Rodrigo Fonseca, de Cannes, especial para o Virgula
No momento em que a Croisette discute a inusitada decisão do Festival de Cannes de proibir a entrada de mulheres sem salto alto para além das fronteiras de seu tapete vermelho, um dos maiores ícones da afirmação feminina em todos os tempos chega à cidade disposta a abalar convenções chauvinistas: Jane Fonda.
Aos 77 anos, atualmente na série da Netflix Grace and Frankie, a atriz duas vezes ganhadora do Oscar – por Klute, seu passado a condena, em 1972, e por Amargo regresso, em 1979 – passou pelo balneário francês, na quarta-feira (20), com uma elegância de Primeira Dama, em seu sapatinho de salto quase microscópico, disposta a peitar as normas de etiqueta do festival. E ela chegou com fome de prêmios, à frente do filme em competição pela Palma de Ouro que mais mexeu com os brios locais: Youth, recebido com um misto de aplausos fervorosos e vaias.
“Tudo é uma questão de postura, de como você se comporta diante de um desafio. E quando se age com paixão, fica mais fácil lidar com as adversidades, sobretudo aquelas ligadas ao peso da idade”, disse a diva, citando a palavra-chave de “Youth”, idade.
Dirigido pelo italiano Paolo Sorrentino, de A Grande Beleza (Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014), Youth trata de pessoas na faixa dos 80 anos às voltas com vicissitudes do tempo. O foco se fecha entre dois amigos, o maestro aposentado Fred (Michael Caine) e o cineasta Mick (Harvey Keitel), que tenta realizar um novo longa-metragem.
Para isso, ele espera contar com a ajuda de sua musa: a estrela em decadência Brenda, papel encarnado por Fonda, com o uso de uma maquiagem carregada no pancake e perucas dos mais variados estilos. O problema de Mick é que Brenda cansou do cinema, e, em meio a um faniquito com o velho amigo, anuncia seu plano de viver única e exclusivamente de televisão.
“Brenda sabe o que quer. Mick, não. Por isso, ela esbraveja, sai dos trilhos. Uma pessoa, seja homem ou mulher, que sabe o que quer vai à luta”. afirmou Jane, que nos anos 1960 e 70 ficou notória no cinema por seu ativismo político à esquerda, contrastante com as posições mais à direita de seu pai, o ator Henry Fonda (1905-1982).
Sempre afetada, falando alto e gesticulando com a intensidade de quem está no meio de uma briga, a figura de Brenda ajuda Sorrentino a fazer uma crítica ao temperamento inflamado das divas. Mas Jane contesta que seja um retrato da realidade em Hollywood como um todo. “Tem atrizes que são assim como ela e se relacionam às turras com seus produtores ou seus diretores. Mas não é um modelo. Na arte, não existe um perfil fixo de nada. Existe, no filme, apenas uma semelhança com fatos que me soam familiar, ainda que de forma exagerada”, ponderou.
Premiere e coletiva de Youth no Festival de Cannes
Créditos: Getty Images
Para a atriz, o filme de Sorrentino, em seu surrealismo, tem exageros. “Mas vem daí sua precisão”, avaliou ela, lamentando ter ficado associada ao longo de sua história no cinema à imagem da super-heroína Barbarella, importada das histórias em quadrinhos e levada as telas por Roger Vadim (1928-2000) em 1968. “Isso foi um problema, pois passei anos associada àquela figura sensual. Mas, o tempo passa…”, refletiu.
Embora tenha rachado opiniões entre os críticos, Youth dispara como um dos títulos com mais fôlego para papar a Palma de Ouro de 2015, tendo como seus maiores concorrentes Saul’s son, do húngaro László Nemes, e Mia madre, do também italiano Nanni Moretti. Carol”, do americano Todd Haynes, é o favorito para o prêmio de direção e de interpretação feminina, para Cate Blanchett – isso se o prestígio de Jane não falar mais alto.