Ao leve som de valsas e operetas, o festival Música em Trancoso encerrou na noite deste sábado sua bem-sucedida terceira edição, que, além de ter apresentado ilustres nomes da música erudita e popular, ainda deixou um belo exemplo de transformação através da arte, talvez o maior de seus diferenciais.
Ao contrário do concerto de sexta, quando a soprano italiana Lucia Aliberti fez o público deixar o teatro mais cedo, a noite de encerramento foi grandiosa e, sob a batuta do maestro espanhol Antonio Méndez, levantou a platéia, que fez questão de aplaudir de pé os instrumentistas da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo (OJESP), a soprano inglesa Julia Thornton, o tenor polonês Tadeusz Szlenkier e, é claro, a mezzosoprano baiana Josy Santos, uma das revelações do festival.
No entanto, além das grandes exibições, como a Jam Session de César Camargo Mariano, o festival deixou um grande legado socioeducativo no sul da Bahia; primeiro com o próprio teatro, que passará a abrigar outras atividades, e depois com a colheita das sementes que foram plantadas ao longo da semana, seja nas aulas de iniciação musical em escolas públicas ou nas chamadas masterclasses.
Em uma destas, por exemplo, a diva do jazz Jane Monheit, como a maioria dos solistas convidados, apareceu para dar uma aula de canto aos jovens interessados e tentar esclarecer os dilemas de quem não tinha com quem compartilhar até então – ao menos, não nesse nível. Detalhe: a aula, que contou com uma versão de Over The Rainbow, de O Mágico de Oz, emocionou mais que o repertório encomendado pelo festival.
“Nunca havia ensinado alguém fora de meu país antes. É muito interessante vir para cá e poder encontrar essas vozes lindas e essas crianças maravilhosas. Adorei a oportunidade”, declarou a cantora americana, que, durante a aula, apresentou diversos conselhos em relação à respiração, entonação da voz e, inclusive, repertório. “Vocês devem evitar cantar músicas pop para não copiar nenhum estilo”, disse a cantora na ocasião.
“Acho que poderiam existir mais festivais dispostos a trabalhar a mistura de gêneros e, principalmente, as aulas de música”, completou Monheit. Já seu pianista, o talentoso Michael Kanan, apresentou uma analise mais profunda: “É muito claro a importância que a música possui em relação à cultura no Brasil, mais que nos EUA, onde é mais um produto. Deveriam aproveitar mais isso”.
“Em um momento em que vemos a educação musical cair, esse exemplo aparece como algo totalmente inspirador. É muito bom ver jovens interessados em aprender, compartilhar experiências e a seguir carreira musical”, completou Kanan, que, neste caso, poderia se referir a Leilane Araújo, de 26 anos, uma das alunas presentes.
A jovem violoncelista da NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), que foi ao festival para dar aulas de iniciação musical, também teve tempo para aprender e ficou “sem palavras” ao ter sua versão de Djavan elogiada por Jane Monheit, que, por sinal, conheceu durante o festival.
“Não sabia quem ela era, mas fiquei fascinada. Soube da masterclasse e decidi participar. Fui só para ouvir, mas resolvi cantar – sem medo. Às vezes, é complicado acreditar em nosso talento e ter ouvido isso me fortaleceu, me estimulou a querer mais e a seguir estudando. Não sei nem o que dizer”, declarou Leilane, que deixou a orquestra para terminar a faculdade.
“Nós queremos transmitir esse amor pela música porque, através dela, você pode tocar um coração e até transformar uma pessoa. A música é inteligente, e nós queremos abrir os horizontes desses meninos porque, uma vez mordido pela música, eles não largam. Isso pode ser uma profissão, ao ser músico depois, ou não. Isso não importa. Eles abrem seus horizontes, passam a ser mais independentes e isso é liberdade”, finalizou Sabine Lovatelli, diretora artística do festival e presidente do instituto Mozarteum Brasileiro.