Filha de Martinho da Vila, Maíra Freitas chamou atenção recentemente na noite de abertura da São Paulo Fashion Week. Ela apresentou uma nova versão para o popular samba Mulheres, que fez sucesso na voz de seu pai. Na reinterpretação, em vez do homem que teve várias mulheres, Maíra assumiu o eu lírico de várias mulheres, numa performance com mais quatro cantoras: Miranda Kassin, Yael Pecarovich, Missaka Francine e Debora Reis.
Os versos “Já tive mulheres do tipo atrevida, do tipo acanhada, do tipo vivida, casada, carente, solteira, feliz” viraram “Eu já fui mulher do tipo atrevida, do tipo acanhada…”. O convite para a releitura da música foi feito pela Natura, patrocinadora do novo álbum de Maíra, Piano e Batucada (Biscoito Fino/Natura Musical).
O Virgula Música conversou com Maíra, que tem tudo para se firmar como um dos novos nomes para ficar de olho na nova música brasileira.
Fale um pouco dessa releitura de Mulheres, como está sendo a recepção?
Maíra Freitas – Adorei a releitura, mostrei pro meu pai e ele gostou bastante também. Sempre tive uma certa dificuldade em cantar essa canção pois ela está inserida num universo masculino machista e coloca a mulher num lugar comum onde o homem garanhão possui várias mulheres durante a vida e ao final encontra a mulher perfeita santificada. Nunca me senti confortável cantando essa música, apesar de ela ser muito conhecida no repertório do meu pai. Achei incrível quando fui apresentada à essa versão, onde a mulher é a protagonista empoderada que descobre que ela pode ser várias mulheres em uma só, uma mulher livre pra ser ela mesma independente de padrões ditados pela mídia e pela sociedade.
O que mais te inspira e o que acha que existe de mais contemporâneo na obra do seu pai?
Maíra Freitas – Meu pai é um gênio desses da música. Sua extensa obra conta um pouco sobre sua vida, amor, história do Brasil e africanidade. Aprendo todos os dias com meu pai sobre música, sei que isso é um baita privilégio. Sua música tem a capacidade de tocar pessoas de diferentes idades, credos, etnias e classes sociais, acho isso simplesmente mágico. Hoje mesmo, nessa época tão estranha com esse cenário politico tão assustador, me peguei me emocionando com a música Tom Maior que ele fez há 54 anos quando sua então esposa estava grávida do seu primeiro filho. Ali ele imagina essa criança e planeja ensiná-la a “ser homem de bem” e a “amar a liberdade”. Ele anseia e deseja que seus filhos tenham a felicidade de ver um Brasil melhor. Hoje desejo a mesma coisa pros filhos que ainda nem tenho pois à minha volta vejo muitos retrocessos.
Que nomes novos da nova música brasileira você mais gosta e indica?
Maíra Freitas – Olha, tem tanta gente legal por aí que tenho medo de esquecer de citar as pessoas. Tem gente que reclama que a música brasileira empobreceu e não temos artistas como os grandes artistas brasileiros da faixa etária do meu pai. Nós temos grandes artistas sim, mas o mainstream é sufocado por empresários que estão pouco interessados em qualidade musical. Mas graças a tecnologia e a internet podemos em dois cliques achar: Liniker, Anelis Assunção, Felipe Cordeiro, Dona Onete, João Sabiá, Ana Costa, Filipe Catto, Moyseis Marques, Apanhador Só, Duda Brack, Larissa Luz, Fióti. Enfim, sei lá tem gente pra caramba.
Você é pianista erudita, considera essa base importante para fazer música popular?
Maíra Freitas – A minha formação como pianista erudita foi essencial. Ali eu aprendi e finquei as minhas bases tecnicas. A musica classice me deu a liberdade tecnica e segurança musical para criar e tocar qualquer tipo de musica.
Quais são os pró e contras de ser filho de um ícone como Martinho da Vila?
Maíra Freitas –Não sei dizer. Nunca fui filha de outra pessoa! Acho que todos os pais tem defeitos e qualidades.
Eu já fui mulher, de todas as cores
De vários estilos, de muitos amores
Com umas até certo tempo fiquei
Pra outras apenas um pouco me dei
Eu já fui mulher do tipo atrevida
Do tipo acanhada, do tipo vivida
Casada, carente, solteira, feliz
Já fui donzela e até meretriz
Mulher cabeça, desequilibrada
Mulher confusa, de guerra e de paz
Mas nenhuma delas me fez tão feliz
Como ser eu me faz…
Procurei em todas as belezas a felicidade
E quando encontrei a minha identidade
Foi começando bem, e não teve mais fim…
Eu sou, o sol da minha vida, a minha vontade
Eu não sou mentira, sou toda verdade
Sou tudo que um dia eu sonhei para mim