Paul McCartney encanta Morumbi na primeira de duas apresentações em Sampa
Créditos: Marcos Hermes
A expectativa era altíssima – depois de fazer um show explosivo em Porto Alegre no começo do mês, Paul McCartney chegou em São Paulo com a obrigação de repetir o feito diante de um Morumbi com lotação máxima e no pico da ansiedade.
A histeria pela chegada do ex-Beatle era tanta que desde 14h o estádio do Morumbi estava intransitável, com filas gigantes contornando o espaço e muita desorganização na hora de saber onde eram as entradas dos portões. Desde o show do U2, que aconteceu em 2006, o estádio não havia recebido um público tão grande, mesmo abrigando apresentações de artistas como Coldplay, Black Eyed Peas e Bon Jovi. E os fãs não perderam tempo, começando a cantar músicas dos Beatles e da carreira solo de Paul antes mesmo da abertura dos portões, que aconteceu por volta das 17h30.
Quando a expectativa é tão alta, é fácil sair de um show decepcionado. Mas Paul McCartney comprovou que é possível, em raras ocasiões, escapar dessa equação e transformar um show muito esperado em um show ainda mais amado após o final.
Muita coisa poderia ter acontecido com Paul McCartney após o fim dos Beatles. O músico tinha a consciência de que para não cair no esquecimento precisaria ralar, e muito, para criar canções com o mesmo apelo de seus melhores momentos na banda (e sem o auxílio de outra máquina de fazer melodias, John Lennon) e não se tornar apenas uma lembrança na memória de fãs dedicados do quarteto de Liverpool. E Macca fez mais do que isso, criando um repertório solo (além de seus ótimos álbums com o Wings) consistente e conseguindo montar uma turnê que mescla o melhor da nostalgia Beatles com as canções mais interessantes de seu próprio repertório.
E foi esse equilíbrio entre um passado histórico e um presente digno de nota que o público de SP presenciou na apresentação do músico. O show começou com a já manjada (e nem por isso menos explosiva) trinca Venus and Mars, Rock Show e Jet, para emender logo em seguida emocionante All My Loving. Com Paul no piano, a canção ficou ainda mais delicada, e foi a música que fez toda a plateia cantar em uníssono.
No início do show, era visível que Paul estava cansado e um pouco desconfortável, agradecendo ao público com um olhar desatento e repetindo as mesmas frases de maneira automática. Mas, aos poucos, o músico retomou o domínio da apresentação e conquistou o público de tal maneira que era difícil questionar o carisma de Paul e sua capacidade de dialogar com seus fãs. Na execução das músicas dos Beatles isso era muito claro, já que, mais do que reproduzir antigos hits, o músico estava preocupado em criar uma atmosfera que envolvesse todos os fãs em uma celebração beatlemaníaca sem fim.
É difícil compreender ao certo porque as canções dos Beatles agradam a todas as gerações e conseguiram transformar um grupo de moleques de Liverpool nos maiores rockstars da história. É como se houvesse um encanto e uma magia peculiar em canções como Hey Jude, Lei It Be, Yesterday, All My Loving, Helter Skelter, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band e Eleanor Rigby.
Mas Paul consegue trazer ao menos uma resposta: as músicas dos Beatles fazem parte da nossa história de maneira indelével. Todo mundo tem uma favorita, todo mundo lembra de um ex-namorado, um amigo ou uma história antiga ao ouvir uma canção específica. Macca, esperto como é, brinca com a memória afetiva do público e cria momentos lindos e emocionantes ao chamar os fãs para cantar junto e estruturar com ele os refrões e os “la la la la” das músicas.
Nesse clima de celebração/beatlemania, o músico tocou And I Love Her, Blackbird, Something (em homenagem a George Harrison), Back in The U.S.S.R, Ob-La-Di-Ob-La-Da, A Day In The Life, Let It Be, Paperback Writer, Helter Skelter, Get Back, Lady Madonna, Day Tripper, Yesterday e Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band.
Mas os momentos mais emocionantes foram reservados para duas canções: a linda, melancólica e breve Eleanor Rigby, cantada por Paul com uma tristeza comovente, e The Long And Winding Road, que ao vivo é tão forte, bem tocada e perfeita para grandes arenas que pouca gente conseguiu segurar o choro.
De sua carreira solo, Macca tocou Jet, Let Me Roll It, Mrs Vandebilt, Highway (do projeto Fireman) e Band on The Run, entre outras ótimas canções.
Paul McCartney terminou o show com a performática Live and Let Die (que conta com fogos de artifício e labaredas de fogo no palco) e o coro emocionado de Hey Jude, com o público cantando em uníssono a música, talvez a mais emblemática da carreira dos Beatles. O final, permeado por vários minutos de “na na na naaaa, Hey Jude”, acaba ficando cansativo, mas por sorte Macca finaliza a canção antes que a música se transforme em fanfarronice.
Logo em seguida, o músico se despediu e retornou ao palco para seus dois bis, só com músicas dos Beatles. Após tentar (e conseguir!) falar durante toda a noite com a plateia em português, o ex-Beatle se despediu da plateia visivelmente emocionado e contente com a recepção calorosa dos fãs em seu primeiro show em São Paulo – o segundo acontece amanhã, dia 22.
Na saída do show, era visível a alegria e a satisfação intensa do público por ter conseguido, em um período de três horas, fazer tudo isso ao mesmo tempo: relembrar o passado, cantar a plenos pulmões antigos hits dos Beatles, celebrar a carreira solo de Paul, ver um dos shows mais bem produzidos do atual showbiz e ainda ver Paul McCartney em um de seus períodos de ouro.
Na hora de sair correndo do palco após o último bis, Paul não prestou atenção na caixa de som e levou um capote. Por um minuto, a plateia ficou em silêncio – mas foi só o músico se levantar e balançar uma bandeira do Brasil que ninguém teve dúvidas de que tudo estava bem. Foi um momento de silêncio significativo: um mito caindo em frente a seus adoradores em um minuto de fragilidade raro dentro de uma turnê milimetricamente planejada.