Lucas Silveira com o projeto Beeshop
Créditos: divulgacao
Lucas Silveira, vocalista e guitarrista da Fresno, é um workaholic; não completamente satisfeito com sua rotina de shows com sua banda principal, o músico divide seu tempo com outros projetos. Tanto é que mal saiu de um show com a Fresno no Rio de Janeiro, Lucas rumou no dia seguinte para os Estados Unidos tocar o início de uma carreira internacional com seu projeto solo com músicas em inglês, o Beeshop.
LEIA MAIS: NX Zero fala sobre dez anos de carreira e o que acha da onda Happy Rock
Apadrinhado pelo grupo Fresno, Pepsi Música 2011 aposta em bandas jovens
O músico marcou três datas – dia 25 em Nova York, 26 em Filadélfia e 27 em Oneonta – com a banda Anberlin, fazendo uma participação no show do grupo e atuando como atração de abertura nos outros dias. Como os concertos foram agendados sem planejamento prévio e devido ao alto custo das passagens, Lucas apresentará o repertório de The Rise And Fall of Beeshop (lançado em 2010) sozinho, acompanhado somente por violão e piano.
O Beeshop surgiu em meados de 2007, somente como uma forma de expressar canções que não cabiam na Fresno. Gravando as músicas de forma caseira e divulgando pelo MySpace, a coisa foi ficando séria: em 2007, veio o clipe de Mr. Confusion e, no ano passado, foi lançado pela Universal Music o primeiro álbum. Com o desenvolvimento do projeto, Lucas montou uma banda com 13 músicos, batizada The Little Dog Feet Orchestra, para um show especial no final de agosto em São Paulo. A apresentação foi gravada para um DVD, que deve ser lançado até o final do ano.
Mas o Beeshop não é a única ‘escapadela’ de Lucas em relação ao Fresno: este ano, o músico anunciou o projeto eletrônico SIRsir e também o ainda obscuro Visconde, que deve ganhar mais espaço na atribulada agenda a partir de 2012. Em entrevista ao Virgula Música, Lucas contou mais sobre seus trabalhos paralelos, os shows solo nos Estados Unidos, como é ser uma banda independente no mainstream, o preconceito enfrentado pela onda emo – e que agora é dirigido ao Happy Rock do Restart – e mais. Acompanhe abaixo.
Virgula Música – Como surgiu a oportunidade de fazer estes shows nos Estados Unidos? Por que com o Beeshop e não o Fresno?
Fiquei amigo dos caras do Anberlin depois que eles tocaram aqui no Brasil. Um mês atrás fui para os Estados Unidos e voltamos a entrar em contato, surgiu a oportunidade de vê-los tocando em Nova York e me convidaram pra participar do show. Daí, conversando com eles, já transformei essa pequena participação em alguns shows de abertura da turnê deles. E isso rolou com o Beeshop porque tem mais a ver com o som deles, são músicas em inglês e vou fazer como rolava no começo do projeto: só violão e piano. O pessoal do Multishow vai registrar isso também, vão me acompanhar nessa odisséia para filmar um reality show.
Virgula Música – Então desta vez você vai realmente como artista solo, com a cara e a coragem e sem banda de apoio?
Isso, vou tocar sozinho porque foi combinado um pouco em cima da hora e não rolava de tentar mudar o esquema de shows dos caras por minha causa. Além disso, levar uma banda completa teria um custo muito alto com o qual ainda não posso arcar. Mas encaro como um começo, estou levando meu disco pra lá e algumas coisas do DVD que já estão prontas. É uma oportunidade de expandir um pouco o Beeshop fora do País por uma iniciativa minha. E isso pode se estender não só ao Beeshop, mas também para as outras coisas que eu faço, como o SIRsir.
Virgula Música – Sobre o SIRsir, você já gravou um EP e discotecou em alguns lugares, mas qual a sua intenção com ele? Pensa em levar uma carreira séria ou é só diversão?
O SIRsir é um projeto de música eletrônica pelo qual fiz um EP promocional que estou distribuindo nos lugares que eu toco e fiz um clipe que estreou recentemente. Não costumo brincar muito sobre isso, sempre que estou fazendo um projeto, eu divulgo para levá-lo bem a sério, fazer a coisa acontecer. Mas por enquanto é independente, não tem coisa a ver com gravadora. Tenho outro EP que estou fazendo e devo lançar alguma música pela internet logo mais. Mas agora penso em lançar por um selo gringo, o BugEyed Records.
Virgula Música – Além do Beeshop e do SIRsir, você tem um outro projeto, o Visconde. Até hoje, você lançou algumas músicas no Soundcloud e não está fazendo muito alarde sobre ele. Quais os planos para o Visconde? Você pensa em fazer shows e lançar disco por ele também?
O Visconde é o projeto mais recente, foram músicas que eu lancei este ano. Comecei com umas duas e quando percebi estava rolando um conceito em torno disso. Era um monte de músicas que tinham temáticas parecidas e eu estava vivendo um momento que inspirava esse tipo de som. Em um mês eu gravei tudo em casa, lancei na internet e acabou rolando uma identificação muito grande com o público da Fresno, do Beeshop, e acabei quase que forçado pelo público a fazer isso virar alguma coisa. Mas por enquanto eu estou mais focado no Beeshop. O Visconde está mais ‘na manha’ porque tenho muita coisa para fazer… Não parei pra fazer um trabalho a fundo, com clipe e shows porque senão minha cabeça não aguenta! Mas o disco já está masterizado e devo lançar no próximo ano, depois fazer shows. Mas isso tudo só em 2012, porque não tenho como me dedicar de verdade a isso agora.
Virgula Música – E agora com três projetos paralelos, como fica a Fresno nessa história?
Os projetos paralelos são coisas pra dar refresco na minha maratona de shows da Fresno e na minha história com a banda. Então, prefiro tocar com outras pessoas e explorar outras coisas de vez em quando. Não descarto a possibilidade de chamar alguém da Fresno para participar destes projetos. Mas se eu chamar alguém, acho que vai parecer que estamos debandando da Fresno, e não é isso. A Fresno sempre será a prioridade.
Virgula Música – Mas como que você escolhe o material que vai para a Fresno, Beeshop e Visconde? Não seria mais fácil incluir tudo isso em uma única banda?
Eu não consigo dosar tudo que eu sei e gosto em uma banda só. Fresno é uma coisa que eu comecei aos 15 anos que já sofreu muitas mutações. É uma banda na qual as quatro pessoas tem o seus votos, então é diferente. Apesar de eu ser o vocalista ou como chamam, o líder da banda, é um coletivo. Por ser uma banda que tem mais tempo e muito mais público, ela acaba meio que ‘andando sozinha’, porque hoje temos uma estrutura muito grande para fechar shows, programas de TV. E eu uso o meu tempo livre para fazer as outras coisas. Como o CD da Fresno saiu ano passado e estamos naquela entressafra, eu tenho tempo livre para me dedicar a outros projetos e continuar com os shows da Fresno. Todo final de semana tem show, a agenda nunca para. Por isso que esses outros shows que eu faço pelo Beeshop ou discotecagem pelo SIRsir são no meio da semana. São os dias que sobram pra mim, porque a Fresno tem sempre a preferência na agenda e é o que faz o dinheiro para a coisa toda acontecer. É o meu trabalho principal, é o que eu faço.
Virgula Música – Com essa agenda complicada, como é o seu cotidiano?
Eu procuro acordar depois de meio-dia, porque eu durmo muito tarde. Sempre vou deitar às 4 ou 5 horas da manhã. Então geralmente acordo na hora do almoço, e agora que estou em uma fase frenética, saio da cama, tenho reunião para acertar algo da Fresno, ensaio à tarde, de noite tem uma balada durante a semana ou eu fico em casa no computador. E tô sempre no iPhone, twittando, no Facebook, monitorando tudo que diz respeito a todas as coisas que eu faço. Fico nessa função e é sempre difícil desligar de tudo. Esse ano eu consegui a façanha de ficar uma semana sem entrar na internet, perto do ano-novo, e isso é muito bom. Mas querendo ou não, a gente acaba sentindo falta e começa a querer saber o que está acontecendo. Eu aproveito essa fase da minha vida na qual eu realmente tenho o que fazer e que tô com vontade de procurar novas coisas para fazer. Talvez um dia eu fique de saco cheio e queira só curtir tudo que eu fiz nesses anos em que eu tava doido (risos).
Virgula Música – E o DVD pela Fresno, quando sai?
O DVD da Fresno que pretendemos gravar ainda este ano é um negócio que ainda não decidimos o lançamento de verdade, se vai ser por uma gravadora ou se vai ser independente. Eu acho que deve ser uma coisa independente, porque não estamos em uma gravadora e já temos uma popularidade, não tem porque precisar de um trabalho de marketing de uma gravadora, já temos o nosso. Provavelmente esse é o futuro das bandas. Atualmente as gravadoras são distribuidoras e não estão mais investindo em artistas simplesmente por não ter muito dinheiro para isso. Elas estão se livrando de todo mundo. A maioria dos artistas que são das gravadoras tem um contrato de distribuição, porque os caras não vão investir um milhão para lançar alguém; eles vão lançar um artista sertanejo que já tem um milhão na conta e eles só repassam para as lojas. Essa é a atual dinâmica do mercado e dos selos menores.
Virgula Música – E como foi para a Fresno, que veio do meio independente, estourar na grande mídia?
Nós já tinhamos um estouro underground muito grande, quando ele se convergiu com a internet. Assinamos com uma gravadora, mas já éramos uma banda que conseguia colocar 2 mil pessoas em uma casa de shows em Porto Alegre, em São Paulo, em Recife. Então já tínhamos uma popularidade grande. Mas a gravadora acaba por esticar isso e colocar tua música até para o cara que não quer te conhecer. O que é bom e ruim, porque por exemplo, se você tá bombado na internet ou na MTV em tal programa segmentado, tudo bem. Mas a partir que você aparece em uma matéria no Fantástico, você é exposto para quem gosta ou não, para quem tá afim de ouvir ou não, pra gente de 8 ou 80 anos. Isso é uma coisa que só as gravadoras tem: os contatos, a estrutura e a ‘máfia’ de te colocar nesse momento. Do tipo que qualquer um te vê na rua e sabe quem é, esse estouro. E isso aconteceu conosco há uns quatro anos, somente.
Virgula Música – E agora que vocês voltaram a ser independentes, como vocês enxergam o esquema das gravadoras?
O trabalho da gravadora acabou ficando sem propósito. Ainda faria sentido se comprassem discos, porque é disso que as gravadoras vivem. Hoje em dia muitas são empresas de eventos para que possam dar uma mordida no cachê das bandas, porque com o CD não dá mais. É só pensar que nenhum CD da Fresno vendeu mais que 60 mil cópias, e qualquer banda que estourava mais ou menos nos anos 90 vendia 300 mil, uma banda que estourava de verdade vendia 1 milhão, dois milhões. Hoje em dia quem faz isso é só o Padre Fábio de Mello.
Virgula Música – A mídia explorou muito o lance do estouro do emo no mainstream e colocou bandas como o Fresno e o NX Zero o tempo todo no ar. Agora isso passou por conta do Happy Rock. O que você acha disso?
Eu acho bom, porque param de encher o nosso saco (risos). Acho que sempre vai acontecer esse conflito de gerações. Eu já fui em um estúdio de tatuagem e o cara tava ouvindo hardcore melódico dizendo “nossa, isso que era som”, sendo que quando eu ouvia isso era muito zoado porque não ouvia punk rock ou hardcore de Nova York, que eram os estilos de ‘pessoas legais’. Essa coisa muda. Hoje em dia tem muito fã de Fresno que faz o bullying em cima do fã do Restart, mas isso é só um reprocessamento do bullying que ele sofreu da galera que era fã do Charlie Brown Jr., por exemplo. A galera vai repassando esse comportamento babaca. Na época dos emos, tinha os eminhos de fotolog, que foram os caras que queimaram o filme do lance emo, que era a galera que não sabia nada da música, mas pintava o olho, o cabelo, e fazia coisas ridículas dizendo “ah, porque eu sou emo”. Quando eu falava que a Fresno era uma banda que fazia um som emo, eu usava bermuda de surf! Nem pensava na roupa que usaria ou no cabelo que teria. Eu pirava em umas bandas que nem de longe lembravam Simple Plan ou aquelas outras coisas que eram as responsáveis pela ‘queimação de filme’ do emo no Brasil, principalmente.
Virgula Música – Hoje em dia você pode dizer que a Fresno é emo?
Hoje em dia não digo porque nem é mais, assimilamos outros sons, mas era uma coisa que eu me identificava muito na época. Eu gostava das bandas que eram emo e às vezes uma pessoa desinformada qualquer podia me rotular assim. Mas eu, que pesquisei, li e vi, sei quais bandas são, tem a ver, tem uma parcela nessa história e que foram chamadas de emo lá atrás, quando não era uma coisa chocante, pejorativa e horrível. Era só uma subdivisão do rock.
Virgula Música – Sim, porque o emo mesmo começou com bandas como o Sunny Day Real Estate, Sense Field…
Pois é, era isso aí que eu ouvia bastante. Mas depois do estouro, o pessoal citava o Simple Plan, que não tinha nada a ver com isso. Eu até ouvia muito Sunny Day, já curti muito e até hoje me pego ouvindo. E dizem que tem as três ondas do emo, que teve essas bandas iniciais e a segunda que é o Jimmy Eat World e Get Up Kids, que já é algo que tem muito mais a ver com o Fresno, na minha opinião. Depois disso começou a vir essa coisa do visual extremo, oco e que qualquer cara que não tem ‘cabelo de soldado’ é taxado como moderno, emo. Dizem que o nosso País é livre, mas é intolerante e preconceituoso para caramba. Qualquer coisa que é um pouco diferente já é um absurdo. Ninguém tem liberdade pra porra nenhuma sem ser julgado aqui. E olha que isso que eu tô falando é só sobre cabelo, roupa, nem do cara ser gay ou não, porque aí sim vai estar ferrado aqui no Brasil. Temos muito essa coisa do ‘nossa, esse cara é diferente, que horror’… Muitas vezes demos entrevistas e vinham perguntar ‘e então, o que vocês querem dizer com essas roupas?’, e a gente respondia ‘eu quero dizer que eu tô vestido, não quer dizer nada’. Fico imaginando o que aconteceria se uma pessoa tipo a Lady Gaga surgisse no Brasil. Ela ficaria fazendo show lá no Glória [casa noturna GLS de São Paulo] até hoje porque a intolerância é muito absurda. Aqui ainda é muito conservador e preconceituoso. Achamos que não, mas é.
Virgula Música – Como você enxerga esse pessoal que se intitula ‘Happy Rock’?
Ah, querendo ou não, a maioria é ‘filho’ da gente, não tem como negar. Não posso julgá-los, me abstenho de falar, porque eu apoio bandas que saibam tocar, e eles sabem. Não é ‘culpa’ deles o sucesso; se uma banda horrível está fazendo sucesso, a culpa é das pessoas que ouvem. Se tem o povo que reclama do que está tocando no rádio, só tá tocando porque as pessoas estão pedindo. Realmente pedem mais Akon do que Charlie Brown, Pitty. Toda banda, por pior que seja, é uma expressão da pessoa e do público. E a maioria dessas do estilo colorido eram meninos que iam em shows nossos e nos conhecem, são fãs, se antenaram em bandas dos Estados Unidos que eram desses grupos do hardcore e do rock alternativo e que começaram a fazer uma coisa meio engraçada, meio feliz e festiva e misturaram com música eletrônica. Mas muita banda acabou se viciando nessa coisa do ‘nosso som é feliz’, e isso acabou se transformando isso em uma caricatura, fazendo letras quase como axé.