O músico escocês Bill Drummond, que ficou conhecido na virada dos anos 80 pra os 90 como metade da dupla de fanfarrões eletrônicos KLF, está no Brasil para promover um evento hoje (21). Até aí, nenhuma novidade. O que não falta no País é visita de aspirantes a estrelas do passado. Mas Drummond não vem nem para tocar nem para conhecer o batuque brasileiro. O que ele quer é promover no Brasil o Dia Sem Música. Isso mesmo, sem música. Uma olhada na programação de shows em São Paulo do fim de semana mostra que a tarefa não é simples, mas ele insiste no assunto desde 2005.

Faz parte da vontade de Drummond de rever a relação com as artes. Ele já chegou a queimar um milhão de libras em dinheiro para levantar a discussão sobre o valor financeiro das obras, já ameçou pendurar vacas em postes de energia, já criou corais que deveriam cantar como se a música nunca houvesse existido antes (no lugar das partituras, colocava sugestões de emoções e ações) e já lançou uma campanha semelhante na Inglaterra, com anúncios “Abandonem toda arte agora”, divulgados em jornais e revistas.

O curioso é que foi com música que ele ganhou a notoriedade necessária para alguém dar atenção a tudo isso. Primeiro como empresário do grupo pós-punk Echo and the Bunnymen, depois como executivo da Warner, quando contratou grupos como Strawberry Switchblade (dupla pop pós-gótica, bem anos 80, de garotas), Proclaimers e Brilliant. Resolveu então abandonar a indústria musical e despediu-se com seu único disco solo, The Man, porque em 1986 completava 33 anos (a velocidade de um LP de vinil é 33 rotações por minuto).

Mas seu afastamento não durou muito: encantado por rap, arrumou outro maluco, Jimmy Cauty e criou The Justified Ancients of Mu Mu, fortemente influenciado pela Trilogia Illuminattus, saga psicodelia hippie e teorias da conspiração. O disco era tão cheio de samples que uma ordem judicial do Abba forçou-os a destruir toda a tiragem. Eles jogaram tudo no mar.

Depois, com o nome de Timelords, chegaram ao número um das paradas inglesas com o pastiche de glam rock “Doctorin’ the Tardis”. O feito inspirou-os a escrever O Manual: Como chegar ao número um da maneira fácil, que propunha-se a ensinar o que diz o título e traz dicas como “Escolha um estúdio de pelo menos 24 canais. Alguns engenheiros de som lhe dirão que Sgt Pepper’s foi gravado em mesas de quatro canais. Isso é tão importante para gravações modernas quanto é para a construção atual saber que as pirâmides foram construídas sem guindastes”.

Aí veio o KLF, que muitos acreditavam significar “Kopyright Liberation Front”, por causa das manifestações quase situacionistas por mudanças nas leis sobre direitos autorais, que antecipavam discussões como Creative Commons e Copyleft. Foi com hits como “3 Am Eternal”, “Last Train to Transcentral” e “Justified and Ancient” que eles levantaram o milhão de libras para pregar em um quadro e tocar fogo. Depois, as cinzas foram compactadas em um tijolo.

E no meio de tudo isso, ele é também um fã apaixonado de Abba, Spice Girls, country music e diz para quem quiser ouvir que sua música preferida de todos os tempos é a popíssima “Will You Love Me Tomorrow”. Parece contraditória, né? Veja o que ele tem dizer a respeito:

Você tem promovido o Dia Sem Música há algum tempo. Já chegou ao ponto de nenhuma música ser tocada em alguma lugar?
O Dia Sem Música 2008 será o quarto ano que estou fazendo-o. No nível pessoal, neste tempo nunca consegui passar um dia inteiro sem ouvir música nenhuma. Obviamente, se eu fosse para o campo ou as montanhas, poderia facilmente passar um dia sem ouvir nenhuma música. Mas a cada Dia Sem Música eu estou ocupado promovendo o dia, então não consigo deixar de escutar música, mesmo se é vazando dos fones do iPod de alguém no ônibus. Em outro nível, eu consegui. No ano passado a rábio BBC da Escócia abraçou o Dia Sem Música por todas as 24 horas. Eles não apenas não tocaram nenhum CD, mas também nenhum jingle ou vinheta da estação que tivesse música.

De algumas formas, seu trabalho anterior com os JAMS e KLF antecipou as discussões sobre copyright e distribuição de música, o que, por sua vez, ajudou a música gravada a ser tão onipresente. Você considera isso irônico?
Eu sinto que tudo isso tinha que acontecer para chegarmos aonde estamos agora, um ponto em que toda a música gravada do século 20 é redundante. Toda a maneira como pensamos, fazemos e consumimos música pela maior parte de nossas vidas e as gerações anteriores à nossa, não são mais relevantes para como as pessoas vão querer fazer e consumir música no século 21.

Como o seu trabalho em remodelar a música e querer que ela recomece do zero relaciona-se com a música pop tradicional?
Acho que sempre haverá nova música pop que vou ouvir e amar, isso não me impede de querer um Ano Zero na música, querer que ela comece novamente como se nunca tivéssemos escutado-a antes. E também não me impede de achar que música gravada é um meio muito do século 20. E, apesar desse meio haver produzido alguma da melhor música que já existiu, agora parece muito monodimensional.

Você sentiria falta da arte como a conhecemos hoje?
Estou sempre procurando ouvir e ver o que vem a seguir. As coisas só me interessam quando ainda estão em estado de fluxo. assim que alguma forma de arte é compreendida, ganha um nome e acha um lugar no museu, ela não me interessa mais.

Você ainda sabe o paradeiro daquele tijolo feito de cinzas?
Fui ali e peguei-o de onde ele funciona como peso de papel no meu escritório; agora estou segurando-o na minha mão esquerda enquanto escrevo com a mão direita.

Muitos fãs do Echo and the Bunnymen concordam que a música deles nunca foi tão boa quanto até o quarto disco, precisamente o momento em que você pulou fora. A culpa é sua? Você ouviu algo que eles lançaram desde que voltaram?
Eu coloquei tudo o que podia para os Bunnymen fazerem Ocean Rain, sentia que era última chance deles fazerem um grande álbum. Depois dele feito, achei que era o melhor que eles podiam fazer. Eu falei com Will sobre eles desistirem da idéia de fazerem outro disco e que eles deveriam continuar apenas tocando ao vivo. Compreensivelmente, ele discordou. Eu perdi interesse na banda depois daquilo, não tinha mais nada a oferecê-los. Também acho que é difícil uma banda ser boa durante muito tempo. Não é culpa da banda, é apenas como as coisas são.

As regras do Manual ainda são válidas? O que você mudaria ali?
Tudo é diferente. Mas o que não é diferente, e espero que seja essa a mensagem do livro: se você quer fazer alguma coisa, não espere permissão, apenas vá e faça, mesmo se falhar.

Você já teve medo de que algum de seus projetos se tornasse realidade?
Sim. Todo dia.

Os Proclaimers e o Strawberry Switchblade foram subestimados?
O Strawberry Switchblade tinha um talento muito delicado, não havia como continuar tendo sucesso; à sua própria maneira, naquele tempo, elas foram ótimas. Quanto aos Proclaimers, eles foram a banda mais bem-sucedida com que já me envolvi. Eles continuam a fazer sucesso em alguns territórios ao redor do mundo, nunca deixam de lotar casas de show e de ter seus discos tocados no rádio. Mas atente, eu não consigo imaginar eles tendo algum sucesso no Brasil.

The Man já foi lançado em CD?
Foi, por um selo chamado Bar None, nos Estados Unidos. Quanto a ser lançado novamente, eu não sei e realmente não me preocupo. Apesar de que a faixa de abertura, True To The Trail, é considerada minha marca registrada. Algo que eu gostaria que fosse tocado no meu funeral.

Você sabe que muitas pessoas no Brasil se referem à Trilogia Illuminatus como “o livro de que os caras do KLF gostam”?
Eu li a Trilogia em 1976, quando tinha 23 anos, porque estava desenhando o palco para uma adaptação teatral dela. Então, em 1986, estava relendo como pesquisa para um livro que estava começando a escrever. Eu nunca escrevi o livro; ao invés, eu e Jimmy Cauty começamos a fazer os Justified Ancients of Mu Mu. Aconteceu que Jimmy tinha visto a peça e, de algum modo, conversamos a respeito e isso influenciou o que estávamos fazendo juntos. Nunca foi parte de nenhum grande plano e nenhum de nós curtia teorias conspiratórias ou numerologia.


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Músico escocês Bill Drummond promove Dia Sem Música no Brasil