Carl Hart, neurocientista e professor titular da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, classificou como “ridícula” a proposta da Prefeitura de São Paulo de pedir permissão ao Ministério Público para internar viciados em crack à força na cidade. Segundo ele, nada disso resolverá o problema da Cracolândia, obstáculo histórico na popularidade dos prefeitos paulistanos desde 2000.
“Embora usem crack, muitas pessoas não são viciadas e têm outros problemas: psiquiátricos, relacionados à pobreza. Precisamos descobrir exatamente o problema de cada pessoa, e isso demandaria grande comprometimento e mais inteligência na abordagem”, disse ele em conversa com a BBC Brasil.
Hart, que é autor do livro Um Preço Muito Alto – A Jornada de Um Neurocientista Que Desafia Nossa Visão Sobre Drogas, foi um dos inspiradores da gestão anterior, de Fernando Haddad (PT), para criar o programa Braços Abertos, extinto pelo administração atual de João Dória (PSDB).
“Minha primeira impressão é que o novo prefeito está colocando a politica à frente das pessoas. Se o objetivo é ajudar outras pessoas da sociedade, é preciso descobrir um modo de incluí-las nessa sociedade”, afirmou Hart. No domingo (21), Dória e o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), realizaram uma ação conjunta com 976 policiais, que expulsaram usuários e prenderam 38 traficantes. Em seguida, a prefeitura passou a demolir alguns imóveis que serviam como pensão para viciados, algumas ainda tinham pessoas dentro, que se feriram.
O Ministério Público reprovou o pedido de Dória para internação compulsória e chamou a proposta de “caçada humana”.
Criado em um bairro pobre de Miami e traficante de maconha na adolescência, Hart diz que começou a estudar neurociência porque queria ajudar a resolver o problema do vício em drogas. Hoje, ele diz que reconhece que há pessoas que abusem delas, mas diz que acreditar que as substâncias são o problema, bem como declarar guerra a elas, é um erro.
“Eu mesmo achava que o problema eram as drogas, mas não é. Há pessoas em São Paulo que têm dinheiro e bens, usam drogas e estão bem. Mas elas têm oportunidades, empregos, todas as coisas. Muitas das pessoas na Cracolândia tiveram educação precária, não têm emprego, vem de famílias excluídas da sociedade. Há todos esses problemas sociais, mas é fácil para um político dizer ‘vamos livrar a comunidade dessa droga’ e não lidar com os problemas dessas pessoas pobres”, opinou.
Carl Hart disse, ainda, que, embora “não fosse perfeito”, o Braços Abertos era “um passo na direção certa” por demonstrar compaixão e ganhar confiança dos dependentes. “Certamente isso não é o que o atual prefeito está fazendo ao chamar a polícia e limpar a área. Isso mostra às pessoas que ele não tem compaixão e que está fazendo política com pessoas”, criticou.
Para fundamentar a observação, ele citou o tratamento de dependentes de heroína realizado pela Suíça, onde o governo fornece duas doses diárias aos inscritos e uma renda básica aos cidadãos, como exemplo de política de drogas de sucesso e “não moralista”. “Claro que a Suíça é uma sociedade homogênea (social e economicamente), praticamente toda branca. É mais fácil para essas pessoas ver esses usuários de drogas como irmãos e irmãs. O Brasil é como os EUA, muito diverso racialmente. Pessoas em lugares como a Cracolândia são basicamente afro-brasileiras, negras. As pessoas em sua sociedade não as veem como irmãs, como na Suíça”, afirmou ele, primeiro neurocientista negro a se tornar professor titular em Columbia.
Fotos mostram antes e depois de viciados em drogas
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