Um dos grandes nomes do renascimento da música brasileira nos últimos anos, Ava Rocha lançou este mês Trança (Natura Musical), seu terceiro disco. O lançamento é uma parceria com o Selo Circus e tem direção musical de Negro Leo e Eduardo Manso, que também assina a produção, ao lado de Fabiano França.
Gravado em 2017 nos estúdios da Red Bull Station, em São Paulo, e Rockit!, Rio de Janeiro, Trança reuniu trinta e cinco músicos, que se revezaram nas gravações de cada música, em diferentes formações.
A concepção da capa é da artista plástica Maíra Senise, fotos de Ana Alexandrino e visual de León Gurfein. O projeto gráfico e a arte são de Lucas Pires.
O edital Natura Musical está com as inscrições abertas para o patrocínio de projetos em 2019, pelo site natura.sponsor.com. No total, são oferecidos R$ 4,5 milhões – com a combinação de recursos próprios, da lei Rouanet (Nacional) e leis estaduais – para o auxílio no lançamento de trabalhos como álbuns, EPs, vinis, shows, clipes e livros. Em 2018, o programa também abre espaço para coletivos culturais (selos, grupos, blocos, casas de show de pequeno porte, centros culturais).
Serão contemplados no edital Natura Musical projetos de todo o território brasileiro por meio da lei Rouanet e, regionalmente, na Bahia, em Minas Gerais, no Pará, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, via leis estaduais de incentivo à cultura.
O que você estava buscando com “Trança”?
Ava Rocha – Eu estava buscando um disco que fosse o mais experimental e o mais popular de todos meus discos anteriores. Um disco que se aprofundasse numa poética que penetrasse a alma e o espírito, que fosse tecido conjugando várias nuances: o amor, a política, as nossas raízes, a irmandade, que pudesse se aproximar do inconsciente ao mesmo tempo que está presente na realidade. Que pudesse atravessar portais, de tempos e de sentimentos, do consciente para o inconsciente, que pudesse trançar sons, e pessoas, numa construção sonora coletiva, que fosse ao mesmo tempo tradução da força inventiva da minha geração, que tem diversas pessoas com as quais eu tenho uma interlocução real e colaborativa, que passam também por discussões sobre política e vida.
Então imaginava um disco muito percussivo, rítmico e energético, rítmico também em outras pulsações. E que fosse melódico, que tivesse o samba na sua alma, e também tivesse a ancestralidade presente como o que nos constitui, mas que fosse ao mesmo tempo um gesto pra adiante, pra ancestralidade que estamos construindo a partir de agora, de qualquer instante. Imaginei uma pangeia, terra onde tudo converge e que é origem, imaginei uma Lilith negra, pensei em Charles 45 de Jorge Ben, que Lilith é a deusa africana que chegou aqui, passou por Portugal e é brasileira.
Imaginei-me do lado de fora de mim, sonhando comigo e vendo meu rosto com o rosto de outra mulher, e eu tenho minha própria cabeça em casa, que é a obra que Tunga fez pro meu primeiro disco Diurno. Imaginei meus cabelos grudados nos cabelos do Tunga, como sua obra as Xipófogas Capilares, e imaginei a minha cabeça falsa grudada em sua cabeça falsa, que ele arremessou no mar. E lembrei que ele dizia ter vindo da pangeia.
Pensei nas minhas avós, nas minhas origens, na mulher que sou, e na minha filha, nas crianças, nos erês, nas crianças que morrem e nascem na maré, na favela e na maré que sempre retorna. Então as entidades foram tomando conta do disco, as pessoas, a memória das pessoas, fui desejando trançar meus cabelos e as coisas, imaginava a trança como um penteado altamente ancestral, feminino e masculino ao mesmo tempo, usado por tantas culturas. Como um manifesto poético político e espiritual, trançando o tempo todo tudo.
Como apareceu o conceito do disco?
Ava – Apareceu assim, pensando, refletindo sobre a vida, sobre o mundo, convivendo nesse mundo. E ele nasce de um desejo de estado urgente de invenção, como dizia Oiticica, de transar as linguagens sem amarras, como reflexo de um ardor irresistível, de transformação no estado das coisas. E com tudo que falei antes, que o conceito foi se trançando, aliás, muitas vezes tive revelações, conexões que aconteceram ao longo do processo.
De fato, ainda estou pensando sobre tudo, e sobre o conceito mesmo do disco. Todos os dias novas janelas de abrem. Mas ele tem uma urgência política e estética, reflete uma visão pessoal e também coletiva. Ele é conceitualmente constantemente trançante.
Como é seu processo de composição?
Ava – É bem variado. Eu componho de muitas maneiras diferentes. Solitária ou com parceiros, seja fazendo melodia ou letra ou os dois, mandar letras ou receber melodias, compondo junto ou separado, no violão ou na voz, escrevendo o tempo todo, improvisando, andando pela rua e brincando. Adoro compor brincando.
O que está rolando de mais interessante na música hoje, na sua opinião?
Ava – Eu vou falar de quatro discos que foram lançados recentemente, de quatro amigos que admiro muito, que fizeram discos que me emocionaram . Um deles está tocando agora enquanto respondo essa entrevista. É O Disco das Horas, do Rômulo Fróes. Estou achando tão maravilhoso que não tenho palavras. Os outros três discos são PUBer, de Jonas Sá, Cavala, de Maria Beraldo e Venta, de Lukash.
PUBer é um disco importante que marca o lugar de cantor e compositor na música brasileira de um artista da magnitude de Jonas Sá, que é também um dos grandes produtores musicais, arquiteto genial, assim como toda sua música. É um disco belíssimo, de grandes canções!
Cavala de Maria Beraldo nos revela uma artista conectada com a experimentação, com os rumos inventivos que estamos percorrendo, e faz isso com qualidade e com simplicidade. Fez um disco de tocar a alma.
Lukahs com Venta chega como o vento, depois de Fogo Z, seu primeiro disco, trazendo espíritos, se conectando também com energias ancestrais, o disco tem poesia fina e arranjos extraordinários, que cruzam também canção e ruído. Um disco também belíssimo! Produzido pelo Marcos Campello que é compositor de Continente, que eu gravei no disco e que pra mim é um dos cinco mais geniais guitarristas do Brasil.