João Wainer, diretor de Junho, novo documentário que acompanha os acontecimentos do mês que abalou o Brasil em 2013, acompanhou como ninguém mais a evolução galopante dos protestos que pararam o país. Mais precisamente por meio de um drone, que, com uma câmera GoPro acoplada, sobrevoou as multidões que tomaram as ruas e avenidas de São Paulo, além de Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Salvador. Sua perspectiva, ele garante, era inédita.

Diretor da TV Folha, do jornal Folha de S. Paulo, João recrutou um time de analistas do jornal, além de militantes do Movimento Passe Livre – que liderou os protestos pela redução da tarifa de ônibus de R$ 3,20 para R$ 3 – e Bruno Torturra, da Mídia Ninja, para analisar o mês em que tudo começou. Na época marcados por confusão, incertezas e muita repressão policial, os protestos culminaram em um momento crítico quando Giuliana Vallone, repórter da Folha, foi atingida no olho por uma bala de borracha – atirada propositalmente por um PM. Então, surgiu a ideia de filme.

O Virgula Diversão conversou com João sobre o processo do filme, as manifestações de junho e os protestos que seguem chamando a atenção dos brasileiros.

Virgula: Como a cobertura dos protestos pela TV Folha virou um filme?

João Wainer: A gente já queria fazer um filme em algum momento, mas não tínhamos um tema. Durante o mês de junho, quando a Giu [Giuliana Vallone, repórter da Folha] tomou o tiro de borracha no olho, já passamos a captar pensando também no filme. A decisão de focar em junho chegou quando começamos a editar. Os acontecimentos ainda estavam muito em aberto. Vimos que era melhor fazer um recorte do mês de junho, em que tudo começou, do que focar em momentos cheios de altos e baixos. Foi uma opção para não ficarmos loucos. Poderíamos ter terminado agora e ficar desatualizado no dia seguinte. A ideia é contar a história. A medida que fomos editando, percebemos que era importante mostrar o que aconteceu e como as coisas foram se desenrolando, então o filme não tem uma conclusão, e nem teria como ter. Tem várias análises, de pessoas com matizes ideológicas bem diferentes, e que tornam o filme bem equilibrado. O mais importante do filme, pra mim, é contar cada um daqueles dias e os seus desdobramentos, como as coisas foram se linkando umas com as outras.

Na sua opinião, o tiro que atingiu o olho da repórter da Folha teve um papel fundamental para o desenrolar dos acontecimentos?

Eu acho que teve. A imagem da giu com o olho roxo correu o brasil, o mundo e acho que teve um peso sim na indignação das pessoas frente a repressão policial. O primeiro segundo ato, que foram crescendo, quando chegou no terceiro, teve uma onda de vandalismo muito grande, com ônibus depredados, bancos, esse vandalismo atiçou a polícia, o governo e a imprensa, a polícia reagiu de forma muito contundente e essa violência acabou gerando uma indignação que levou todo mundo para as ruas num momento seguinte. Essas coisas estão muito ligadas entre si. O tiro que a Giu levou contribuiu, sim, para levar as pessoas para as ruas. O vídeo da tv folha que mostrava a Giu após o tiro foi muito visto, muito comentado e moveu o debate. Nesse momento, percebemos que tinhamos um papel mais protagonista nesta história toda e decidimos fazer o filme.

Da mesma forma, os conflitos, os enfrentamentos com a polícia e as depredações – que são o coração da tática black block – foram necessários para atiçar a sociedade como um todo?

Não podemos apoiar o vandalismo, que é um crime e não deve ser feito. O que a gente deve analisar é como esse vandalismo foi fator preponderante para desencadear tudo que aconteceu depois. O vandalismo tem esta função, teve, de provocar o poder público e a imprensa, que veio junto, e chamar mais atenção. Quando eles praticam esse tipo de ato, a notícia sai maior, o destaque é maior. Não concordo de jeito nenhum, mas a gente tem de analisar que isso faz parte, é um fato.

Alguns comentaristas do filme falam sobre a mudança de tom dos editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de São Paulo em um certo momento das manifestações, em que pediram uma reação mais firme da polícia frente às manifestações. Depois que a repressão policial atingiu até mesmo a imprensa, a mídia mudou sua posição e condenou a as ações da PM. O jornalista Demétrio Bagnoli, especificamente, diz no filme que os jornais estavam apenas representando a opinião pública. Você concorda com ele? E, na sua opinião, o papel de um jornal é o de refletir a opinião pública?

Acho que o filme mostra, espeficamente nesse trecho da midia, como todo mundo ficou perdido, ninguém entendia o que estava acontecendo, em Junho. Acho que o editorial foi pesado, mas concordo que refletia o pensamento de uma parcela da população. Não sei se é o papel do jornal, acho que da parte editorial, sim. Mas não no resto do jornal. Acho que o editorial foi pesado, forçou um pouco a mão, e o jornal foi correto ao admitir isso de certa forma. Jornalismo diário é assim mesmo: no calor dos acontecimentos, essas coisas acontecem. O importante é saber olhar pra trás e fazer um mea culpa se for preciso.

Ao longo das manifestações, a mídia foi alvo e foco de ataque da opinião publica e das pessoas que estavam e estão nas ruas. Grandes conglomerados de mídia como a Globo, a Abril e a própria Folha são acusados de fazerem mal às sociedades. Como você enxerga este fenômeno?

Acho que é saudável, bem importante pro debate esse tipo de questionamento. Acho que as vezes as pessoas criam uns monstros que não existem. esses questionamentos que as redes sociais trouxeram são saudáveis. Antes, voce só ouvia vozes da grande mídia, hoje você ouve todo tipo de voz. Acho que está se desenhando um novo modelo de comunicação que é legal, e o conflito faz parte do processo. O país está caminhando de forma muito segura para um fortalecimento da democracia. São passos que estão sendo dados em busca desse amadurecimento.

Em algum momento dos protestos você sofreu repressão policial?

Foi um mês violento, mas há situações em que se enfrenta muito mais perigo do estas com aquelas com armas não letais. Não esperava nada diferente. Como fotojornalista, já passei por situações como esta e sei como a polícia se comporta. Voce está sujeito. Não aconteceu nada, mas nao esperava que a polícia agisse de outro jeito. Em reintegrações de posse, por exemplo, é padrão esse comportamento da polícia em momentos de confrontamento.

Depois de junho de 2013, a população presta mais atenção às manifestações que acontecem – e sempre aconteceram – nas periferias da cidade e afastadas do centro ou da zona oeste?

Esta é uma pergunta que eu não sei responder. Se o excesso de manifestações está tendo um efeito contrário, das pessoas não assimilarem tudo, ou não. Percebemos que os manifestantes aprenderam, amadureceram na forma de protestar, em como fazer para chamar mais atenção. Você percebe que todos acontecem na hora do [programa policial da TV Bandeirantes] Datena, em que o helicóptero está ao vivo sobrevoando a cidade. Tem um aprendizado por parte dos manifestantes.

Um debate que foi instigado pelas manifestações é o da desmilitarização da polícia. Você acha que esta seria uma solução?

Acho que a polícia deveria ser fechada e deveriam começar uma nova do zero. Sou super a favor da desmiliritazação da polícia, mas não acho que a Polícia Civil teria a capacidade de absorver todo o trabalho. A meu ver, deveriam pegar só que há de melhor nos quadros de funcionários, descartar tudo que há de podre, e não é pouco, gente envolvida com criminosos e corrupção, e começar do zero. É o mais possível, porque o que temos é complicado. O que vemos é assustador.

Em junho de 2013, o foco da imprensa a respeito das manifestações ficou muito mais ligado aos black blocs e aos atos de vandalismo do que às pautas das manifestações, especialmente após a saída do MPL das ruas. Para você, esta tendência continua?

Foi muita coisa, não sei dizer. Houveram momentos em que eles foram bem recebidos, momentos em que eles foram criminalizados. Um momento chave foi a morte do cinegrafista da Band. Uma coisa nova que eu acho que está acontecendo de nova são as greves à revelia dos próprios sindicatos. Tem muita categoria fazendo isso e pensando nisso. Se eu pudesse apostar em alguma coisa, apostaria em greves de categorias importantes acontecendo durante a Copa, para chamar a atenção para as suas reinvidicações. Já sobre a população, não sei. Às vezes acho que estão gostando, as vezes, execrando.

O governo atribui o surgimento dos protestos à queda da desigualdade do país e a um processo “civilizatório” da sociedade. A presidente Dilma Roussef costuma repetir que “o povo ganhou muito e quer mais ainda”. Você concorda com essa análise do fenômeno?

Houve um decréscimo de desigualdade, mas muita gente se tornou cidadão apenas por meio do consumo. E você precisa dar a um cidadão boas escolas, bons hospitais, para que ele possa exercer esse direito de cidadão por completo. Acho que esse desejo de mais que a população tem é de direito, é o mínimo que o governo tem que dar para as pessoas. As pessoas querem serviços decentes, não só melhorias de renda para pode consumir mais. Não basta uma geladeira boa e uma TV de plasma.

Por muito tempo a sociedade brasileira viveu um vácuo de debate político. Na sua opinião, isso mudou após junho?

Ainda é cedo para a gente definir o tamanho disso. Precisamos esperar a Copa do Mundo e as eleições para dizer que as manifestações foram marcos que mudaram os rumos do país. Nem o melhor dos roteiristas poderia ter encontrado um timing tão bom – você vai para a rua para protestar e, pouco depois, pode escolher um presidente. Vou esperar esses dois eventos acontecerem pra poder entender a importância das manifestações.

Junho está em cartaz em 12 cidades do Brasil, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro, e também no serviço de vídeo por demanda iTunes. 


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Entrevista: diretor de documentário Junho fala sobre manifestações, greves e repressão policial