Nayara Justino sentiu na pele os efeitos que a exposição da mulher negra como um mero atrativo sexual pode causar. Ela foi a Globeleza de 2014 e, logo após, sofreu com uma avalanche de ataques racistas pela internet, que iam desde críticas aos seus traços até agressões diretas à sua cor, e chegou até a entrar em depressão.
Na época, denúncia de ofensas preconceituosas contra negros pela internet era algo raro. Ou seja, manifestar o ocorrido publicamente foi ainda mais difícil. “Antes do que aconteceu comigo, não se falava de racismo na internet. Então fico feliz em contribuir para uma sociedade melhor. Tem gente que fala e tem gente que faz. Eu fiz”, disse ela, em entrevista ao Virgula.
Nayara foi substituída do posto de “musa” do Carnaval global, segundo ela, sem aviso. Perdeu relevância, foi desrespeitada, desvalorizada, até chegar o convite da Record para protagonizar o primeiro capítulo de Escrava Mãe, sua estreia como atriz.
Na trama, Nayara vive a escrava angolana Luena, que é transportada em um navio negreiro de Angola até o Brasil. No meio do caminho, ela fica grávida, mas só dá à luz ao desembarcar em terras brasileiras. Luena se decepciona, porém, com o fato de filha ser mais clara que ela, pois isso a fará lembrar para sempre que a criança é fruto de um estupro que sofreu durante a travessia do Oceano Atlântico. No final do capítulo, a escrava não resiste ao parto e morre.
Em tempos de discussão sobre cultura do estupro e do escancaro de um machismo poderoso e perigoso no país, Nayara se mostrou contente com o fato da cena chamar a atenção para o crime e de mostrar tudo sob a perspectiva da vítima, não do agressor, algo ainda raro na televisão. “Acho que qualquer forma de estupro não pode ficar impune. Esta é uma das piores agressões ao ser humano, é terrível, deve ser sempre combatida”, disse ela.
Como mulher negra, a atriz também se disse satisfeita por ser protagonista das cenas iniciais do folhetim da Record, algo ainda raro na teledramaturgia brasileira. “[É] importantíssimo poder mostrar que somos fortes, talentosas e capazes, mesmo que o mundo inteiro diga o contrário. Espero abrir mais portas com este papel e estou ansiosa por novas oportunidades”, garantiu.
Com muito sofrimento e superação, Nayara Justino deu “a volta por cima”, como ela mesmo diz, e ganhou ótimas críticas por parte dos telespectadores, que elogiaram o viés político e histórico de suas cenas, que, segundo suas expectativas, servirão de inspiração para a discussão do papel das atrizes negras dentro da TV. “Meu caso não é único e espero que inspire novas meninas”, finalizou.
Famosos e anônimos contra a cultura do estupro
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