Falar de luto é algo que transcende a definição de qualquer dicionário. É sentir a perda de um amigo, de um parente ou de um conhecido. É o vácuo deixado pela ausência de planos e sonhos, pelo recomeço imposto à força, sem escolha. Por isso mesmo, o luto também é um sentimento comum a mulheres que precisam enfrentar o diagnóstico do câncer de mama.
O último relatório do INCA aponta que 57 mil novos casos serão diagnosticados em 2016. Mesmo sendo o câncer mais comum entre as mulheres, ele também é, de longe, o mais temido. De acordo com Ângela Trinconi, mastologista do Instituto do Câncer de São Paulo, os maiores temores das pacientes têm relação com a impossibilidade de tratamento e a perda da mama pela mastectomia, procedimento que fere o corpo e o psicológico.
“Particularmente aqui, no Brasil, temos 50% das pacientes diagnosticadas já num estágio avançado. Uma grande parte delas vai para a mastectomia. Elas sentem a perda da feminilidade, do lado sensual e até mesmo sexual. É diferente de uma paciente que tem câncer de colo de útero, por exemplo. Tá lá dentro, ela sabe que pode tratar sem ninguém ver, sem mudar a autoimagem”, afirma a especialista.
É impossível que uma mulher não sinta a perda, de alguma maneira, depois de ser submetida a um processo cirúrgico tão invasivo como a mastectomia. A paciente é encaminhada para este procedimento quando o tumor é grande demais e não comporta uma cirurgia conservadora, que seria a retirada de uma pequena parte da mama, já contando com a margem de segurança que evita a reincidência do câncer. Apesar de definitivo, o diagnóstico não repsenta o fim: existe vida e esperança após a retirada das mamas.
Caminhos e alternativas
O trauma causado pela retirada total da mama e o tratamento com radio ou quimioterapia pode ser atenuado de algumas maneiras. Uma delas é por meio da reconstrução mamária. Um estudo da Universidade de Toronto, publicado no jornal médico da Sociedade Norte-Americana de Cirurgiões Plásticos, revelou que a reconstrução imediata reduz o impacto traumático causado pelo diagnóstico do câncer de mama, protegendo as pacientes da sensação de angústia, diminuição do bem-estar sexual e de problemas de autoestima.
“A reconstrução imediata é muito comum e começou no Brasil, na Universidade Estadual de Campinas. Outros países tinham medo de fazer. Apesar de ter começado aqui, são poucos lugares que oferecem a reconstrução pelo SUS, o que é um problema, já que todas as mulheres que passam pela mastectomia querem esse procedimento. Fica um resultado muito bom, e o efeito para a autoestima é melhor ainda”, observa Alfredo Barros, coordenador do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
A lei que obriga o SUS a realizar cirurgias de reconstrução mamária em pacientes de mastectomia existe há quatro anos, mas está longe de ser cumprida à risca. Poucos hospitais e cirurgiões especializados têm disponibilidade para realizar o procedimento. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, 2/3 das pacientes brasileiras ainda não têm acesso à cirurgia – um total de 25 mil mulheres, aproximadamente. O tempo nas filas de espera também é desanimador, podendo chegar a dez anos. No ano passado, apenas 1100 mulheres foram atendidas pelo Sistema Único de Saúde
Em termos práticos, porém, não é preciso conviver tanto tempo com as cicatrizes dessa cirurgia. Segundo Alfredo Barros, a reconstrução pode ser feita logo após a mastectomia, na mesma anestesia. “Quando a mulher precisa retirar a mama, ela volta para o quarto como se tivesse perdido um parente, tamanha a perda. Com a reconstrução imediata, o sentimento é de normalidade”, observa. Também não é preciso enfrentar o tratamento sem a prótese; o material implantado não altera em nada a radioterapia, já que ela é capaz de atravessar diversos tecidos.
Vaidade: por dentro e por fora
Os cabelos também não estão imunes ao tratamento do câncer de mama. A quimioterapia é a grande responsável por fazê-los cair, outro temor muito frequente entre as pacientes de câncer de mama. Os especialistas garantem que, no caso da quimio, não há como evitar a perda de cabelo. “Se não está caindo, é porque não está funcionando”, observa Alfredo Barros. Para ele, a saída é conversar com pacientes e falar sobre alternativas de estética, como perucas e apliques.
Durante o todo o processo, do diagnóstico à cirurgia, é fundamental que estas mulheres sejam acolhidas e tratadas por uma equipe multidisciplinar. O tratamento médico é importante, mas o emocional também merece atenção. Julia Schmidt Maso, psicóloga do Hospital Sírio-Libanês, aponta que é preciso trabalhar a validação dos sentimentos nessa etapa, mesmo o de luto. “Nós temos que olhar para a paciente, lembrar que ela não é apenas o câncer de mama, a perda e as cicatrizes da cirurgia”, pondera a especialista. Retomar a rotina, ainda que aos poucos, e construir uma nova história sobre as cicatrizes são caminhos para uma recuperação mais feliz.