Segundo a Organização Mundial da Saúde, 80% das pessoas têm dores nas costas. Por isso, é normal que recorram a diversos tratamentos para aliviar o incômodo que, dependendo da intensidade, pode até tirar a pessoa de suas atividades normais. E foi por causa de uma dor nas costas que a jornalista Mariana Busanelli, de 34 anos, procurou por uma quick massage em um shopping de São Paulo. Incomodada, ela achou que uma sessão rápida depois do cinema poderia lhe garantir um sono mais tranquilo. Mas seus problemas estavam apenas começando. Logo depois da massagem, em que acredita ter sido submetida a manobras da quiropraxia, Mariana começou a perder a visão periférica. Sentiu que estava com problemas. Assustada, correu para o hospital para investigar o que estava acontecendo. O diagnóstico a deixou em estado de choque: AVC.
No hospital, os médicos que a examinaram explicaram que, provavelmente por causa das manobras a que Mariana foi submetida, uma artéria vertebral na região do pescoço havia sofrido uma dissecção (ruptura da parede mais interna) e que isso havia causado a formação de um coágulo. Esse coágulo subiu até o cerebelo, parte do encéfalo responsável pela manutenção do equilíbrio, pelo controle do tônus muscular, dos movimentos voluntários, e aprendizagem motora. Um grande azar, certo? Errado. Segundo os especialistas, esse tipo de ocorrência é mais comum do que se imagina.
A manipulação da espinha dorsal pela quiroparixa é uma prática milenar que foi consolidada pelo prático David Palmer em 1895. Desde então, esse tipo de tratamento vem sendo aplicado pelo mundo, mas já foi descrito por diversos estudos científicos como algo perigoso. Segundo as pesquisas, a manipulação da espinha dorsal feita pela quiropraxia apresenta sérios riscos, como sangramentos internos, formação de pseudo-aneurismas, rompimento da dura-máter (a membrana mais externa da medula espinhal), edemas, danos nos nervos, hérnia de disco e fraturas ósseas.
No Brasil, a quiropraxia está regulamentada como especialidade do fisioterapeuta. Como não é regulamentada como profissão independente, quem se submete a esse tipo de tratamento com um profissional que não seja fisioterapeuta especialista não tem a quem recorrer caso haja algum problema. Pablo Flores Dias, vice-presidente da Anafiq (Associação Nacional de Fisioterapia em Quiropraxia) explica que a formação do fisioterapeuta naõ é da noite para o dia. “A nossa recomendação é que fisioterapeuta faça uma especialização de, no mínimo, 500 horas com no mínimo 2 anos de duração, antes de começar a atender. Existem manobras complexas na quiropraxia, que apresentam um certo nível de dificuldade. O profissional tem que estar extremamente preparado”, diz.
Leia o relato da jornalista
“Era quarta-feira, feriado do aniversário de São Paulo. Acordei tarde, fui comprar o convite para a primeira sessão de “La La Land” e em seguida almocei. Após o filme, decidi fazer uma quick massage para tentar aliviar a tensão que sempre sinto na região do trapézio e que dias antes tinha me causado um leve torcicolo.
No local, havia a quick massage de 12, 18 e 30 minutos. Escolhi primeiro a de 12 mas a recepcionista me convenceu a fazer de 18 por ser mais completa. A profissional era bem forte e estava pressionando com bastante força, mas, como estava sentindo mais dores que o normal pedi que ela reduzisse um pouco a pressão. A massagem transcorreu normalmente, mas, nos minutos finais, ela pediu que eu jogasse meu corpo sobre o dela e realizou alongamentos e manobras que eu entendo serem de quiropraxia. Não que ela tenha me dito algo, mas eu já havia feito uma vez aquele tipo de coisa que chega a dar um estalo na coluna e pescoço e o profissional havia me dito que aquilo nem fazia parte do que estava pagando, mas ele faria pelo fato de eu estar muito tensa.
Após a massagem, subi para a praça de alimentação para tomar algo e ao sentar comecei a sentir que estava perdendo a visão periférica. Era como se a minha cabeça estivesse ficando menor e eu só via o “miolo” das coisas, não enxergava lateralmente e este pouco que via era extremamente embaçado. Levantei e fui para outro local na tentativa de testar se era algo relativo a luz forte de onde estava mas, quando fui me sentar no banco, notei que não tinha noção de profundidade. Não conseguia perceber onde ele terminava. Tateando consegui me sentar. Fechei os olhos, abri novamente e tudo permanecia igual.
Desci para o primeiro andar do shopping e ia tentar chamar um táxi, um Uber, qualquer coisa que me levasse ao hospital mais próximo que felizmente era bem próximo. Para meu desespero, não conseguia enxergar direito o celular e digitar. Não pensei duas vezes e fui caminhando por no máximo 1 km. No caminho, mesmo sabendo um pouco o trajeto, me senti perdida, acho que também pelo nervosismo e pedi informação para uma pessoa em um posto de gasolina e para outra em um bar. Ambos eu não consegui ver o rosto, era só um borrão. Pensei que perguntariam se estava tudo bem comigo porque eu achava estar aparentando não estar bem, mas um deles só falou “moça, guarda este celular que aqui é perigoso”. Ao chegar à emergência, só disse que não estava enxergando e fui atendida rapidamente.
Depois de fazer exames, a médica sentou ao meu lado e disse na lata “estava olhando seus exames e você tem uma isquemia”. Ela continuou falando….muito…eu falei “espera, isso é AVC né?”. E ela “sim, um AVC isquêmico”. Eu disse “não pode ser, eu estou bem”. Pedi um tempo para ficar sozinha e tentar digerir tudo aquilo.
Menos de uma semana depois, voltei a trabalhar e três semanas depois do que considero minha nova chance, eu ainda sinto alguma oscilação visual, enxergo um pouco embaçado, mas nada a ver com aquela perda de visual periférica do dia, sinto alguma tontura e sensação de cabeça vazia às vezes. Minha memória recente também está um pouco prejudicada, como se estivesse preguiçosa, e tenho dificuldade de prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo. Antes poderia ler uma notícia no celular e conversar com alguém ao mesmo tempo, absorvendo 100% das duas coisas. Hoje, se estiver lendo a notícia, provavelmente não vou ter ideia do que a pessoa está falando. Disse a neurologista que isto é normal, mas me causa enorme aflição.
Sigo realizando exames, tomando remédios e acreditando que todas estas sensações são temporárias (certeza nunca dá para ter e isto é o mais cruel), mas segundo os médicos, leva um tempo (e ele varia muito de pessoa pra pessoa), para o organismo acostumar a um novo trajeto para a sinapse ou ainda ter que criar outro para que as funções voltem perfeitamente. É como se eu ainda tivesse um machucado que não está 100% cicatrizado. Até lá, paciência, fé e agradecimento por não ter ficado com alguma grave sequela, tão comum neste tipo de doença.