A história de Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, ganhou mais uma versão neste fim de semana com a estreia da série #MeChamaDeBruna, do Fox+ Premium, serviço sob demanda da Fox. Desta vez, quem vive a ex-prostituta é Maria Bopp, uma atriz estreante que já começou com um dos papéis mais complexos que alguém pode receber.
Como Bruna, a jovem revelação de 25 anos vive o início da vida de Raquel no mundo da prostituição, entre os 17 e os 18 anos, onde já passa por situações de estupro, repressão e constrangimento, talvez a parte mais difícil de todo o trabalho.
“Isso foi uma coisa que eu conversava muito com a Marcia (Faria, diretora geral da série) de não querer glamourizar mesmo, sabe?”, disse ela, em entrevista exclusiva ao Virgula. “E contribuir pra esse tipo de retrato que muitas vezes acontece, do [ponto de vista do] cliente, e não da mulher por trás da garota de programa. Mulheres que têm suas vontades, seus medos, suas famílias, suas preocupações, entende? E não só focar no ‘ah, ganha dinheiro, então é bom?’ sabe?”, completou.
As inúmeras cenas difíceis, com nudez, sexo e violência, pesam no psicológico de qualquer atriz, especialmente uma estreante. Por isso, segundo Maria, o fato da equipe de #MeChamaDeBruna ser toda capitaneada por mulheres foi fundamental para o desenvolvimento de um conforto mínimo para a realização do trabalho. “Era uma diretora de fotografia mulher, uma operadora de câmera mulher, a diretora era mulher, então eu tinha essa segurança, entende? Que nada ali seria usado à toa. Óbvio que vai ter nudez porque estamos falando sobre isso, estamos falando sobre o sexo, a prostituição, mas não ia ser uma exploração gratuita daquilo ali pra divertimento masculino, do espectador. (…) O meio audiovisual brasileiro e no mundo é muito machista, muito masculino”, criticou.
Vivência nas ruas como prostituta
Parte do elenco foi às ruas do Rio de Janeiro para fazer um breve experimento sobre a vulnerabilidade de prostitutas que trabalham nas ruas. Maria estava nesse grupo e relatou um pouco como foi essa experiência. “Nós estávamos com a roupa de ensaio mesmo e minha roupa era uma regata e um short, e [foi] a primeira vez que o Tom e a Marcia (Faria, diretora geral) levaram um salto alto pra gente. Nós vestimos o salto e andamos um pouco ali por Botafogo e, muitas vezes, era só andar, não era pra provocar os homens”, disse.
Em uma das abordagens, um homem bastante agressivo fez com que ela pedisse para o trabalho ser interrompido. “Nós nos separamos e aí veio um [homem] que me assustou um pouco porque ele era muito agressivo. Ele não gritava, não levantava o tom de voz, mas ele teve uma abordagem violenta. Tipo, de me xingar de piranha… só que ele falava baixinho só pra eu ouvir. Foi muito invasivo, tanto que depois desse momento eu pedi pra encerrar o experimento porque eu não estava me sentindo bem naquela situação”, afirmou.
Leia abaixo a entrevista completa
Virgula – Queria que você falasse sobre o experimento de interpretar uma prostituta na rua
Maria Bopp – Eu acho importante falar sobre essas experiências, mas também é importante falar que a experiência de colocar as roupas e sair nas ruas durou apenas dois dias e quando eu fui nas boates foi apenas um dia, então foram só três dias que nós fomos de fato ver como é. A preparação de elenco durou dois meses e meio, então nós nos preocupamos muito mais com outras questões. Porque do jeito que as notícias estão saindo, parece que nós focamos mais nesse tipo de experiência prática do que de fato aconteceu. Tivemos um outro trabalho de preparação, que foi justamente achar dentro de nós atrizes os nossos limites, os nossos tabus, incômodos que poderíamos trazer para a personagem. Eu trouxe muito de mim, Maria, para a Bruna. Por mais que a gente tenha histórias muito diferentes, objetivos diferentes, eu trouxe coisas minhas. A fase da descoberta da sexualidade da Bruna também foi uma descoberta da minha sexualidade, dos meus limites, de como trabalhar meu corpo, encontrar o poder, lidar com vergonha. Tudo isso eu usava na cena. A preparação de elenco focou nisso.
Nós estávamos com a roupa de ensaio mesmo e minha roupa era uma regata e um short, e [foi] a primeira vez que o Tom e a Márcia levaram um salto alto pra gente. Nós vestimos o salto e andamos um pouco ali por Botafogo e, muitas vezes, era só andar, não era pra provocar os homens. Só andar e sentir como as pessoas olhavam pra gente, como nos sentíamos com esses olhares e experimentar essas situações. Nós andamos até parar em um lugar em frente ao Shopping Botafogo. E isso era logo depois do almoço, horário comercial, com muita gente passando, e nós com aquelas roupas que eram… porque estava calor no Rio, então eu estava com um short e o salto alto já chamava a atenção. E aí tivemos algumas abordagens, um homem passou de bicicleta, perguntou o nosso preço e disse que voltava mais tarde, depois um momento nós nos separamos e aí veio um que me assustou um pouco porque ele era muito agressivo. Ele não gritava, não levantava o tom de voz, mas ele teve uma abordagem violenta. Tipo, de me xingar de piranha… só que ele falava baixinho só pra eu ouvir. Foi muito invasivo, tanto que depois desse momento eu pedi pra encerrar o experimento porque eu não estava me sentindo bem naquela situação. Então o que nós colhemos foi isso, um pouco do medo… eu estava com aquela roupa que, em si, já chamava a atenção, e estava lutando pra não chamar mais atenção ainda, sabe? Então eu não abordava as pessoas, só ficava parada vendo o que aconteceria.
Virgula – Sendo uma experiência curta, ela foi muito importante pra criação da personagem ou acabou ficando em segundo plano?
Maria Bopp – Eu acho que tudo é muito importante, tudo foi usado. Nós conversamos com garotas de programa e algumas falavam que não trabalhavam na rua de jeito nenhum. Porque a rua traz muita vulnerabilidade pra mulher, e quando eu digo isso, digo no geral. Eu, como atriz, também me sinto vulnerável na rua, toda mulher sabe o que é sair de casa com medo. Medo de andar no transporte público, medo de andar na rua, medo de ser assediada. E a garota de programa, a puta, por estar com uma roupa que convida os homens à abordagem, ela está muito mais vulnerável. Foi muito importante sim esse tipo de experiência pra gente entender porque as putas sentem medo da rua, e entender que elas ali, nesse tipo de situação, estão absolutamente fragilizadas.
Virgula – Falando sobre o restante da preparação, qual foi a parte mais desafiadora? Essa da saída, ou a de encarar a barreira do constrangimento de ter que fazer uma cena de nudez e sexo?
Maria Bopp – Acho que o mais desafiador do projeto e minha grande preocupação, que eu lutava todos os dias [por ela], era não ser leviana com a prostituição, tratar a prostituição como uma outra profissão qualquer, como algo ousado, recompensador e, com isso, romantizar as experiências muito sérias e graves que as mulheres passam todos os dias no Brasil. Isso foi uma coisa que eu conversava muito com a Marcia (Faria, diretora geral da série) de não querer glamourizar mesmo, sabe? E contribuir pra esse tipo de retrato que muitas vezes acontece, do [ponto de vista do] cliente, e não da mulher por trás da garota de programa. Mulheres que têm suas vontades, seus medos, suas famílias, suas preocupações, entende? E não só focar no ‘ah, ganha dinheiro, então é bom?’ sabe?
Virgula – Então você diria que a principal diferença da série para o filme é o fato da série ter uma abordagem um pouco mais feminista em relação à personagem?
Maria Bopp – Olha, a série pra mim não é feminista. Eu digo isso porque tenho muito respeito pelo feminismo e acho o feminismo um movimento social e político, e a série é um produto de entretenimento pra TV. Acho importante separar as duas coisas. Por mais que a série tenha sim uma preocupação maior com a abordagem da prostituição mais focada no olhar da mulher, não consideraria feminista. Mas, diferente do filme… porque o filme também traz uma biografia da Bruna. Passa por várias fases de vida dela, pelas drogas, pelas dificuldades, mas também mostra o lado do dinheiro como se fosse uma vitória. E a história da Raquel não foi exatamente assim, então a série tá mais preocupada (interrompe), primeiro, a série é um recorte que mostra o primeiro ano da Bruna, dos 17 aos 18, então nós vemos a Bruna mais menina, ingênua, na descoberta ainda desse novo mundo que ela entra. E também, pelo fato da série ser dirigida por uma mulher e ter uma equipe composta por mulheres em funções importantes, como na direção de fotografia, pelo fato de ter um elenco majoritariamente feminino, a série traz um olhar mais maduro em relação ao assunto, justamente por vir do olhar de mulheres. Então tem menos o ponto de vista do cliente, do homem, e mais o olhar das mulheres sobre o assunto.
Virgula – Entendi. E quanto essa característica que você citou da equipe pesou pra que você se sentisse mais confortável pra fazer as cenas [de sexo]?
Maria Bopp – Faz muita diferença, porque eu tinha plena consciência de que meu corpo não ia ser explorado pela câmera gratuitamente, sabe? Era uma diretora de fotografia mulher, uma operadora de câmera mulher, a diretora era mulher, então eu tinha essa segurança, entende? Que nada ali seria usado à toa. Óbvio que vai ter nudez porque estamos falando sobre isso, estamos falando sobre o sexo, a prostituição, mas não ia ser uma exploração gratuita daquilo ali pra divertimento masculino, do espectador. Temos que ter mais mulheres nas equipes, mais mulheres diretoras, não só em um projeto como esse, mas em todos os projetos. Mais representatividade é fundamental. O meio audiovisual brasileiro e no mundo é muito machista, muito masculino, são pouquíssimas diretoras mulheres. Então faz toda a diferença. Dá essa segurança, mas também traz uma força, uma energia feminina muito poderosa.
Virgula – Pela maneira como a nudez é vendida no Brasil, ficar marcada por esse tipo de trabalho é algo que te preocupa para o futuro?
Maria Bopp – Juro que isso é uma coisa que eu ainda não parei pra pensar muito, sabe? A série acabou de estrear, eu ainda estou entendendo tudo, estou dimensionando tudo agora. Mas, sinceramente, é uma coisa que ainda não me preocupou. Eu sou uma atriz estreante, então eu preciso ter outras experiências, estudar muito e, de fato, conseguir me enxergar em outros papéis. Não só pra não ficar marcada por causa desse, mas também pra eu poder me enxergar em outros. Ainda não me preocupei com isso, acho que as pessoas vão conseguir separar as coisas. Sou otimista.
Virgula – Pra fechar, queria que você falasse um pouco sobre você, da sua carreira e dos planos para o futuro.
Maria Bopp – Antes do ‘Bruna’ eu fiz alguns cursos, fiz alguns trabalhos, nenhum do tamanho do ‘Bruna’, mas intenção agora é estudar, trabalhar mais. Gostaria muito de fazer cinema, de fazer teatro. Minha expectativa para o futuro é de correr atrás. Não estou nem um pouco deslumbrada, não acho que solucionei minha vida nem me garanti com esse papel. Quero trabalhar, estudar muito, correr atrás. Tenho ainda que comer muito arroz e feijão (risos).