The Cure em São Paulo
Se os meninos não choram, os quarentões não perderam a oportunidade de deixar uma lágrima cair durante o show do Cure neste sábado (6), em São Paulo. Cumprindo o prometido de um show de mais de três horas e ainda adicionando mais 20 minutos, Robert Smith conduziu a Arena Anhembi com músicas que pareciam tocar fundo nos fãs curemaníacos.
A cada introdução, alguém de braços abertos, expressão incrédula, transparecia que aquela era “sua música”. Mas a banda não estava disposta a amolecer para os não-iniciados e alternaram hits e lados Bs. Com versões quase sempre próximas das originais, elas ainda assim não fariam mais sentido nos anos 80 ou 90.
Com a voz de Robert intacta, as linhas de baixo bem construídas de Simon Gallup e bateria pulsando como máquina, a cama estava posta para sintetizadores e guitarras ditarem o clima. Um tipo de música que faz você pensar, por que eu estou tão triste? Uma experiência que mexe com memórias e sentimentos que pareciam desintegrados, mas se revelam vivíssimos.
Diante de 30 mil pessoas, o Cure mostrou que soa atual a ponto de imaginarmos que seus integrantes devem rir muito quando alguma revista de moda diz que o gótico voltou a ser tendência ou deixou de ser. O mesmo quando surge uma bandinha pintada como salvação do rock por 15 dias.
E tome Lovesong, In Between Days, Just Like Heaven, Pictures of You, Fascination Street, A Forest. Aquele cara que ensinou inglês para tantos de nós, que inspirou acordes de guitarras e violões desafinados, que a gente tentou fazer o cabelo igual sem o menor sucesso, está ali como um Dorian Gray, personagem de Oscar Wilde, às avessas. Ele envelheceu, mas sua obra fez tanto sentido ontem quanto fará amanhã.
Ele nos ensinou que o mundo é um lugar difícil, que o amor é duro, mas ele sempre pode ser uma redenção, pode rimar com humor, pode ter leveza, mesmo nos abismos. Como sua camisa preta, mas brilhante, como seus colares e pulseiras de plástico vagabundos.
Robert é um palhaço triste, mas ele fala por nós. Quando ela faz uma dancinha desajeitada, não há como deixar de admirá-lo pela sua humanidade, pela sua coragem de ser diferente. O Cure toca em e por nós. Por que há injustiça – em uma de suas guitarras está escrito “Citzens not subjects” (cidadãos, não súditos), em seu violão elétrico há escudos de seleções da Nigéria e da Colômbia. Robert ama as minorias, Robert nos representa.
Sob o céu avermelhado da cidade pós-industrial, as nuvens se abriram e desde o começo do show, três estrelas podiam ser vistas, uma delas exatamente onde estava o vocalista. Com o avançar das horas, elas sumiram. Ainda assim, estavam ali. Com o Cure é a mesma coisa. Para encontrá-lo é preciso ir para dentro, uma jornada que pode ser mais longa que uma viagem interplanetária.
Perto do fim do show, já no terceiro bis, Robert não quer ninguém indo embora frustrado. E a banda enfileira The Lovecats, The Caterpillar, Close do Me, Hot Hot Hot!!!, Let´s Go to Bed, Why Can´t I Be You, Boys Don´t Cry, 10:15 Saturday Night, Killing An Arab. “Eu vejo vocês logo”, ele diz no final. Nós tomamos como uma promessa, esperar mais 17 anos não parece justo. Este mundo tão errado pode não ter cura. Mas nós temos.
Veja o The Cure tocando The Lovecats em São Paulo