Compositor, cantor e escritor, Vitor Ramil é um ícone gaúcho da música alternativa. É também irmão de Kleiton & Kledir e um pensador que vem desenvolvendo uma teoria sobre o que chama de “estética do frio”, que ele define como a “busca pela expressão de nossa brasilidade particular através da reação tanto ao estereótipo de brasilidade quando ao de gauchismo”.

“O Brasil é um país diverso, apesar dessa imagem tropical hegemônica – a rigor, a única que o mundo conhece e que os brasileiros, de modo geral, aceitam como sua – que não representa o sertanejo também, por exemplo, ainda que o sertanejo não passe frio como nós – refiro-me ao homem do sertão, claro, não ao sertanejo universitário…”, afirma em entrevista ao Virgula Música.

Seu mais projeto mais novo, Foi no Mês que Vem (Satolep Music), é um album duplo e songbook e foi viabilizado por meio de financiamento coletivo (crowdfunding).

Vitor Ramil e Carlos Moscardini, Estrela, Estrela

Entre as participações estão 17 músicos do Brasil, Argentina e Uruguai, entre eles, Jorge Drexler, Milton Nascimento, Fito Paez, Pedro Aznar, Ney Matogrosso, Kleiton e Kledir e Marcos Suzano.

Ramil faz o show de lançamento do álbum no Rio de Janeiro na terça-feira (15) no Theatro Net Rio, em Copacabana, com participações de Milton Nascimento, Kleiton e Kledir, Marcos Suzano, Carlos Moscardini, Ian Ramil, Kátia B e André Gomes.

Mesmo com a informação circulando muito fácil hoje em dia, alguns dizem que você não é mais conhecido na Argentina e Uruguai que no Brasil por viver em Pelotas. Faz sentido?

Historicamente, uruguaios e argentinos têm passado pelo RS, em direção ao “Brasil”, sem parar para nos conhecer. Eles vêm em busca da “grande civilização tropical” do Darcy Ribeiro. Mas mesmo nós, gaúchos, muitas vezes passamos por nós mesmos sem nos conhecermos… À parte a vida isolada que eu levo e meu temperamento avesso à exposição, a verdade é que, morando em Pelotas ou no Rio, se minhas canções soassem nas novelas da Globo eu já teria lotado o Gran Rex, em Buenos Aires, um par de vezes.

Como explicaria, de modo bem resumido, o que é a estética do frio? Fale também sobre as principais expressões desta estética, não apenas na música, mas em todas as artes…

A estética do frio não é algo consumado, mas em progresso. É a busca pela expressão de nossa brasilidade particular através da reação tanto ao estereótipo de brasilidade quando ao de gauchismo. A imagem do “Brasil tropical” fala pouco de nós do Sul e nós contribuímos pouco para que ela exista.

Ao mesmo tempo – pensando o frio como símbolo nosso dentro do contexto nacional – não temos uma estética do frio que fale de nós com propriedade e leveza, algo que transcenda a nossa caricatura regional, que nos afirme e faça superar o sentimento de não-pertencimento, de estar à margem.

A estética do frio é a busca dessa transcendência. O Brasil é um país diverso, apesar dessa imagem tropical hegemônica – a rigor, a única que o mundo conhece e que os brasileiros, de modo geral, aceitam como sua – que não representa o sertanejo também, por exemplo, ainda que o sertanejo não passe frio como nós – refiro-me ao homem do sertão, claro, não ao sertanejo universitário…

Pois a estética do frio é um elogio à diferença, à diversidade. É cedo para apontar expressões dela em outras artes, mesmo na música, minha ou de outros. Eu diria que estamos na fase de limpeza de terreno, o que já se pode considerar parte de uma construção, não é mesmo? Os artistas têm contribuído muito para isso aportando novas idéias, desenvolvendo suas próprias estéticas do frio, e não só no Rio Grande do Sul, nos outros estados do Sul e até de outras regiões. Há um Sul simbólico ecoando por aí.

Quero dizer que a partir das provocações da estética do frio, muita gente em outros lugares do Brasil tem refletido sobre suas particularidades dentro do contexto brasileiro ou regional. Já ouvi de muitos nordestinos que eles se sentem enfiados todos no mesmo saco, definidos coletivamente por um estereótipo redutor, sem que suas particularidades sejam percebidas. Há vários nordestes, dizem eles, com razão. Para o artista, suas particularidades – sua verdade pessoal, essencial – precisam fluir.

Vitor Ramil e Milton Nascimento, Não é céu

Quem são seus ídolos musicais?

Miles, Bach, Beatles, Piazzolla, Radiohead, Yupanqui, Egberto, Caetano, Milton, Chico… São muitos.

Que nomes acha mais relevante na música hoje?

Miles, Bach…

Qual considera seu melhor momento na carreira até aqui?

São vários melhores momentos, cada um num sentido. No sentido da relação com o público, a campanha de financiamento coletivo que fizemos para meu último disco é imbatível. A qualidade humana desse contato com as pessoas foi sensacional e seu significado, como indicador de novos tempos para a produção de música com participação do público como agente cultural, foi marcante.

Por que resolveu fazer esse balanço da carreira, com disco duplo lotado de participações de grandes estrelas da música e o songbook?

Primeiro nasceu a idéia do songbook, por iniciativa do Vagner Cunha. O disco foi pensado para marcar o lançamento do livro. Seria um disco simples, voz e violão, para ilustrar harmonias, arpejos, detalhes das melodias, coisas assim. Mas resolvi convidar o violonista Carlos Moscardini para tocar algumas canções comigo – as que vínhamos tocando em shows – e isso abriu a porteira para os convidados.

Quando vi o disco estava cheio de gente, coisa que sempre curti muito, porque sei bem o que um convidado criativo, famoso ou não, pode acrescentar à produção de uma música. Terminei fazendo um encontro com um caráter um pouco comemorativo, chamando pessoas significativas para mim, para a minha carreira. Acho que o público ganhou com isso, pois não são colaborações burocráticas, do tipo que o mercado pratica para vender disco.

Viajei, Vitor Ramil com Jorge Drexler

Quais são seus projetos não-realizados?

Um não-realizado, que ficou para trás, é o disco do Barão de Satolep, personagem que representei por muito tempo. Havia todo um repertório composto só para ele, canções que, hoje em dia, sob a paranóia do politicamente correto, não poderiam ser lançadas. Entre os que ainda não foram realizados, mas estão a caminho, está o disco com as canções que estou compondo para os poemas de Angélica Freitas. Devo gravá-lo no ano que vem.

Os gaúchos Angélica de Freitas na poesia e Daniel Galera na prosa estão entre os principais nomes da literatura hoje? Vê alguns nomes surgindo na seara musical de jovens músicos aí no Sul?

Sim, certamente. Na música, muitos estão surgindo, a começar pelo meu filho Ian Ramil – que lança o primeiro disco em março de 2014 – e a turma dele do movimento Escuta, que já reúne mais de 40 compositores, homens e mulheres. Do advento do chamado rock Brasil e da fase dos DJs para cá, nunca se viu tantos compositores-intérpretes. Isso mostra claramente como a grande mídia, antes da internet, podia sufocar e dirigir as novas tendências. Felizmente isso é passado.

SERVIÇO

Vitor Ramil no Theatro Net Rio
Quando: Terça, 15 de outubro, às 21h
Onde: Sala Tereza Rachel. Rua Siqueira Campos, 143 – Sobreloja – Copacabana (Shopping Cidade Copacabana)
Quanto: R$ 110 (plateia) R$ 80 (balcão)
Classificação: 12 anos
Duração: 80 minutos
Capacidade do Teatro: 678 lugares
Telefone do teatro: 21 2147-8060 / 2148-8060
Site: www.theatronetrio.com.br
Vendas: www.ingressorapido.com.br


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Ícone indie gaúcho da MPB, Vitor Ramil combate estereótipos

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