Massive Attack em São Paulo


Créditos: gabriel quintão

Para mim, o Massive Attack sempre significou amor incondicional. Todo adolescente tem a sua relação sentimental com algumas bandas – e uma das minhas paixões era Massive Attack, que conseguia equilibrar canções arrebatadoras como What Your Soul Sings (do álbum 100th Window, de 2003) e Teardrop (tema da trilha sonora da série House) com faixas opressivas como Angel e a clássica Unfinished Sympathy.

De expoente máximo do trip hop (título conquistado com o lançamento de Blue Lines, de 1991) a porta-voz de um som sombrio, viajante e cristalino em Mezzanine, de 1998, o Massive Attack passou por muitas mudanças de identidade e algumas crises com o público e a crítica. Demorou sete anos para que Robert Del Naja e Grant Marshall retornassem aos estúdios com Heligoland, que trouxe ao duo honras merecidas e recolocou a carreira do grupo em evidência.

Depois de perder o show do grupo no Brasil em 2004, resolvi que essa era uma oportunidade de ouro não só de ver uma banda que tem valor sentimental único para mim, como a hora certa de entender a importância do som do Massive Attack hoje.

Em entrevistas recentes, Robert Del Naja e Grant Marshall afirmaram que o rótulo trip hop não significa mais nada, orientando apenas iniciantes que pretendem fazer um som semelhante ao do grupo. A intenção, segundo eles, é bem mais simples: apresentar ao público uma pancada musical significativa e que “consiga transcender o momento e levar os fãs a estados de consciência provocados unicamente pelos sons”.

E isso fez todo o sentido na apresentação desta terça-feira (16) do grupo no HSBC Brasil, em São Paulo. O show do Massive Attack foi um tijolo sonoro, que arrancou gritos de alegria do público e conseguiu aliar experimentalismo com o repertório quase sempre igual da nova turnê. Ver o Massive Attack com um álbum novo na bagagem e uma postura de olhar para o futuro foi um privilégio – talvez até mais emocionante do que ter visto a banda em seu auge.

O grupo começou sua apresentação com United Snakes (faixa da versão deluxe do álbum Heligoland), levemente mais pesada e longa que a versão de estúdio. As canções de Heligoland ganharam força com os experimentalismos dos músicos e interpretações mais exageradas – as versões originais das canções não transmitiam a intensidade esperada, e isso acabou transformando Heligoland em um álbum apenas mediano. Exatamente por isso, ver as novas versões de Babel, Splitting The Atom, Psyche e Atlas Air foi uma grata surpresa. Nenhuma das versões eram drasticamente diferentes, mas a pegada mais dub e o instrumental mais pesado fizeram toda a diferença.

A turnê de Heligoland traz ao palco os músicos Damon Reece e Julien Brown (bateria), Angelo Bruschini (guitarra), John Baggott (teclados) e Winston Blissett (baixo). Mas quem brilha mesmo é a diva Martina Topley Bird, que com seu vocal contido e sem afetação consegue encantar muito melhor do que se fizesse caras e bocas ou malabarismos vocais.

Psyche e Babel mostraram que a cantora é talentosa e consegue personificar o encantamento hipnótico característico das músicas do Massive Attack, mas é em Teardrop que ela se supera – sua performance delicada trouxe ao clássico, cantado originalmente por Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, uma versão mais contida e sensual.

Outra participação especial que valeu a pena foi a de Horace Andy, veterano do reggae que trabalhou com o Massive Attack em Angel, do álbum Mezzanine, e em Splitting The Atom e Girl I Love You, de Heligoland (todas apresentadas no show). Só a presença de palco do músico já melhora a apresentação, mas sua performance de Girl I Love You foi impecável. Era impossível não acreditar quando ele afirmava que “iria sentir saudades de sua garota, embora o amor já tivesse ido embora para sempre”.

No setlist, estiveram também canções como Future Proof, Mezzanine e Karmacoma.

A apresentação do grupo foi curta, com pouco menos de uma hora e meia de show – perfeito para fixar na memória a impressão de que tudo foi impecável. Porque se fomos parar para analisar sem a emoção do passado, alguns problemas de repertório (se o foco era o novo álbum, onde estava o single Paradise Circus?) e do apelo das novas canções ficaram cutucando nosso senso crítico, como se algo muito importante tivesse escapado.

Mas, de alguma forma e com uma magia difícil de decifrar, Robert Del Naja e Grant Marshall conseguem fazer com que só nos lembremos dos momentos emocionantes, das lembranças saudosas e dos amores do passado. E, mais do que isso: é possível perceber uma evolução na carreira do grupo, que resolveu criar uma turnê baseada quase inteiramente em seu novo disco e apostar alto em recriações de músicas novas, em vez de celebrar eternamente seu passado elogiado. Engenhoso, o Massive Attack. E talentoso, sem dúvida.


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Massive Attack supera dilemas do passado e olha para o futuro em show em São Paulo