O Festival Mundial de Filmes de Montreal acolheu neste domingo (21) a estreia internacional do longa brasileiro Corações Sujos, o primeiro filme que retrata como a comunidade de imigrantes japoneses no Brasil se negou a acreditar que seu país de origem tenha perdido a Segunda Guerra Mundial.
O longa, de Vicente Amorim, é a única produção latino-americana que competirá na seção oficial de longas do evento.
Entre 1945 e 1946, parte dos imigrantes japoneses no Brasil, que abrigava então a maior comunidade japonesa do mundo, se negou a aceitar que seu país tinha perdido a guerra.
Alguns deles se organizaram para assassinar os “corações sujos”, como chamavam os compatriotas que aceitaram a derrota.
“Realmente é um episódio não muito conhecido, ou que pelo menos não era tanto até o lançamento do livro que deu origem ao filme”, declarou neste domingo em entrevista coletiva Amorim, que baseou seu terceiro longa-metragem na obra homônima de Fernando Morais (Companhia das Letras, 2000).
Cerca de 50 produções representam o cinema latino nesta edição, e duas delas competirão na seção oficial de longas-metragens: a espanhola 5 Metros Cuadrados e a brasileira Corações Sujos, de Vicente Amorim.
Amorim, que conquistou a crítica internacional em 2008 com Um Homem Bom, aborda em seu último trabalho um tema que, em sua opinião, ainda é “muito controverso” dentro da comunidade japonesa do Brasil.
“As pessoas mais velhas, que rondam os 80 anos, não tocam no assunto, já os jovens se interessam mais em saber o que aconteceu com a sua comunidade há meio século”, acrescentou o cineasta austríaco, de “alma” brasileira.
No final da Segunda Guerra Mundial, os imigrantes japoneses do Brasil foram oprimidos pelo Governo, que declarou ilegais tanto sua bandeira como seu idioma.
No seio desta comunidade, castigada pela intolerância e pelo racismo, surgiram grupos organizados que se negaram a aceitar a derrota do Japão na guerra, e acabaram empreendendo uma cruzada contra os compatriotas que assumiram a derrota, considerando-os traidores.
Em nome da verdade e da honra japonesa, estes grupos manipularam informação, ameaçaram seus próprios vizinhos e mataram muitos deles; tudo para negar o que era um segredo: que o imperador Hiroito era mortal e tinha perdido a guerra, embora fosse a primeira derrota de sua vida.
Corações Sujos só foi exibido uma vez antes de Montreal, no festival brasileiro de Paulínia, pois Amorim ainda não sabe como o público brasileiro e, sobretudo, a comunidade japonesa do país, vai receber o longa.
“A reação das pessoas que o assistiram em Paulínia foi incrível, mas nos festivais é difícil imaginar qual será a reação do grande público quando o filme chegar aos cinemas”, reconheceu o diretor.
O longa foi neste domingo ovacionado em sua estreia internacional em Montreal, onde foi muito comentado que a obra aborda um tema que nunca antes foi levado para o cinema.
O festival vai exibir 383 produções de mais de 70 países até o dia 28 e reafirma a intenção de se manter afastado dos holofotes de Hollywood e, por outro lado, de impulsionar o cinema independente.