Cansados de esperar pelo dia em que os artistas da Baixada Fluminense se tornem atração fora dos domínios da Região Metropolitana do Rio, quatro jovens músicos resolveram dar sua contribuição para o cenário da música independente local: nascidos e criados em Nova Iguaçu, São João de Meriti e Caxias, Marcelo Peregrino, Iuri Andrade, Léo Peixe e Maurício Galo lançaram, em 2013, a Pirão Discos. O objetivo da gravadora independente é dar oportunidade aos músicos da região de divulgar seu trabalho num circuito paralelo, já que são parcas as iniciativas governamentais e privadas de apoio à cena musical local. Atualmente, além dos quatro fundadores, Jon Thomaz também faz parte do projeto, responsável pela parte visual, assim como o baterista Rodrigo Cope.
Tudo começou na casa de Peregrino, em Nova Iguaçu, onde gravaram de forma espontânea o que chamam de disco-manifesto, que reuniu as experiências de cada integrante. Desde então, a Pirão Discos tem conquistado cada vez mais artistas que desejam mostrar o que fazem para um público cada vez maior.
O nome do selo tem origem na ideia de que o foco principal do trabalho da Pirão é sempre a obra, portanto, a gravadora pretende ser apenas o “acompanhamento” do artista — tal como o pirão, receita que só acompanha o prato principal. Além disso, eles criaram o conceito de MPB, onde o B torna-se letra inicial de Baixada: Música Popular da Baixada.
Léo Peixe, guitarrista na banda Gente Estranha no Jardim e também instrumentista dos músicos Marcelo Peregrino e Maurício Galo, é um dos mentores e principais integrantes do projeto. Segundo ele, a Pirão tem as portas abertas para qualquer um que se queira agregar à iniciativa. Trata-se de uma manifestação cultural que representa o público residente da Baixada Fluminense: gente vinda ou descendente de todos os cantos do Brasil. “Queremos gerar um pensamento de que juntos podemos produzir mais e melhor”, diz. Léo considera a existência da Pirão fundamental para mostrar à Baixada que “quando há união e um mínimo de organização podemos construir algo inédito”. Confira a entrevista completa.
Qual foi o ponto de partida para o nascimento do projeto? Conte um pouco dessa história.
Nós sentimos a necessidade de registrar a obra dos artistas do entorno e a distribuição dessa música produzida. Temos uma quantidade enorme de músicos de samba, rap, pagode, funk, MPB e outros ritmos que convivem pacificamente aqui na Baixada. A Pirão surge como uma alternativa democrática e independente, uma casa que abriga e torna possível o lançamento desses artistas num mercado paralelo de música.
Além do disco manifesto, já lançaram outros discos? Quais são os projetos atuais?
Sim, lançamos dois discos de Maurício Galo (“Asfaltando Dor Pequena” e “Galove”), da banda Gente Estranha no Jardim, com toda a rapaziada de Coelho da Rocha, e acabamos de lançar o álbum “Ameno Ácido”, de Marcelo Peregrino, além dos lançamentos por meio de outras plataformas, como o Youtube e o SoundCloud, onde divulgamos as gravações de projetos atuais, como o Panguação Jazz, um braço instrumental da Pirão Discos.
Como está hoje organizada a Pirão Discos e como funcionam os encontros que vocês promovem?
A organização se dá de forma super democrática. Todos têm que estar dispostos a fazer absolutamente tudo. O grupo é criativo e todos somos músicos e compositores. Lógico que existem especificidades, como é o caso do Jon Thomaz, que cuida da parte visual, tanto dos discos quanto dos shows, mas normalmente os assuntos são resolvidos de forma coletiva, cabendo a tarefa a quem se dispõe e tem tempo. Os encontros ocorrem nos ensaios e gravações. Ouvimos muito a obra um do outro e executamos nos shows a obra não só do artista no palco, mas também do coletivo.
Qual o percurso artísticos dos integrantes?
Basicamente todos são compositores da Baixada Fluminense. Não podemos dizer que há um estilo musical definido, até pelo fato de que o grupo é muito diverso. Gostamos de usar o termo MPB – Música Popular da Baixada. Tocamos samba, baião, funk e mais uma pá de coisas. Refletimos musicalmente a população de nosso território. Na Baixada, temos gente de todo o Brasil e sofremos uma saudável influência desse povo. Temos amigos compositores em muitos lugares e desejamos que eles se juntem a nós, que nos acompanhem, sejam da Pirão.
Qual a importância que vocês acham que a Pirão Discos tem para a comunidade da Baixada?
A importância de mostrar que quando há união e um mínimo de organização podemos construir algo inédito. Retirar os trabalhos das gavetas é algo fundamental para afirmar que existe uma produção latente e de qualidade. O selo é uma necessidade do artista local. Sem ele, ficaria bem difícil lançar no mercado, mesmo que alternativo, o trabalho realizado. A nossa filosofia é “acompanhe sempre”. Defendemos um modo de produção comunitário. O pirão, o prato, nunca é o principal. Que fique claro que o principal é a obra. Queremos gerar um pensamento de que juntos podemos produzir mais e melhor.
Como você classificaria o atual estado da cultura popular na Baixada?
A cultura popular vai bem, como sempre foi. Observamos de perto grupos de samba, folias-de-reis, jongo, maracatu e outras manifestações. Cinema e teatro têm vez nas praças e ruas, já que faltam espaços, e é aí que reside o problema. Falta apoio, espaços constituídos com o mínimo de técnica, programas de formação de plateia e divulgação. Existe um tesouro cultural encravado na Baixada, o estado só olha para o município do Rio e as prefeituras ainda não tem alcance para perceber a importância da cultura.
Pessoalmente, qual o seu papel na formação do projeto?
Todos têm a mesma importância. A poesia do Peregrino é tão importante quanto o visual do Jon Thomaz ou a multi-instrumentalidade de Maurício Galo. Além de músico e compositor do grupo, eu me preocupo muito em registrar. Percebemos a importância do que fazemos e o registro permite que o método seja apreendido e disseminado. A Pirão Discos não é fim, é meio. O que importa é a obra, o artista e o meio de produção. Em breve haverá outras iniciativas parecidas e essa ideia nos agrada profundamente.