O independente resiste. Em meio a crise no mercado literário em que grandes livrarias como Saraiva, Livraria Cultura, Fnac e outras estão fechando as portas ou pedindo recuperação judicial, a novata Editora Terreno Estranho, underground e apaixonada pelo não convencional, enfrenta essa instabilidade apostando suas obras em um público específico ligado à música.
Com apenas um ano de vida, a editora possui três títulos de autores peso-pesados na música mundial: JRNLS80S, de Lee Ranaldo, guitarrista do lendário grupo norte-americano Sonic Youth, Barítono, de Rodrigo Carneiro, vocalista da banda brasileira Mickey Junkies e The Sick Bag Song, último livro do trovador australiano Nick Cave. Artistas ignorados pelo mainstream ou até mesmo consagrados, mas que não têm interesse em trabalhar para grandes corporações.
Os idealizadores da Terreno Estranho são Nilson Paes e o conhecido Fábio Massari, ex-VJ da MTV e especialista dos sons obscuros de qualidade. Massari, aliás, tem ampla experiência com editoras: publicou dois livros pela Conrad, que também serviu de “palco” para incontáveis conversas sobre livros e afins filosófico-mercadológicos e teve vivência com a Edições Ideal e o selo Mondo Massari. Ou seja, está em casa.
Em entrevista ao Virgula, Nilson e Massari contaram como surgiu a editora e como procuram passar pela crise do mercado literário focando no público independente. Também falaram de critérios para publicação, expectativas e teve até espaço para comemoração, porque o saldo desse corajoso trabalho tem sido bastante positivo.
Faça um chá, sente na sua cadeira preferida e leia a conversa abaixo. O independente ensina.
Virgula: Como surgiu a ideia de criar a Editora Terreno Estranho?
Nilson Paes: Surgiu como um projeto experimental mesmo. Tivemos uma grande sorte de poder ter como estreia o livro do Lee Ranaldo, uma figura tão representativa para o underground e que demonstrava perfeitamente qual caminho gostaríamos de trilhar.
Teve alguma editora, ou selo, que os inspirou a criar a Terreno Estranho?
Nilson: Sim. Nos inspiramos muito em selos de música que gostamos, entre eles podemos citar o ‘SST’, ‘Touch and Go’, ‘Drag City’, ‘Merge’, entre tantos outros que acreditam e sempre acreditaram em artistas que são ignorados pelo mainstream ou até mesmo os já consagrados, mas que não tem interesse em trabalhar para as grandes corporações. Em relação a editoras, existe a ‘Akashic (NY)’ que acompanho a bastante tempo, uma editora independente que sempre luta para aprimorar um modelo de negócio mais enxuto e ágil que as vezes pode até ser menos lucrativo, porém com muita qualidade e quase sempre não corre os grandes riscos do mercado. Ela foi fundada por Johnny Temple, um dos líderes da banda Girls Against Boys.
Qual é o principal critério da editora para lançar uma obra?
Nilson: Por incrível que pareça, por enquanto ainda não existe um critério pré estabelecido. Ainda estamos nesta fase experimental, mas posso dizer que como critério é sempre vistoriado a qualidade artística da obra e se cabe no projeto da editora x público. Enfim, com o tempo e mais lançamentos vamos chegar nessa resposta mais facilmente.
E existe público no Brasil para consumir essas obras undergrounds?
Fábio Massari: O público existe. A questão é saber como ‘decifrá-lo’ e como trabalhar de modo realista com a ‘matemática’ que ele representa. Esse mercado mudou muito de uns tempos pra cá, basta ver que praticamente toda editora tem pelo menos algum título que se enquadra na categoria. Precisa ver o projeto, e as expectativas.
Nilson: Sempre vão existir pessoas não convencionais que compram livros, discos, cinema e cultura em geral.
Lee Ranaldo admirando a edição brasileira do seu livro
Vocês planejam ampliar esse público lançando alguma obra mais popular?
Nilson: Por enquanto acredito que não. Queremos ampliar esse público ligado a música e até mesmo a literatura mais independente. Talvez esse seja o principal objetivo. Obviamente que se algum título mais abrangente vier ao nosso encontro, podemos analisar e talvez colocar no mercado nacional.
Estamos em um momento em que grandes redes de livrarias estão fechando e o mercado literário está cada vez menor. O que os motiva a acreditar nesse mercado?
Nilson: A paixão pelo não convencional. As empresas do ramo editoral se reinventaram da maneira errada a 20 anos atrás quando ocorreu o ‘boom’ das mega bookstores, somado a crise pela qual estamos passando, chegou nesse caos. A engrenagem não virou e não vai virar enquanto houver a tal ‘consignação’ com pagamento a longo prazo. As pequenas editoras e livrarias já estão se mexendo e se reinventando, formando públicos específicos e construindo uma rede de distribuição e divulgação baseado em outros caminhos.
A editora completou 1 ano de vida. Qual é o saldo até agora?
Nilson: No geral o saldo é positivo. Estamos ainda em uma fase embrionaria, ainda mais diante dessa crise que citamos. E poxa, conseguimos sobreviver a este primeiro ano com três títulos lançados, isso é muito louco. Temos Lee Ranaldo, Rodrigo Carneiro e um Nick Cave lançados e todas as contas em dia. Acredito que estamos no caminho certo, o importante é recriar a cultura da leitura, mesmo que desta maneira mais underground.
Para finalizar, podemos esperar um livro novo do Massari pela editora?
Fábio Massari: Precisa ver se a oferta é boa! É mais que possível, né. Mas acho que tem muito trabalho editorial a ser feito em algumas frentes. A vontade é estimular mais e mais a produção local – nossos autores contando muitas das nossas histórias dos bons sons. Tem muito livro bacana esperando pra ser escrito.
Lançamentos dos Terreno Estranho
Lançamentos da Editora Terreno Estranho
A Editora Terreno Estranho também organiza eventos para aproximar os leitores de suas obras e autores. O próximo é Sala de Escuta com Rodrigo Carneiro, autor de Barítono, que acontece neste sábado, 1 de dezembro, no A Dama e os Vagabundos Bar, em São Paulo, a partir das 15h.
A entrada é gratuita e estão todos convidados. Para saber mais sobre o evento, clique aqui.
Site da Editora Terreno Estranho: www.terrenoestranho.com.br