Nesta terça (2) é Dia do Samba e nós trocamos uma ideia com dois expoentes do gênero, um mestre da velha guarda e também famoso por ser o baterista da banda de Chico Buarque e uma compositora de primeira que vem ajudando na renovação do samba: Wilson das Neves e Teresa Cristina. O motivo da nossa conversa foi o Sambabook (Musickeria) de Dona Ivone Lara e eles falaram com a gente no intervalo das gravações, no Rio.
“O samba tem essa coisa do Nelson Sargento, do samba agoniza mas não morre, na verdade, é um gênero, é um ritmo, é um jeito de viver, é uma maneira de viver bem, de tratar as pessoas, é a sobrevivência de alguns, é o emprego de outros. O samba vai se renovando a cada tempo que passa”, atesta Teresa.
“Se você não prestar atenção no que já foi feito, como é que você vai fazer? Você tem que estar sempre no arquivo, o arquivo é quem já foi, quem já passou, quem tá aí fazendo. O jovem tem mais é que se espelhar nos antigos, se não perde as origens”, defende Wilson.
Sobre seus ídolos da juventude, ele puxa pela memória. “Gostava de todos, Ciro Monteiro, Roberto Silva, Roberto Paiva, Gilberto Alves, Cartola, todos os sambistas”, lembra. “Eu gosto de música, pra mim não existe música ruim ou é música não é nada”, opina o bamba.
Teresa vê o interesse dos jovens com esperança. “Pelo menos, eu posso falar de mim, desde que eu comecei a cantar samba, no final dos anos 90, o maior acerto que a minha geração teve foi levar o samba pra galera mais nova, os jovens, que são quem vai continuar essa cultura. As pessoas de mais idade já gostavam do samba, da minha idade, agora o garoto de 13, 14 anos, que antes de aprender a tocar guitarra, que ele sabe até tocar, ele também quer tocar cavaquinho, um bandolim, um sete cordas, um instrumento de percussão, quer saber quem foi Pixinguinha, João da Baiana, Dona Ivone Lara. Esse garoto pré-adolescente que começou a estudar música, isso é ganho, é exército do bem que a gente tá formando pro futuro. Isso é muito importante”, diz.
Sambabook com Dona Ivone Lara
Depois João Nogueira, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, Dona Ivone será a primeira mulher a ser reverenciada pelo Sambabook, que em apenas 3 anos, já tornou-se referência para os amantes do samba e para o mercado musical.
“A Dona Ivone é primordial, essencial. É a rainha do samba, ela simplesmente o início de tudo. Ela tem a importância de uma mãe na vida de alguém. Tem uma obra riquíssima, compositora, cantora, desbravadora, a Dona Ivone é muita coisa junta. É uma coisa concentrada, é instrumentista, tem uma voz que não existe. Em nenhum lugar existe o que a Dona Ivone faz com a voz dela. As músicas dela são lindas, são melodias que são a cara dela, inclusive, tem a assinatura dela nas músicas que ela faz”, afirma Teresa.
“Ela é da minha escola, eu sou Império Serrano, tinha que fatalmente conhecer Dona Ivone. Antes dela ser sucesso, eu já conhecia da escola”, conta Wilson.
O veterano sambista, também rasga elogios para a grande dama. “Ela tem uma melodia que você ouve e diz, esse aí é da Dona Ivone, não tem jeito”, aponta ele, que confessa ter sido influenciado por ela. “Quem não se influenciar em Dona Ivone, não é artista”, solta o baterista.
Dona Ivone é a dona do samba, todo mundo se intitula padrinho e madrinha do samba, a Dona Ivone é a rainha do samba. É a primeira compositora a fazer samba-enredo, é a primeira mulher a ser admitida numa ala de compositores de escola de samba que não podia sair o nome. Ela fazia as músicas, mas não saía o nome, né? Até que hoje ela é consagrada, está aí, e é uma honra muito grande estar aqui com a madrinha de ala da minha escola Império Serrano, primeira porta-bandeira do Império Serrano, a importância da Dona Ivone não tem tamanho”, argumenta Wilson.
Para Teresa, perpetuar a importância da sambista tem um viés feminista. “Pode contribuir com isso com o aumento de compositoras mulheres no samba. Isso, a gente tem esse exemplo de uma vida que é Dona Ivone Lara. Eu, como compositora, eu me encorajo muito olhando pra obra de Dona Ivone porque é uma compositora que não deve nada a ninguém. As músicas dela são incríveis, você pega um grande clássico da Dona Ivone, você pode equiparar a um grande clássico do Cartola ou do Nelson Cavaquinho, tá tudo ali no mesmo patamar. Eu acho que a gente falar dela, lançar luz sobre ela é importante para lembrar que a mulher também tem espaço no samba. Existe espaço pera mulher no samba, compondo, cantando”, completa.
Afonso Carvalho, criador do projeto Sambabook e um dos sócios da Musickeria, produtora do projeto multiplataforma, lembra que a homenageada também trabalhou como enfermeira. “Além de ser uma das maiores compositoras da nossa música brasileira, do nosso samba, Dona Ivone Lara sempre foi extremamente dedicada em tudo o que fez. É uma pessoa que exala muito amor. Ela foi enfermeira antes de seguir a carreira de cantora e compositora, então, é uma pessoa que sempre cuidou de todo mundo”, afirma.
Parafraseando Alguém me Avisou, hit da Dona Ivone. É como se o samba estivesse sempre pronto a responder: “Foram me chamar/ Eu estou aqui, o que é que há”.