O filme “Silvered Water”, um autorretrato descarnado da guerra civil na Síria, na qual mais de 140 mil pessoas morreram nos últimos três anos, impactou o público nesta quinta-feira no Festival de Cannes.
Realizado por Ossama Mohammed e Wiam Simav Bedirxan, o filme, que integra a programação oficial, mas não entra na competição, é um relato entre documentário e jornalismo cidadão que intercala vídeos anônimos gravados com celulares (tão ásperos no quesito técnico como assustadores no humano) com planos mais poéticos, tomados entre as ruínas de Homs e o exílio em Paris.
Trata-se de um ensaio de 92 minutos em que um rapaz sírio e uma mulher curda falam sobre o poder do cinema, da câmera e da imagem como ferramenta de resistência e testemunha da condição humana mais impiedosa.
Neste aspecto, o filme revive o horror da guerra civil síria desde o primeiro minuto, quando mostra fotogramas de torturas, humilhações, abusos e sofrimento em manifestações, delegacias ou hospitais, enquanto a voz em off de Mohammed – que deixou Síria em 2011 – conduz o espectador ao inferno da realidade do país.
O filme, que não é indicado aos estômagos mais delicados, é cru e pesado, mas não chega a ser de mau gosto, tendo em vista que, apesar de não tem a pretensão de ir a fundo na ferida, também não amortece a realidade de uma guerra que dura já mais de mil e uma noites.
Execuções sumárias, cadáveres abandonados, viúvas gritando, órfãos silenciosos, animais de rua mutilados e pontos de sutura para fechar um ferimento da própria realizadora fazem do filme uma verdadeira denúncia contra essa realidade síria – um tiro a queima-roupa sem dinheiro para artifícios e sem tempo para rodeios.
Na tela, a história sem filtro dos que foram obrigados a deixar a Síria, dos exilados e deslocados, assim como a daqueles que ficaram e resistiram entre casas em ruínas.
Apesar de ter uma essência atemporal, já que não é datado a cada sequência, o filme abre espaço para a evolução da insurgência, que floresceu pedindo liberdade e democracia perante a repressão do presidente Bashar Al Assad.
O filme, que questiona o fato da revolução sacrificar seus próprios filhos, se concentra especialmente em Omar, um menino que acompanhou a diretora em Homs, onde se esquiva da mira dos franco-atiradores para levar flores ao túmulo de seu pai, assassinado em conflito. Aliás, os autores dedicam esse filme a sua memória.