Nelson Drucker está há sete anos à frente do Festival Vale do
Café, um dos maiores eventos do gênero do Rio de Janeiro. Em sua 11ª edição, o
evento, que vai de 16 a 28 de julho e tem como centro a cidade de Vassouras,
reunirá mais de 60 atrações. Todas comandadas por Nelson, há 20 anos a frente
da empresa Backstage, dona do Festival. Por seu trabalho único junto a 15
cidades do Vale do Café, este ex-futuro engenheiro paulista já ganhou o Prêmio
de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

Para uma região de grande importância
histórica, outrora centro da produção cafeeira e, recentemente esquecida,
Nelson tem levado cerca de 90 mil turistas a cada inverno – nesta conta entram
também moradores de cidades da própria região. Além de cursos gratuitos de
música erudita para 400 alunos, concertos de orquestras em praça pública e
outras realizações, seu Festival ainda dá destaque às produções artísticas
locais e folclóricas e promove o encontro dos turistas e moradores da região
com a história do Brasil, já que as sedes das antigas fazendas de café são
algumas das principais atrações.

E ele quer mais: “Pretendemos ser um divisor
de águas para o turismo do Vale. E tornar o Festival conhecido no Brasil
inteiro”. Confira a entrevista com o diretor de produção do evento e confira a
programação completa no site oficial.

Como surgiu a ideia do Festival Vale
do Café?

Foi criado pela Cristina Braga, harpista do Theatro Municipal
do Rio de Janeiro, que tem um sítio na região, um sítio que foi do avô dela. E
a região estava, e está ainda, muito esquecida, abandonada. Teve uma importância
histórica muito grande, foi a região dos barões do café no Segundo Império, e
com a abolição da escravatura e o advento da República, caiu no esquecimento.
Mas tem uma incrível riqueza histórica, fazendas maravilhosas etc. Existia um
projeto do governo estadual, do então governador Garotinho, de fazer lá um presídio
de segurança máxima. A Cristina então começou um movimento junto aos moradores e
formadores de opinião de Vassouras – cidade que é o centro do festival, construída
pelos barões do café – para barrar o presídio, com o argumento de que era uma
lugar de turismo. A ação partiu exclusivamente da sociedade. E assim começou o Festival,
como uma proposta de festival de inverno que abrisse as fazendas para visitação
e levasse um fluxo de turistas. E por uma visão dela, como musicista, veio a
ideia de promover cursos de música – que já era uma tradição no Brasil, cursos
de música no inverno, em cidades como Campos do Jordão e Ouro Preto, por
exemplo.


E você entrou na produção quatro anos
depois…

Sim, quando a Cristina já não dava conta de fazer tudo
sozinha, já não poderia ser musicista e organizadora ao mesmo tempo. Chegou um momento,
na quarta edição, em que ela tinha de escolher entre o Festival e a música. E
ela não tinha muita experiência em produção e captação. A gente se conhecia porque
durante quatro anos produzi óperas no Theatro Municipal do Rio, então ela me
propôs entrar produzindo e captando, e ela continuou como uma espécie de
curadora, ao lado do Turíbio dos Santos.

O que mudou a partir de
então?

Bem, primeiro fomos descobrir onde o Festival acertava e onde
errava. Era um evento de extrema qualidade, mas não tinha visibilidade, poucos
sabiam da existência dele, as fazendas não lotavam. Passamos a divulgar mais na
imprensa, fizemos o Festival ficar conhecido. Depois, o pessoal da região do Vale do Café
considerava o evento de natureza elitista, achavam que os concertos nas fazendas eram caros
e coisa para turista. Então decidimos fazer pelo menos um evento de qualidade e
gratuito em cada município da região – hoje o Festival abrange 15 cidades. Este
movimento ficou cada vez mais forte e hoje as prefeituras organizam seus
eventos e pedem para encaixar na nossa programação oficial. Este ano serão dezenas
de eventos deste tipo. Outra coisa que mudou foi o espaço que demos para a
manifestação da cultura local. A gente já fazia, mas estamos dando mais ênfase
às tradições do Vale: maculelê, capoeira etc. Eles têm espaço para se
apresentar no palco principal de Vassouras num dia nobre: sábado à noite.

Qual é o seu critério para que um
evento integre a programação oficial?

Música de qualidade. Eu não me prendo a música erudita ou
popular, eu me prendo a algo chamado “qualidade”. Este ano teremos concertos de
João Bosco com a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa homenageando os 100 anos de
Vinícius de Moraes e outros quatro shows de Leila Pinheiro. Tudo de graça. Dos
60 eventos do Festival, só 12 são com venda de ingresso. As prefeituras entenderam
que, promovendo cultura, estão atraindo turistas e divulgando a região.

Quais foram os momentos
mais inesquecíveis para você nestes sete anos de Festival?

Teve um momento muito pessoal meu, inesquecível, quando
homenageamos Gonzagão com um concerto da Orquestra de Barra Mansa e Elba
Ramalho, e naquele momento eu tive um feedback da minha própria história e vi
que tinha feito as escolhas certas na vida. Porque eu fazia faculdade de
engenharia na época da ditadura, mas promovia eventos de artistas engajados,
como diretor cultural da União Nacional dos Estudantes em São Paulo. Na época,
um dos caras com quem trabalhei na época foi Gonzaguinha, filho de Luiz Gonzaga.
Ficamos muito amigos e ele me trouxe para o Rio, para trabalhar com ele e o
pai, há mais de 30 anos. E assim começou minha carreira como produtor. Por isso
o show da Elba no Festival me marcou muito. E outra história inesquecível foi
quando a orquestra formada nas oficinas de música se apresentou tocando Bolero
de Ravel. Foi uma choradeira só. Os meninos vão para os cursos e se aprimoram a
cada ano, mas ninguém esperava que eles tocassem uma peça tão complicada ao
final dos cursos.

Como assim? Saíram das
oficinas tocando como uma orquestra?

Pois é. O Turíbio é maluco de pedra e, como eu, acredita
muito no Festival. Há cerca de dois anos, tivemos a ideia de fazer as oficinas
funcionarem como uma orquestra: os alunos recebem, no primeiro dia de aula, uma
partitura, que deverão tocar juntos no último dia, na apresentação. No total,
são 400 alunos no Festival e ninguém paga. Os professores são músicos da
Orquestra Sinfônica Brasileira e de outras. Metade dos alunos, além de não
pagarem, recebem bolsas com alojamento e alimentação. Buscamos jovens de
projetos sociais, temos gente da Rocinha, do Dona Marta, da cidade de Rio das
Flores, que tem um trabalho social conosco etc.

O que você destacaria
como méritos do Festival para o Rio de Janeiro?

Ele supre uma lacuna importante porque leva cultura e música
de qualidade e gratuita para uma região que precisa de atrativos turísticos. A
médio prazo pretendemos que ele funcione como um divisor de águas na área de
turismo do Vale do Café. Essa é a principal importância do Festival. Em relação
aos outros eventos do gênero, ele é mais multifacetado. Este ano estamos
homenageando 100 anos de Vinícius, os 150 de Ernesto Nazareth e os 200 anos de Verdi,
muito diferentes entre si. Além disso, na Casa de Cultura de Vassouras fazemos
um café cultural com importantes chefs de cozinha do Rio, que recriam receitas
do século 19 ou que levam café. Já fiz lançamento de livro, liberamos o palco
para manifestações de dança da região, já levamos o Balé do Municipal para
Paracambi… A nossa vantagem é ser multifacetado. E nossa proposta é fazer o
Festival ser conhecido no Brasil inteiro.


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Festival Vale do Café leva mais de 60 atrações a 15 cidades do Rio de Janeiro em julho; leia entrevista com diretor