Rodrigo Aragão é o cara do cinema de terror no Brasil, hoje. O diretor, apontado por José Mojica Marins – criador do personagem Zé do Caixão e ícone do gênero – como sucessor dele, está fazendo barulho com seu mais recente filme, Mar Negro, que rodou o mundo antes de chegar ao País. De baixo orçamento, mas original e cativante, o filme conta a história de uma vila de pescadores em Gurapari (ES), terra do diretor, invadida por seres monstruosos, nascidos da poluição no mar.
Mar Negro é o terceiro de uma série de filmes contextualizados em diferentes ecossistemas do litoral do Espírito Santo. Antes dele, vieram Mangue Negro, que tem como cenário o manguezal, e A Noite do Chupacabras, que mostra a Floresta Tropical.
“Para ser universal, o filme tem de ser o mais regional possível”, explica o diretor. Para ele, o folclore brasileiro, que lhe inspirou monstros como o baiacu-sereia e o zumbi-caranguejo em Mar Negro, é uma fonte rica de histórias. “Se a gente utilizasse mais esses elementos no nosso cinema, a gente ja teria feito clássicos mundiais”.
Aragão é responsável pela maquiagem e efeitos especiais artesanais de seus filmes. Autodidata, mais do que produzir cinema, ele atribui a si a missão de contribuir para a superação de uma histórica falta de tradição do País no gênero de terror. Para isso, ele tem realizado oficinas pelo Brasil inteiro, em que passa adiante seus conhecimentos para as novas gerações.
O Virgula Diversão bateu um papo com o cineasta. Dá uma olhada.
De onde vem seu interesse por filmes de terror?
O terror, para mim, é algo muito divertido. É um gênero em que você pode extrapolar a realidade. Acima de tudo, há uma reação muito verdadeira da plateia. No filme de arte, você pode dizer que gostou quando, na verdade, não gostou. O diretor pode dizer que o público não entendeu seu filme. Com o terror, é diferente. Você gosta ou não gosta. Não tem mistério. Eu sou apaixonado pelos filmes de terror dos anos 80, que foi o ápice dos efeitos especiais artesanais, antes dos recursos de computação gráfica. Lobisomem Americano em Londres, A Volta dos Mortos-Vivos e outros clássicos foram filmes que me fizeram ir para a área de cinema.
Como foi seu começo na produção de efeitos especiais e maquiagem?
A maquiagem surgiu de uma forma natural para mim. Como eu queria fazer cinema, a maquiagem era a única coisa que eu conseguia fazer em casa. Eu não tinha câmera nem nada, mas podia fazer maquiagem com massa de trigo, guardanapo, tinta guache. Fazia muitos experimentos com cola branca. Com 11 anos, eu já assustava vizinhos e tias. Quando vi que a magia funcionava, passei a estudar mais aquilo e dediquei minha vida a essa grande pesquisa.
Foi um aprendizado autodidata?
Foi totalmente autodidata. Passávamos anos antes de conseguir ver o making of de algum filme sobre o qual ouvíamos falar. Era um processo muito difícil. Hoje, você faz uma busca no YouTube e acha de tudo. Antes, não tinha alternativa a não ser o autodidatismo. O Brasil não tem a tradição em efeitos especiais. Os profissionais mais antigos faziam muita questão de guardar os segredos da profissão. Acho que essa mentalidade foi o que fez o Brasil ficar muito atrasado em relação a isso. Aos poucos, a gente tenta mudar esse raciocínio. Algo que faço muito é dar oficinas de efeitos especiais pelo Brasil inteiro. Acho que é muito importante dividir informação. É uma forma de fazer com que os efeitos especiais como um todo evolua no País. Espero que essa próxima geração tenha menos dificuldade do que eu.
Você chegou a trabalhar com casas de terror?
Eu tinha uma casa de terror chamada Mausoleum, que era itinerante. Funcionamos em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e ficamos mais de dois anos em Salvador. Era um espetáculo, na verdade. Era uma coisa bem diferente, em que as pessoas entravam e viam histórias em salas e cenários diferentes. O público interagia com aquilo e ficava bem apavorado, com historias de magia, demônios, zumbis, monstros. A gente apresentava para grupos de sete pessoas e apresentamos para mais de 40 mil anos ao longo de três anos de existência do espetáculo. Isso foi meio que minha escola de como assustar o público. Eu presenciei todas as reações de susto de ser humano possíveis. Aprendi que os caras fortões, os do jiu-jitsu, são os mais medrosos. Uma das coisas mais interessantes de ver é o prazer que as pessoas sentem depois de levar um susto. Depois de passar o susto, você geralmente ri. Isso é um tipo de energia que tento passar para os meus filmes.
Você usa bastante humor também…
Meus filmes são “filmes parque de diversão”. Eles têm susto e piadas. Tento passar essas emoções para a plateia. Acho que o humor é legal. Acima de tudo, eu quero divertir a plateia. Eu me divirto muito fazendo os meus filmes e os atores todos também. Eles trabalham demais, mas também se divertem bastante.
Fazer filmes sem edital, com pouca verba é um processo difícil, não?
Tenho sorte de ter um produtor parceiro, um amigo de longa data, Hermann Pidner, que é empresário de outro ramo e que acredita e investe no meu trabalho. Temos esse sonho, que para um brasileiro é louco, de fazer cinema autossustentável, que se pague. Estou seguindo os passos do Mojica, de ter retorno melhor fora do Brasil do que aqui dentro. Atualmente, sou mais visto lá fora do que aqui.
O Mojica disse que você é o sucessor dele no gênero de terror no Brasil. Como recebeu esse elogio?
Eu fiquei muito, muito, muito emocionado mesmo. Acho que os meus filmes são completamente diferentes dos dele, e acho que isso é bom. Ele é uma pessoa ilimitada. Não tem como repetir o trabalho dele. Me identifico com o histórico de vida dele, de batalha, de fazer coisas com poucos recursos. Para mim, foi emocionante. Uma coisa que brinquei com ele é que não quero ser maldito. Tem essa coisa de maldito que colocam para ele e para mim, mas não é bacana ser maldito na terra onde você nasceu. O bacana é sempre conquistar espaços e viver dignamente com nossa arte. O Mojica merecia muito mais reconhecimento do que ele tem aqui.
Você tem vontade de trabalhar com ele?
Tenho muita vontade de fazer um projeto com ele. Toda a equipe que trabalha comigo, a maioria de jovens admiradores de terror, quer muito que ele faça um projeto com a gente. Acredito que isso vai acontecer em 2014. Já conversei sobre isso com ele, mas não posso dar muitas informações.
Por que existe essa resistência ao terror no Brasil?
Acho que é porque o brasileiro apanha para fazer filme de terror. É algo que não é fácil de se fazer, é difícil. São poucas pessoas no Brasil que são competentes para fazer um bom filme de terror. Salve o Mojica e poucos outros dos tempos da boca do lixo, a gente vem de uma falta de tradição. Estamos, agora, abrindo caminho no peito. Eu acredito que esse cenário vai mudar. Espero e acredito que haverá uma mudança de mercado e de conceitos. Espero que a gente comece a ter uma boa repercussão dentro desse gênero porque eu confio muito numa nova geração de cineastas que são apaixonados pelo terror. Essa falta de interesse é algo inacreditável, porque o Brasil é um país em que temos muito do fantástico, do imaginário. Isso está no sangue do brasileiro. Se a gente utilizasse mais esses elementos no nosso cinema, já teria feito clássicos mundiais. Nossa cultura é cheia de seres fantásticos e criaturas assustadoras.
Há jovens interessados em produzir filmes de terror?
Eu recebo vários roteiros de pessoas de todas as áreas do Brasil. sempre recebo fichas de atores que querem trabalhar em filmes de terror. Esse grupo de jovens trabalha meio como uma cooperativa. Nosso próximo filme vai ser um filme colaborativo. Serão quatro histórias brasileiras com diretores diferentes. Eu vou dirigir uma. Nós tentamos nos ajudar e trocamos informação. Graças a Deus, há fãs de terror em todo lugar do mundo. No Brasil, temos um monte.
Você trabalha bastante com elementos do Espírito Santo. Por que esse fascínio por contar histórias regionais?
Para ser universal, acho que o filme tem de ser o mais regional possível. O regionalismo é nosso grande trunfo para fazer alguma coisa original, que tenha uma boa entrada no mercado. Não me interessa repetir o que o americano faz, gravar filmes que se passam em Nova York. O que temos de diferente é justamente a cultura brasileira. Tenho a intenção de fazer um terror tropical. Eu sempre tento utilizar muitas cores e criar monstros a partir de seres que existem nos ecossistemas à nossa volta.
Mar Negro fecha uma trilogia de filmes sobre diferentes ecossistemas do Espírito Santo. De onde surgiu a ideia de realizar esse projeto?
A ideia de fazer filmes sobre cada ecossistema é muito antiga. As pessoas falam sobre o fechamento de uma trilogia, mas eu espero que esse universo de ecossistemas continue se expandindo, gerando novos filmes, séries de TV, quadrinhos. Espero que isso cresça sempre. Não vamos parar nesses três filmes. Eu preparei o terreno com esses três filmes. Agora, é minha fase de trabalhar mais personagens, porque o Brasil está cheio de histórias incríveis.
O que chama sua atenção no cinema nacional, hoje?
A melhor coisa de cinema brasileiro, hoje, é o que está fora das comediazinhas da Globo. Está havendo um movimento em Recife muito interessante, com filmes como Tatuagem e o Som ao Redor. É interessante quando não são as velhas coisas da Globo, que parecem muito as coisas de televisão, ou do pessoal do eixo Rio-São Paulo. A temática de favela já cansou. As bordas e beiradas, os independentes, essas pessoas é que estão dando uma cor diferente ao cinema brasileiro. Isso me encanta. Sei que o meu trabalho é muito importante para o cinema nacional porque é muito importante termos filmes de gênero. O cinema brasileiro está ficando muito igual. Ou você tem coisas cabeça, que são financiadas pelo governo e passam em meia dúzia de festivais e nunca ninguém mais vê, ou você tem essas comediazinhas. O novo cinema brasileiro é um cinema mais jovem, diverso e com cores diferentes. A indústria do cinema brasileiro tem problemas na raiz. Você tem grande apoio na produção, mas não tem apoio algum em distribuição e espaço. Não há contrapartida para esse cinema chegar ao público.