O ano mal começou, mas Taurina (Natura Musical), de Anelis Assumpção, certamente estará nas listas de melhores de 2018. O disco tem show de lançamento marcado para 16 março, no Sesc Pinheiros.
O time pesado vem escalado com figurino de Isadora Gallas e Gabriela Mazepa da Re-Roupa e iluminação de Miló Martins. Anelis se apresenta ao lado de Lelena Anhaia (guitarra), MAU (baixo), Saulo Duarte (guitarra), Ed Trombone (trombone e percussão), Thomas Harres (bateria e percussão) e Zé Nigro (teclados).
Ela, que é um dos nomes mais representativos da nova música brasileira, é adepta do trabalho duro. No intervalos dos muitos ensaios que a artista e sua banda fazem para a turnê de Taurina, ela concedeu entrevista ao Virgula e que falou sobre seu processo musical, o disco, a cena atual, racismo entre outros assuntos.
De onde vem a sua música?
Anelis Assumpção – Vem de dentro de mim. Vem de dentro dos outros. Vem da minha ancestralidade. Vem da intuição futura.
Você tem rituais para compor?
Anelis – Depende. Se estou compondo por necessidade sim. Procuro um lugar calmo. Silêncio. Se for uma ideia que vem sem ser programada, ela pode nascer em qualquer lugar ou situação. Procuro anotar rápido pra não esquecer. Escrevo no avião, enquanto espero numa fila. Em casa. Tudo pode virar um começo.
Este é seu disco mais conceitual e mais pessoal, que parte do processo que você mais gosta de se envolver na realização de um negócio que leva anos de trabalho?
Anelis – Eu me envolvo em todas as partes do processo. Você achou mais pessoal? Engraçado. Gosto da percepção das pessoas sobre. Não acho mais pessoal.
Talvez mais revelador da minha humanidade e é onde encontro com a sua humanidade também. O fato de ter a presença da minha irmã ou meu pai, ou meus filhos não é novidade na forma como me expresso e comunico. A forma como isso está presente reflete como um espelho pra fora de mim. Não é sobre minhas pessoalidades. É sobre ser humana, animal e mulher e isso é macro.
À medida que toma forma, um conceito também se revela mais claro. Ao começar, eu tinha uma ideia de pra onde queria ir. O como ir, muda tudo. Se a ida for lenta, pode demorar mais e aí, aquele lugar onde eu pensei em chegar, talvez esteja mais habitado, ou abandonado pelo tempo. Quem sabe? Se o ir for solitário, o destino pode ser inventado pois ninguém mais estava presente para testemunhar. A estrada desse processo foi diurna e calma. Eu não estava sozinha. Chegamos sãs e salvos a um belíssimo lugar.
O que te motiva a fazer uma música nova?
Anelis – Uma música velha.
Você se preocupou em criar um conceito antes e músicas que funcionassem em uma ordem ou ele apareceu organicamente, misticamente?
Anelis – Para esse disco, percebi que dentro desse espaço entre um e outro, fui influenciada por muitos acontecimentos. As reflexões a partir da dor, da falta, da saudade, ou da morte. As reflexões sobre o prazer, o sensorial e os simbolismos. Juntei o que eu tinha e que conversava entre si. Neste período fiz estudos de novas formas de escrita. São músicas irmãs, primas. Algumas não quiseram fazer parte. Ficaram de fora. Não eram pra agora. São as músicas que escolhem seus destinos. Sou mera interlocutora.
Quais acredita que sejam os pontos centrais do conceito de “Taurina”?
Anelis – Como eu disse. A dor. A falta. A saudade. Os prazeres. A finitude e a eternidade. A mulher e o animal.
O que tá rolando de mais novo na música brasileira hoje na sua opinião?
Anelis – Gosto do frescor do Rincon Sapiência. Josyara e Giovani Cidreira são na minha opinião a mais importante expressão da música baiana atual. Edgar Pererê, Flora Matos. Liniker mudou tudo desde que chegou. Bagunçou a casa. Ainda estamos tentando nos organizar. Os pratos quebraram no chão. Ela nos fez voltar a comer com as mãos. Os ancestrais do brasil estão se manifestando nessa nova música.
Muitos estão comemorando a mudança da ponto de vista do protagonismo negro com Pantera Negra… como é ser cool de um lado enquanto as estatísiticas, como a do encarceramento que saiu recentemente, são terríveis (64% presos são negros)?
Anelis – Não sou cool. Nem os negros e negras que comemoram o fato de um filme sucesso de bilheteria ser sobre e com pessoas negras protagonizando heróis e heroínas o são. O filme é importante mas não vai salvar os negros e negras de serem assassinados sob uma estatística mais assustadora que em países em guerra. Nem vai tirar negros e negras da linha de pobreza onde se encontram majoritariamente. Tampouco muda a realidade carcerária onde negros e negras são a maioria. O ponto de vista do protagonismo negro será mudado de fato quando negros e negras forem igualitariamente tratados como civis. O resto é reflexão e luta – com a possibilidade de pequenas comemorações que claramente incomodam.
Tem preocupação em passar uma mensagem? Que mensagem é essa?
Anelis – Brancos e machos, se toquem.
SERVIÇO
Anelis Assumpção lança “Taurina” no Sesc Pinheiros
16 de março – sexta-feira – às 21h
R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia) e R$ 12 (credencial plena)
Rua Pais Lemes, 195