De 8 do 8 de 1988 a hoje, 8 do 8 de 2008, Zé Pinheiro e o grupo nipo-brasileiro Boto, hoje também com oito membros (perceba a força do “oitismo”!), construíram, em torno da diversidade da música brasileira, uma trajetória temperada pela perspectiva japonesa.

Autor dos belos álbuns Tesouro Encantado, de 1992, e Sabedoria Popular, de 2008 (ambos lançados pelo selo Harmonia Space), Zé tem colaborado, ao longo das últimas décadas, com a difusão da boa música popular brasileira em terras nipônicas, contando constantemente com parcerias com amigos músicos como Maurício Carrilho, Paulo César Pinheiro e Guinga.

Hoje, no Praça 11, em Tóquio, ele comemorou as duas ricas décadas do Boto. Sobre essa e outras, Zé falou ao Virgula.

Como você resumiria a trajetória do Boto?
Em 1997, em Tóquio, encontrei o violonista Sasago Shigeharu (do futuro Choro Club) dando uma canja num show do grupo Choro Carioca, que acompanhava Nara Leão numa turnê. Aí começou uma amizade com o Sasago. Ele acabara de retornar do Rio, onde morava com os violonistas Maurício Carrilho e João de Aquino, e vinha cheio de idéias. Eu sugeri ao Sasago que formássemos um grupo e ele me apresentou ao Oh Akioka (viola, cavaquinho e bandolim), que já havia morado em Juiz de Fora e fala fluentemente a língua portuguesa. Na mesma época, conheci o percussionista e cantor No-rio e o flautista Shen Ribeiro, de São Paulo, que estava no Japão estudando shakuhachi. Nós cinco formamos o grupo Zé Pinheiro & Boto.

A minha primeira providência foi escolher um repertório que valorizasse a música e os temas bem brasileiros. Além do samba, choro e da bossa nova, fomos o primeiro grupo a mostrar a mega-diversidade das músicas do norte e do nordeste (boi-bumbá, xote, maracatu, baião, coco, embolada, caboclinhos, frevo, ciranda etc.). Nasci em Belém e cresci entre Pernambuco e Ceará. Desde menino, ouvia muita música e me senti atraído pelo canto seco e metálico dos repentistas e pelo canto sincopado de Jackson do Pandeiro, Luis Gonzaga, Jacinto Silva e Ary Lobo, dentre outros mestres da cantoria.

Como será feita a comemoração dessas duas décadas de trabalho?
O Boto debutou no dia 8 de agosto de 1988 no Inochi no Matsuri (Festival da Vida) da região de Yatsugatake (uma cadeia de 8 montanhas que fica no norte do Japão). Era uma espécie de Woodstock japonês, com a participação de grupos do mundo inteiro. Atualmente o grupo tem oito membros e comemoramos os 20 anos hoje, dia 08/08/2008, no Praça 11 de Tóquio, uma espécie de casa dos músicos brasileiros. O número 8 por aqui significa o máximo de expansão, simboliza a prosperidade na vida. É o que todos nós desejamos, né?

Como você vê a recepção dos japoneses para duas características importantes da sua música, que são a influência nordestina e a amazônica?
Na minha opinião, os ritmos nordestinos têm uma força que vem da terra, uma força que mexe com a base. O canto expressa o sentimento rico e profundo do povo. Essa energia, essa forca de expansão que a música tem, é um fenômeno que contagia qualquer um que está vivo. No Boto, nós juntamos o canto (todos cantam) com uma boa base de cordas (violão, viola, cavaquinho e violino), um clarinete e instrumentos de percussão. Os nossos shows têm um clima descontraído, onde até o mais cerimonioso japonês acaba balançando o corpo sem querer.

Até que ponto o número de músicos brasileiros que fazem shows no Japão parece ter crescido pra você nas últimas décadas? Se há de fato um crescimento, a que ele pode ser atribuído?
Minha primeira estadia no Japão foi em 1978, quando eu morava em Tóquio como estudante. Elizeth Cardoso fez um show de muito sucesso em Tóquio, em 1977, e veio de novo em 1978. Acho que a partir daí a música brasileira de verdade começou a entrar no Japão. Na época, o samba e a bossa nova entraram primeiro através do mercado americano, os discos eram raros e eram pouco tocados nas rádios. Lembro-me de uma visita que fiz a uma loja que importava diretamente do Brasil e lá tinha toda a coleção do Marcus Pereira. Acho que já era um prenúncio do movimento “World Music” que aconteceu depois. De lá pra cá o público japonês tem demonstrado um grande interesse pelo conjunto da música popular brasileira. A presença de músicos brasileiros fazendo shows por aqui se tornou uma constante. Atribuo o crescimento à grandeza da música brasileira em todos os sentidos, riqueza e diversidade de ritmos, melodias criativas e harmonias bonitas e bem elaboradas, sem falar nas letras, que aqui geralmente são bem traduzidas. As letras quase sempre refletem de alguma forma a realidade vivida no dia-a-dia do nosso povo, seu gosto e visão do mundo, assim parecem sempre atuais. Eu particularmente gosto das letras que têm algo a dizer, que tem humor e mostram a alegria de viver do brasileiro. Acho que os japoneses valorizam essas letras também. Apesar das diferenças culturais, noto que há uma certa atração por este aspecto, que é muito raro na música popular daqui.

De que maneira você acha que influências da música japonesa se manifestam nas suas músicas, se é que elas existem?
O meu conhecimento de música japonesa é muito limitado, mas gosto de algumas festas daqui. Ao contrário do que muita gente pensa, os japoneses não são só trabalhadores. Eles também são bem festeiros. Por exemplo: durante o verão (julho e agosto), são celebrados muitos festivais (matsuri) em todo o Japão, com muita música e dança. Eu já brinquei em muitos deles e gostei principalmente dos festivais do nordeste do Japão, das cidades de Aomori (Nebuta matsuri), Yamagata (Hanagasa ondo matsuri) e Akita (Kanto matsuri). Akita tem ritmos que lembram o xote e o coco. Eu já fiz emboladas com amigos músicos locais misturando os dois nordestes e ficou curioso. Agora, uma curiosidade extra musical: diferente do sertão do nordeste do Brasil, Akita é a região onde menos bate sol no Japão. As mulheres de lá são famosas por terem a pele muito branca e delicada e serem consideradas as mais belas do Japão. É verdade! São chamadas de Akita-bijin.

Há músicos brasileiros no Japão que acabam não aparecendo muito mesmo no próprio Brasil, mas que têm destaque por aí?
Bom, se levarmos em consideração músicos que são conscientes e influentes, a Joyce é um bom exemplo. Além de ser muito inteligente, competente e estar sempre bem acompanhada, tem um trabalho contínuo e é muito respeitada por aqui. A Lisa Ono também é muito conhecida. É referência quando se fala em bossa nova e há muitos anos faz um trabalho importante de divulgação da música brasileira.

Ouça Zé Pinheiro e Boto em Boi Bumbá

Confira o convite para a comemoração de 20 anos de Zé Pinheiro e Boto


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Zé Pinheiro comemora 20 anos do grupo Boto em Tóquio