou encontrar um amigo”, lamenta. Javier já trabalhou como modelo, mas acabou ficando nos EUA por amor. “A melhor coisa de Los Angeles é a minha família”, garantiu. “Mas quero voltar para a Espanha. Não sou feliz aqui. Mas se precisar de qualquer coisa, volte aqui e fale comigo”, disse. Como um verdadeiro super-herói faria.

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Os super-heróis da Calçada da Fama: a verdadeira tragédia de Hollywood

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