Seis anos após o lançamento de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, o diretor Cao Hamburger está de volta às telonas com o filme Xingu, que conta a luta dos irmãos sertanistas Villas Bôas pela proteção dos povos indígenas. Como no longa anterior, o cineasta resgata um momento histórico do Brasil para servir de pano de fundo para sua trama. Ele garante que sua preocupação é contar boas histórias e acredita que o Brasil ainda possui muitas para exportar ao mundo.

Em entrevista ao Virgula Diversão, o diretor afirmou, ainda, que não possui a ambição de receber prêmios internacionais. “O objetivo é sempre tocar o público, emocionar ou de alguma forma se conectar com ele. Os festivais e os prêmios são bons para divulgar o filme, mas nunca são o objetivo”, disse .

No bate-papo, Cao Hamburger falou, ainda, sobre os desafios de filmar Xingu longe da civilização, projetos futuros e o programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, que dirigiu nos anos 90. Confira.

De onde surgiu a ideia de contar, no cinema, a história dos irmãos Villas Bôas?
A ideia veio do filho do Orlando Villas Bôas, Noel. Ele sugeriu que a gente contasse essa história, que já estava sendo esquecida. Ele mostrou ao Fernando Meirelles o livro que o Orlando tinha escrito. O Fernando adorou e me chamou para ver o que eu achava. O que mais nos interessou, além do fato de ser uma história incrível e muito cinematográfica, é o fato de ela ser muito atual. Ela é importante para que a gente reflita sobre os rumos da nossa civilização, sobre o que a gente quer como perspectiva de progresso e como futuro do nosso País.

Quais foram os maiores desafios para fazer o filme?
Tudo foi difícil, desde condensar o roteiro de uma história que se passou em 40 anos até as filmagens. Gravamos em locais muito afastados e sem conforto. Foi uma epopeia. Nós vivemos mais ou menos o que os irmãos Villas Bôas viveram na época deles. Só conseguimos terminar o filme porque os atores e a equipe estavam muito comprometidos. Acho que isso está impresso no filme. As pessoas percebem o quanto a gente teve de se dedicar e o quanto foi dura a vida dos caras que a gente está retratando.

Como foi trabalhar com índios não atores?
Desde o começo do projeto, a gente fez questão de ouvir o ponto de vista dos índios na história. Nós fomos várias vezes ao Xingu e falamos muito com eles. Eles foram criando uma confiança com a gente. Quando chegou a hora de escolher os atores, eu tinha a certeza de que queria trabalhar com os índios. Eles fariam os papéis de seus antepassados. Fizemos um workshop de atuação e escolhemos os melhores. Ensaiamos, ensaiamos, ensaiamos, e eles entenderam o jogo da interpretação muito rápido.

Após O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, você volta a retratar um momento específico da história do Brasil, o período de ditadura militar. Você busca esse viés em seu trabalho cinematográfico?
Não foi muito pensado, mas aconteceu. O Brasil tem muitas histórias legais que merecem ser contadas. Elas não interessam apenas ao povo brasileiro, mas também interessam ao mundo. O Brasil tem de vender suas histórias para o mundo.

A temática social é importante no seu cinema?
O cinema tem de contar boas histórias e entreter o público. Alguns filmes fazem o público pensar em outras questões. Não acho que um filme tem de ser necessariamente engajado, mas a Amazônia é um assunto muito urgente. O cinema brasileiro tem de falar de Amazônia.

Xingu narra as dúvidas e indiossincrasias dos personagens. Eles são bem humanos nesse sentido. Houve a preocupação em dar esse tom à trama?
Sim. Desde o começo, não me interessava em fazer um filme “chapa branca”, em que a gente só pudesse falar das coisas boas dos irmãos Villas Bôas. Só me interessei por essa história porque gostei dos personagens. São muito ricos, interessantes, cheios de contradições e ambiguidades. Suas vidas são dramáticas. E, no fundo, são grandes heróis. Sempre quis manter a profundidade desses personagens. Acho que é com isso que a gente se conecta com o filme.

Como foi trabalhar com Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, os três protagonistas de Xingu?
São três excelentes atores, entre os melhores do Brasil. E eles compuseram uma família muito harmônica, até ficaram parecidos com os irmãos Villas Bôas. Eu estou muito orgulhoso da atuação deles, do talento que eles estão demonstrando no filme.

Apesar de ter realizado muitos outros projetos, você ainda é muito lembrado pelo seu trabalho em Castelo Rá-Tim-Bum. Qual impacto esse projeto teve na sua história?
Ele mudou tudo. Foi o primeiro grande projeto que realizei, e tenho muito orgulho dele. Ainda sou lembrado por ele e tenho o maior carinho pelo programa. Foi um ponto de virada para mim.

E, vendo com o distanciamento do tempo, qual impacto esse programa causou na televisão brasileira?
Eu acho que o Castelo Rá-Tim-Bum provou que um programa de qualidade para criança, ainda que custe caro, vale a pena ser feito. Ele está no ar até hoje e influenciou positivamente a vida de muitas crianças.

Você pensa em voltar a trabalhar com televisão aberta?
Já tenho alguns projetos, mas não posso falar sobre eles agora. Há um programa em que não estou na direção, mas que eu criei e vou ajudar a fazer. É um projeto na TV Cultura para adolescentes e deve estrear no fim deste ano. É uma série que leva o nome provisório de Pedro e Bianca. É uma série para adolescentes e sobre adolescentes, que tem muito humor.

Quais são seus objetivos futuros?
Filmar boas histórias, filmar histórias brasileiras, mas não só isso. Quero, por exemplo, fazer um filme baseado no livro do escritor israelense Amós Oz.

Prêmios internacionais estão incluídos em suas ambições?
Não. O objetivo é sempre tocar o público, emocionar ou de alguma forma se conectar com ele. Os festivais e os prêmios são bons para divulgar o filme, mas nunca são o objetivo.

E o cinema brasileiro tem contado boas histórias, com bons padrões técnicos?
Eu acho que o cinema brasileiro tem melhorado muito. Está em ascensão. Ele já era muito bom até os anos 90, quando houve uma interrupção de 10 anos, e agora retomou. Cada vez mais o público vai ao cinema para ver filmes brasileiros.

O que você vê na televisão aberta, hoje?
Jogos do Santos, o jornal da TV Cultura, o Roda Viva (Cultura), o Jornal Nacional (Globo), o Pânico (Band) de vez em quando. Já assisti muito mais a TV do que hoje, na verdade.


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Diretor de Xingu, Cao Hamburger diz: "O Brasil tem de vender suas histórias para o mundo"