O Antes e o Depois do elenco original da TV Pirata

Cristina Pereira é uma das integrantes do elenco original do humorístico TV Pirata (a primeira fase foi ao ar em 1988/89). Entre outros personagens do programa, ela viveu a comunista Olga, do seriado As Presidiárias.
Créditos: Divulgação/TV Globo

“Rá, ré, ri, ró, rua!”, gritava Fedora Abdalla, uma das personagens marcantes da novela global Sassaricando (1987/88), de Sílvio de Abreu. Atrás da personagem estava Cristina Pereira, atriz notória por inúmeros papéis cômicos em novelas de TV – e que, no veículo, atingiu o auge com o TV Pirata.

Cristina fez parte do elenco original do lendário humorístico (em 1988 e 89). Hoje aos 65 anos, a paulistana que mora no Rio de Janeiro desde 1982 está em cartaz em São Paulo com mais uma comédia: Academia do Coração, de Flávio Marinho – autor com quem ela já trabalhou em outros quatro espetáculos: Salve Amizade, Abalou Bangu I, Abalou Bangu II e Coração Brasileiro.

Na TV, Cristina é contratada da TV Record desde 2007. Ali, atuou em novelas como Vidas Opostas, Ribeirão do Tempo, Balacobaco.

Na entrevista a seguir, ela fala sobre a nova peça, sobre o novo humor brasileiro, TV Pirata, novas gerações de atores, política e por que foi, de certa forma, prejudicada na TV Globo.

Você está de volta ao teatro com Academia do Coração, que fala sobre pessoas que sofreram problemas no coração e tentam se recuperar. Fale um pouco sobre esse trabalho.
A peça segue a linha de humor das peças do Flávio Marinho, apesar de serem comédias tem sempre um drama, um assunto sério, um lance dramático. Ele quer fazer comédia com humanidade, com sentimento.
Eu faço uma mulher que queria ter sido bailarina mas a família não quis, e ela é uma artista plástica, que faz trabalhos a partir do material que ela recolhe no quintal dela, que são baseados de maconha que ela fuma, as bitucas, restos de cinzas, e faz instalações com isso. A minha personagem representa muito uma geração dos anos 60, 70, da qual eu faço parte. Eu fiz 65 anos agora, sou leonina.

Você é uma atriz bastante conhecida por seu trabalho no humor. Você acompanha o novo humor, de grupos como o Porta dos Fundos?
Acompanho. Acho muito interessante. Tenho um filho de 24 anos que adora, foi ele que me mostrou pela primeira vez o Porta dos Fundos. Gosto muito, o Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Marcelo Adnet, todos eles muito talentosos. Muitos começaram na Casa da Gávea (espaço cultural carioca do qual Cristina é uma das sócias), então eu acompanho desde o início. Eu gosto muito da Dani Calabresa, acho ela despojada, louca, inteligente…

O que você acha dessa polêmica do humor politicamente incorreto, das censuras ao humor, de temas considerados tabu pro humor?
Olha, a gente teve muito essa questão no TV Pirata. Eu fazia muito papel de pessoas em aeroportos, falando de acidentes, doentes, deficientes…
Eu acho que isso limita um pouco o humor. O humor deve ser uma coisa livre. É claro que você não vai fazer uma coisa horrível, de péssimo gosto, uma piada sobre as crianças mortas na Faixa de Gaza, isso não dá, entende? Mas você pode fazer piada até com a guerra, porque às vezes através de um escracho, que no fundo tem uma crueldade, você pode transmitir uma verdade, uma crítica e um conteúdo muito revolucionário, mais do que se você fizer um discurso sério. Eu acho que tem um limite e todo mundo sabe qual o limite.

Fale sobre o TV Pirata, um programa inesquecível que dispensa apresentações. Como era fazer esse trabalho?
TV Pirata tinha uma característica muito bacana, que todo mundo criava meio junto. Claro que tinha uma direção firme, mas existia uma equipe que colaborava, o pessoal da maquiagem, tipo, “ah, põe esse nariz assim, de repente usa o cabelo pintado assim, quem sabe ela é japonesa?” Então tinha muito esses colaboradores dentro da própria equipe. Era muito divertido fazer. A gravação era feita dois dias por semana, segunda e terça, ou terça e quarta. Gravava todos os quadros, mas a ordem era por cenário, ia desmontando o cenário e gravando.
O elenco era de atores de teatro. Só atores de teatro poderiam fazer aquele trabalho. Era uma coisa que você tinha que ter uma disponibilidade muito grande. Foi um dos melhores programas da TV brasileira. Tudo que surgiu depois, nada superou o TV Pirata.

Vocês nunca caíam na risada nas gravações, no meio do trabalho?
A gente ria, às vezes a gente ria, às vezes eu ficava tensa (risos), mas era divertido. O Guel (Arraes) conversava muito com os atores, tinha muito improviso, principalmente das pessoas que são boas de improviso, como a Regina Casé, o Luiz Fernando Guimarães, o Diogo Vilela

Você esteve muito presente na TV nos anos 80, e a partir dos 90 deu uma sumida do vídeo… o que aconteceu?
Olha, a gente não sabe muito bem como as coisas acontecem na nossa profissão. Há momentos em que você está fazendo uma porção de coisas, e você pega um trem e parece que vai chegar em Shangri-lá (risos). E às vezes você não chega, de repente você chega num lugar bem esquisito (risos).
Então é uma carreira um pouco imprevisível, porque depende de você saber conduzí-la. Eu acho que o que atrapalhou um pouco minha carreira na televisão foi um pouco de falta de traquejo. Houve também uma coisa um pouco complicada, que foi o seguinte: na época do TV Pirata, era a época da campanha política (para a Presidência da República, no final de 1989). Eu acho que isso em algum momento atrapalhou as coisas. Eu estava a favor do PT, eu fiz um programa (político) para o PT que foi muito bacana, e dentro da emissora eu meio que me queimei um pouco. Eu tinha uma atuação política muito forte naquele momento. Eu era muito ideológica. Tanto que no TV Pirata tinha um quadro chamado As Presidiárias, onde eu fazia a militante comunista, de boina, e era aquilo mesmo.
Quando foram fazer o TV Pirata 2 (em 1992), todos os atores foram convidados, menos eu. Eu fui a única pessoa do elenco original que não foi convidada.
Então foi isso, foi muito legal aquilo tudo, eu faria tudo de novo, mas acho que é uma página virada, já foi faz muito tempo. Estamos numa outra época, tudo é diferente, as questões são outras. Hoje eu olho pra trás e acho que valeu (enfática) tudo! Porque é assim mesmo, cada um tem que trilhar o seu caminho.
Então talvez isso tenha me prejudicado na TV. Mas não no teatro, porque eu continuei fazendo teatro, eu dei aula, eu dirigi, eu fui pra outros ramos do teatro, aprendi outras funções, eu escrevi peças, eu cresci como atriz de teatro, que é a minha origem.

O que você acha das novas gerações de atores de TV, que ao contrário do que acontecia no passado, muitas vezes não começam no teatro, começam direto na TV?
Eu observo alguns atores de TV que são muito bons. E eu nunca vi eles no teatro. Por exemplo, o Cauã Reymond. Ou esse menino do Rebu, o Jesuíta Barbosa. Ele é excelente, esse menino. O Lázaro Ramos, eu vi no teatro. E estourou na televisão. Então eu acho que tem uma geração de atores maravilhosos. E por incrível que pareça, na minha geração tinha mais atrizes talentosas e menos homens. E agora tem mais atores bons do que atrizes. O Thiago Lacerda, eu vi no teatro e ele é maravilhoso. Então depende do talento de cada um.

Outro dia vi cenas da novela Dinheiro Vivo (TV Tupi, 1978), onde você fazia a corintiana fanática Garapa. Era fantástica essa novela, aquelas cenas incríveis do programa de perguntas e respostas. Fale sobre esse trabalho.
Era vanguarda total. Eu adorava fazer, acho super moderna a novela, acho que vale até uma reprise. Eu estava grávida mas não podia contar pra ninguém porque senão não pegava o trabalho. Até que um dia, no estádio do Morumbi, eu tinha que fazer uma cena, tinha que correr pelo campo atrás do Biro Biro, gritando. Eu tava com uns quatro meses, ninguém via. Mandaram eu correr, e eu fiquei com medo de cair, de perder a criança. Eu falei “Sabe o que é, gente, eu tô grávida, eu não posso correr”. Aí eles improvisaram, deu tudo certo, e fiz a novela inteira. E essas cenas do programa eram gravadas sem cortes, como se fosse um programa ao vivo mesmo. Eu não podia errar.

O teatro ainda é seu porto seguro?
O teatro ainda é meu porto seguro. A escola foi a única forma de eu fazer teatro, eu fiz EAD (Escola de Arte Dramática, em São Paulo) de 1968 a 1970. E até hoje o teatro é o lugar onde eu me encontro, não sei viver sem fazer teatro. É uma necessidade orgânica, espiritual, física. Chega aquela hora da noite, eu penso que eu devia estar no teatro. Desde os 12 anos de idade, eu decidi que eu queria ser atriz de teatro. Que eu queria trabalhar no teatro. Eu fui atrás dessa vontade, desse desejo, desse sonho.
E o teatro é onde eu posso dar minha opinião. Ali o ator dá sua opinião sobre a vida. É o espelho da sociedade, do ser humano. Tem momentos da minha vida em que eu sou mais feliz no palco do que na vida. E aí eu acho que a vida é no palco, não é nem na vida (risos).


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