Ansiedade, angústia, tristeza e outros sentimentos que dão aquele aperto insuportável no peito são complexos até para quem é adulto. Compreendê-los e expressá-los são passos que, muitas vezes, as pessoas demoram a dar. Em alguns casos, são apenas episódios isolados e com uma causa bem específica, como frustrações e decepções. A vida tem muito delas, acredite. Quando a tristeza é recorrente e começa a afetar partes importantes da vida, como relacionamentos e trabalho, a coisa fica bem mais séria. Com bebês, crianças e adolescentes não é diferente, ainda que exista a crença de que eles “não entendem” os problemas da vida real, coisa de gente grande.
Um estudo publicado na edição de fevereiro do jornal da Academia Americana de Psiquiatria Infantil revelou que alguns padrões de conexões cerebrais em recém-nascidos podem indicar quadros precoces de ansiedade e depressão, além de sintomas como irritabilidade, introversão excessiva e ansiedade de separação. Estes são dados que iluminam um quadro de transtornos mentais infantis ainda difícil de identificar por especialistas, terapeutas e familiares.
As conexões cerebrais podem, no entanto, sofrer alterações de acordo com o meio em que aquela criança é exposta, saudável ou não. Atentar aos sintomas e buscar orientação profissional é o primeiro passo que pais e cuidadores devem tomar. De acordo com Lilian Lucas, presidente da Associação Catarinense de Psiquiatria e associada da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), sintomas de ansiedade e depressão podem ser identificados ainda na primeira infância, período que compreende os três primeiros anos de vida da criança.
“Nessa etapa, crianças que são exageradamente introspectivas, apáticas e têm muita dificuldade de separação dos pais podem apresentar um risco maior de desenvolver ansiedade ou depressão no futuro. Os sintomas também pode ser físicos, como tremores, aceleração dos batimentos cardíacos, crises de vômito e dificuldade para se alimentar. Todo esse sofrimento psíquico dos bebês e crianças ainda é subestimado, bem como sua intervenção”, explica Lílian Lucas.
Para o psiquiatra Mário Louzã, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, o diagnóstico da depressão pode ser feito com mais confiança por volta dos 4 anos de idade, quando a criança consegue expor, objetivamente, o que está sentindo. Em casos de ansiedade, é preciso observar, além da tristeza, os sintomas físicos mencionados ali em cima. “Nessa idade ela já é capaz de dizer o que está sentindo, ainda que com uma linguagem infantil. Os pais têm que estar alertas para uma criança que não gosta de brincar e carrega um semblante triste, além da perda do apetite. É sinal de que alguma coisa está errada”, reforça o especialista.
Causa e tratamento podem envolver pais
Mas como é que um bebê ou criança é capaz de sentir tanta coisa? Lílian Lucas explica que os pequenos têm uma psique muito rica e maleável, capaz de absorver os conflitos externos. Filhos expostos a situações familiares caóticas, como pais que estão em conflito e divórcio, podem, sim, desenvolver um quadro de ansiedade e depressão. Além disso, a bagagem genética tem forte relação com o surgimento de transtornos mentais. Adultos que já foram diagnosticados com alguma dessas doenças podem transmitir essa carga a seus filhos, netos e por aí vai.
“Em geral, é um pouco das duas coisas: a bagagem genética e também a questão familiar. A criança tem capacidade de percepção dos conflitos, mas ela ainda não consegue enfrentar e digerir situações adversas, como os adultos. Então, ela percebe que os pais estão em conflito, por exemplo, e tem muita dificuldade para entender as causas e consequências daquilo. É duplamente triste”, observa Mário Louzã. Se já existe a predisposição naquela criança de um quadro de ansiedade ou depressão, a intervenção médica torna-se ainda mais urgente, mesmo com a aura de preconceito e tabu que rodeia os transtornos mentais na infância.
Com crianças mais novas, a orientação é buscar a psicoterapia em família, com participação de pais e filhos. Nesse momento, o terapeuta pode observar como é a interação dos adultos com os bebês e se há algum indício de que aqueles pais também estão adoecidos. Às vezes, como explica Lílian Lucas, a mãe pode estar deprimida e incapacitada, no momento, de compreender as verdadeiras necessidades do bebê, que responde apenas com um choro inconsolável. Nesse caso, ela também precisa de ajuda. Com crianças mais velhas, porém, já é possível cogitar uma sessão individual, com brincadeiras e atividades lúdicas.
Angústia não é “coisa da cabeça”
Dar nome e sobrenome aos transtornos mentais não reforça o problema, muito pelo contrário. Quando sintomas como esses aparecem tão precocemente, as chances do quadro ser mais grave na fase adulta são ainda maiores. As perdas dessa criança, também. “Ainda existe muito preconceito em relação ao diagnóstico de doenças mentais, ainda mais em bebês e crianças. Como não são sintomas visíveis, como feridas externas, os pais e adultos tendem a achar que é tudo invenção da cabeça dos filhos, algo sem importância”, afirma Lilian Lucas.
Também é importante lembrar que irmãos, mais velhos ou mais novos do que a criança com ansiedade ou depressão, podem ser afetados pelo “meio adoecido”. A recuperação, porém, é plenamente possível, com ou sem intervenção de medicamentos próprios para o transtorno em questão. Eles só são indicados em casos realmente mais graves, quando a integridade física da criança está em risco. O mais importante, nessa altura, é afastar a ideia de que o diagnóstico é definitivo, algo que tem raiz no puro e simples preconceito.
Recaídas não são impossíveis, claro, mas existe cura para ansiedade e depressão. “Quanto mais cedo a criança receber tratamento, melhor é o prognóstico. A perspectiva é sempre melhor. Se você não trata, os sintomas se toram crônicos. Até o desenvolvimento físico da criança é comprometido, por que existe um transtorno por trás. Mas ela pode sarar”, garante Mário Louzã.