O que é mais pesado, techno ou sertanejo? Tudo é uma questão de ponto de vista. Para Anderson Noise, um dos pioneiros do techno no Brasil, o “tech-house universitário sertanejo, essa house-sertaneja, é mais barulhento”. “O pessoal fala que techno é pesado. E você vai ver a house é mais pesada ainda, que é esse eletrão que a galera toca aí hoje”, aponta.
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Noise argumenta também, na entrevista ao Virgula Música, por telefone, de Belo Horizonte, que a eletrônica não é mais um gênero novo e underground. “Já está mainstream há muito tempo, a gente vê isso. Eu acho que essa coisa de tech-house universitário é o que mais está acontecendo hoje. A gente vê muitas pessoas que sempre gostaram de sertanejo ou de pagode, música baiana, funk e hoje viraram DJs e hoje falam que é o que está acontecendo de mais novo”, critica o artista, que está lançando a coletânea 15 Years of Noise Music.
O lançamento, ouça e compre (aqui) marca o aniversário do selo e reúne 34 nomes quentes da cena. Não espere saudosismo de Noise, que avisa que flashback não é sua praia e refuta qualquer regionalismo. “A única coisa que eu sinto assim por ser mineiro é meu jeito de comer, de falar. De tocar, de produzir não tem nada a ver com ser mineiro ou não, acho que eu nunca olhei dessa forma. É bem diferente a coisa”, diz o DJ, que volta ao tema também em outros pontos da entrevista.
“Olha, eu não fico muito preocupado com as raízes. Eu vejo no meu trabalho o seguinte. Eu continuo sendo um amante do techno, então, eu não tenho como correr dele. Mas, o que eu tento é sempre buscar coisas novas dentro do que eu amo tocar e fazer”, afirma. Leia a conversa na íntegra:
Na Rio Music Conference deste ano, todo mundo chegou ao consenso de que a música eletrônica nunca foi tão grande no Brasil, você acha que a qualidade da produção musical também acompanhou esse crescimento?
Olha, eu acho que a produção musical está crescendo muito a cada ano. A gente vê nomes despontando em listas de bons produtores, a gente vê DJs e produtores brasileiros aparecendo em bons labels (selos) também.
Então, isso é reflexo da gente estar crescendo nisso também. O Brasil vem de uma tradição de ter bons DJs, apesar de estes bons DJs não terem um marketing gigante para despontar tão bem, quanto os outros nomes grandes lá fora.
Eu acho que a gente ainda está um pouco distante da realidade lá fora porque no Brasil a gente precisa ter bons managements (gerenciamento de carreiras) para conduzir as carreiras de DJs de produtor.
A gente tem um número muito grande de agências hoje e isso reflete no desespero para ter esse tanto de festa que a gente tem. Então, não tem esse cuidado tão dedicado para as coisas que geralmente o management cuida, que é dirigir algum álbum, fazer uma boa divulgação do artista na mídia, em rádio, TV. É uma coisa ainda muito precária no Brasil.
Há uns dez anos, no auge da febre da eletrônica brasileira, eu lembro de uma matéria sua com o DJ Marky, em Londres, que mostrava que vocês eram amigos, mesmo sendo ele do drum´n´bass e você do techno. Hoje em dia a coisa é mais segmentada ou o pessoal continua sendo unido?
Hoje em dia acho que é mais unido ainda que antes. Justamente porque hoje tem muito mais gente também. Eu acho que essa coisa de união ela é maior, apesar de hoje a gente ver mais núcleos ainda e são bem explícitos esses núcleos. Mas eu tenho muito amizade com esses DJs, o Marky, graças a Deus, tenho vários amigos no meio.
E, dentro do techno, você mudou seu estilo? Porque o DJ sempre tem a chance de mudar de estilo completamente, bem mais rápido que um músico de outro gênero. Depois de ondas como minimal techno e tech-house, você se mantém fiel às suas raízes?
Olha, eu não fico muito preocupado com as raízes. Eu vejo no meu trabalho o seguinte. Eu continuo sendo um amante do techno, então, eu não tenho como correr dele. Mas, o que eu tento é sempre buscar coisas novas dentro do que eu amo tocar e fazer.
Eu não gosto de ficar preso a coisas antigas. Não me faz bem. Muita gente chega pra mim e fala, vamos fazer um set de flashback? Eu digo, olha, não é minha praia. Eu acho que o techno evoluiu bastante, cada um dá um nome, seja minimal, minimal tech, tech-house… Eu continuei fazendo, olhando para o techno.
Apesar de que teve uma caída grande e, nessa caída grande, aqui no Brasil, eu continuei fiel a ele. E até hoje, que agora está bem grande, eu estou aí firme com ele. Acredito que não é uma questão de mudar de estilo, mudar de estilo eu não mudei, mas eu fui buscando o que estava mais legal do techno, dentro do que estava acontecendo. As coisas que para mim eu acho legal.
Por exemplo, muita gente dizia que techno era o que eu tocava há dez, 15 anos. Mas aí eu falo, aquilo também é techno, mas o que eu estou tocando agora também, é techno, mas é o novo techno.
Você vê algum cara que esteja seguindo a sua trilha e que tenha despontado como um herdeiro seu em algum lugar do Brasil?
Nossa, eu geralmente não gosto de falar. É muito difícil lidar com esse tipo de pergunta porque sempre os DJs estão lendo e rola uma ciumeira. Eu realmente não sei. Pode ter, não pode ter. Geralmente o máximo que eu falo são artistas que eu estou lançando.
Sempre rola uma falação, DJ não gosta do que você fala. Acho muito difícil lidar com essa coisa de ficar explicando qual é o novo nome, quem é o herdeiro porque sempre os DJs vão falar, ah, você esqueceu de mim, esse aqui é não sei o que, esse aqui era melhor. É uma pergunta que, para mim, ela é difícil.
Você foi um dos pioneiros no Brasil em fazer programa de rádio e TV. Foi uma percepção que isso iria ser num diferencial?
Muito antes de fazer TV, eu já fazia a Rádio Noise e, diferente da TV, ela nunca parou. Hoje a Rádio Noise está em 25 rádios de 14 países diferentes. São mais de 600 semanas, enquanto a TV Noise a gente tem cento e poucas semanas. É muito mais difícil você fazer programa em vídeo, a captação e tudo mais. Enquanto que a rádio para mim é muito mais fácil de agilizar, parece que está no sangue.
Para mim a história não está em fazer primeiro, muita gente fala que eu sou pioneiro… legal, sou, mas a coisa que eu acho mais importância é ter a sequência, você continuar 600 semanas fazendo a mesma coisa, tem que ter um gás.
Isso te ajuda a se manter em evidência, mesmo estando fora de São Paulo? Dá pra ser um top DJ morando em Belo Horizonte?
São Paulo é como se fosse a minha segunda casa. Eu morei 11 anos aí, agora eu voltei pra BH. Mas não deixo de tocar em São Paulo, todo mês eu tenho residência no D-Edge, eu tenho um monte de amigo na cidade. Sempre tive muito respeito e afinidade com tudo que acontece em São Paulo.
Acho que a questão de ser um top DJ fora de São Paulo, é mais difícil? É. Mas na época quando eu comecei a tocar em São Paulo mesmo, 94, por aí, era uma coisa meio impossível pensar que alguém em Belo Horizonte poderia começar a fazer um monte de coisa aí, tocar tanto e tal.
Hoje, por tudo que a gente tem, as coisas como estão, eu acho que é até fácil. Mas eu acho que é bom estar em São Paulo, para mim, eu acho bom e é uma cidade que eu não consigo ficar longe. Não só para estar perto da mídia, mas principalmente, para estar perto dos clubes que eu gosto, perto das festas e festivais legais, tudo que faz a coisa toda andar pra frente. De produtores legais de música e de eventos, você vê que é e sempre será o maior centro aqui da América Latina, por todo esse volume de coisas que acontecem aí.
Assim, fácil não é, mas também não é impossível você estar fora de São Paulo e conseguir fazer sucesso. Acho que tem que ter muita vontade para as coisas acontecerem.
O seu selo está fazendo 15 anos e você vai lançar uma coletânea, qual é o critério que você usou, mostrar a história do selo ou o que vem pela frente?
Eu nunca me preocupo com a história, mas com o que está acontecendo. E pelo time que está formado, eu acho que gente consegue entender que são os grandes produtores que estão no Brasil agora. A gente tem poucos produtores de fora, um italiano e dois japoneses.
Então, assim, acredito que é um time de produtores que estão despontando legal no Brasil e essa coletânea vem para mostrar isso. Muitas coisas que eu fiz antes misturava gringos e nacionais, acho que essa ficou muito focada nos grandes produtores que a gente tem no Brasil agora.
Falta nome, falta? Mas eu acho que é muito nome bacana em uma coletânea só, eu não estou vendo uma coletânea no momento com tanta gente legal.
E a cena em BH está forte? Qual é o diferencial dela em relação a outros lugares do Brasil?
É tão difícil explicar o diferencial assim. Mas eu acho que a cena de Belo Horizonte, quando se fala de rock, ela é uma cena muito grande, quando se fala de música eletrônica, é uma cena interessante. A gente tem muitos DJs, muita coisa acontecendo hoje e uma cena muito sólida com a coisa que o Deputamadre trouxe, como clube.
Ele já está aí há 11 anos, fazendo uma coisa bem legal, trazendo DJs que eles acreditam. É um suporte gigante para cena, o Deputa está investindo há muito tempo e não acho que é a maior, mas também não acho que é a menor, mas acho que a cena de Belo Horizonte está voltando a ser mais underground, ela estava muito, muito comercial. E acho que nesse último ano teve uma melhora bem significativa, bem interessante.
Tem alguma coisa no seu som, que pelo fato de ser mineiro acaba saindo de um jeito diferente. Ou para você é uma coisa universal, global?
A única coisa que eu sinto assim por ser mineiro é meu jeito de comer, de falar. De tocar, de produzir não tem nada a ver com ser mineiro ou não, acho que eu nunca olhei dessa forma. É bem diferente a coisa.
Em que momento você teve certeza que seria DJ a vida inteira, que você teve uma iluminação?
Na real, eu comecei a tocar e não imaginava que eu ia ficar por muito tempo. Então, eu nunca parei pra falar assim, teve uma época que deu um flash. Acho que o flash que eu tive foi que desde os 17 anos eu já comprava vinil, já curtia e eu parei de trabalhar com outras coisas, que eu trabalhei com 18 a 24 anos em loja e aí eu decidi que ficaria só pra tocar. E quando eu comecei a ser só DJ não foi fácil e imagina o que era você se manter com uma carreira só como DJ em 1994. Era uma coisa quase que impossível. Acho que desde criança eu curtia música, mas eu nunca parei para imaginar em qual época eu estava tomando essa decisão.
Você já deve ter ouvido alguma vez o termo tech-house universitário, você acha que é perigoso a eletrônica deixar o underground e se tornar uma coisa muito massificada, existe um certo limite ou você acha que é um processo natural, que vai se tornar mainstream mesmo?
Já está mainstream há muito tempo, a gente vê isso. Eu acho que essa coisa de tech-house universitário é o que mais está acontecendo hoje. A gente vê muitas pessoas que sempre gostaram de sertanejo ou de pagode, música baiana, funk e hoje viraram DJs e hoje falam que é o que está acontecendo de mais novo.
A gente sabe também que música eletrônica não é novo. Eu, pelo menos, acho uma coisa, que cada um tem direito de tocar e de fazer o que quiser. Eu, pelo menos, não tenho coragem de tocar coisas comerciais.
Outro dia me perguntaram, e se o techno virar uma coisa do povão. Eu falei assim, então esse techno deve ser um techno que eu não vou gostar. Eu sempre gostei de coisas que não são comerciais, então, às vezes, eu fico não tão underground, pra pagar minhas contas, mas isso não quer dizer que eu vá entregar os pontos.
Acho que isso é uma regra natural de toda moda, de todo estilo, de todo gênero, de todo estilo acontecendo. Talvez fique até maior esse tech-house universitário sertanejo, essa house sertaneja que está rolando aí. Na realidade essa house que toca hoje ele é mais barulhenta que o techno e o pessoal fala que techno é pesado. E você vai ver o house é mais pesado ainda, que é esse eletrão que a galera toca aí hoje.
Pra gente encerrar, que dica você daria para um iniciante?
Ah, a maior dica é amar o que faz. Porque não adianta falar que entende porque se não gostar, as pessoas olham pro DJ, batem o olho nele e veem que ele curte o que faz. Isso que é o mais legal, sacou?
Talvez eu tenha dado tão bem com as minhas coisas porque eu amo o que eu faço e eu tenho sede de fazer a música que eu curto andar pra frente. Então, o cara tem que ter tesão, se não tiver tesão, já era.
Veja a tracklist de 15 Years of Noise Music
Alex Stein – Go Out
Anderson Noise – Martian Secret Society
Caiwo – Tell Me You’re Mine
Click Box – Sequence
Come and Hell – Can.t Define
Davide Marchesiello – Insane Mind (Original Dub Groove)
Funky Fat – Just a Mistake
Groove Delight – Dark Fever
Kleber – Jose Cuervo
Lacozta feat. Claudia Assef – Simpaticona da Boate (Anderson Noise – Bitch Remix)
Mandraks, R3ckzet – Monumento
Martjaz, Ukka – Como Quieras
Plastic Robots – All Right
Re Dupre – Let It Roll
Renato Cohen – Parla
Renato Ratier – D Side
Sex Shop – Magnetronik
Techriders – Sunday Park
Velkro – Gotta Know
Victor Ruiz – Movimento
Wender A., Rods Novaes – Friendship