Festas de música brasileira: Santo Forte
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Quem frequenta a noite de São Paulo já deve ter percebido que a MPB festiva cada vez mais vem sendo usada para incendiar as pistas de dança. Para isso, nem foi preciso “enforcar o DJ”, como cantou Morrissey em Panic, dos Smiths, nos idos de 86. Os maestros da “orquestras invisíveis”, e seu público, apenas se adaptaram aos novos tempos e passaram a tocar e dançar ao som de faixas de nomes como Os Mutantes, Caetano Veloso, Cartola, Wilson Simonal, Alcione, Gilberto Gil, João Donato, Gal Costa, Maria Bethânia, Trio Ternura, Airto Moreira, Ely Camargo, Tim Maia e Jorge Ben.
“Acho que a música brasileira sempre esteve na memória afetiva da gente, nos shows que a gente sempre foi, nos discos que a gente sempre comprou, nas cantorias debaixo do chuveiro, no carro, na estrada, na sala das nossas casas, nas rodas de violão na escola ou na faculdade. O que faltava, anos atrás, era alguém que tivesse coragem de ‘assumir’ esse desejo e esse gosto e entender que era possível se fazer uma pista de dança exclusivamente brasileira”, afirma Tutu Moraes, 15 anos de atuação como DJ e pesquisador e um dos pioneiros em levar a MPB para público alternativo, com a festa Santo Forte, criada há oito anos.
O DJ, que é tratado como uma espécie de xamã pela atual geração da MPB alternativa, de nomes como Tulipa Ruiz, Lucas Santtanna, Curumin, Céu e Tatá Aeroplano, não se furta em fazer uma comparação com gays que declaram sua orientação sexual. “Era como se alguém tivesse que realmente `sair´ do armário e assumir publicamente que gosta e se identifica com esse vasto repertório. E eu me orgulho muito de ter sido um dos primeiros trabalhar esse `escancaramento´ que faltava na noite, até então enrustida nesse sentido…”
Mauricio Zuffo Kuhlmann, o MZK, da Virado à Paulista, começou em 95 misturando surf music, funk, rap, música latina e brasilidades. “Naquela época eu estava ainda na superfície da música brasileira, conhecia mais Jorge Ben e Tim Maia, mas procurando nos sebos logo se abriu um universo enorme de grooves nacionais. Em 2000, surgiu o Jive e a pesquisa de som brasileiro foi crescendo. Conhecer outros djs que já tocavam música brasuca como DJ Paulão, por exemplo, ajudou muito a expandir meu conhecimento”, conta o DJ e designer.
MZK concorda com Tutu que apesar de a quantidade de festas e de público vir em uma curva ascendente tocar música brasileira nos bailes é tão antigo quanto a própria música brasileira. “Na verdade, ela estava aí o tempo todo. No circuito de música negra na periferia e no Centro. Nos bailes de samba-rock e nostalgia, ela nunca parou. Creio que os DJs da minha geração ajudaram a levar esse som para um novo público”, opina.
Tim Maia – Um Dia Eu Chego Lá
Rodrigo Bento, da Pilantragi, personifica a tendência da migração da música eletrônica para a MPB. “Sempre gostei de música brasileira, só que trabalhei os últimos 10 anos com festas eletrônicas. Meu último trabalho na área foi como promoter do D-Edge, durante dois anos. Resolvi comemorar meu aniversário de 30 anos em um bar alternativo, o Bebo Sim, e foi lá que tudo começou. A ideia era resgatar minhas raízes e coisas que eu ouço em casa. Desde então fizemos todas as semanas”, afirma o criador da festa que tem um ano e quatro meses.
Para Tutu, a nova MPB e os DJs que seguem essa linha trabalham juntos: “Quantas vezes esses mesmo artistas e seus novos trabalhos só apareceram de fato, pra um público maior e mais diversificado quando ‘tocados’ nas grandes festas?”, levanta Tutu. “As grandes festas, hoje, assim como a internet e os shows, são as rádios de ontem. Eu mesmo já perdi a conta de quantos artistas talentosos e amigos que eu ‘lancei’ ou ‘impulsionei’ a partir dos meus DJ sets. E o quanto o meu DJ set está sempre sendo retroalimentado pelos amigos músicos, o quanto esses mesmos amigos entram em contato com algum conteúdo musical até então desconhecido por eles quando estão frequentando as minhas festas? É uma geração muito rica e diversificada que está na cena”, afirma.
“Eles gravam, eu toco. Eles lançam, eu testo nas pistas… Eu lanço, descubro ou redescubro, eles ficam conhecendo e também se alimentam disso. Somos grandes parceiros”, resume Tutu. MZK também aponta uma simbiose: “Creio que correu um pouco junto esse interesse dos músicos e DJs por sons brasileiros, uma coisa alimentou a outra”.
Ê Menina, Gil, de João Donato e Guarabira
Na avaliação de Tutu, muita coisa mudou desde o aspectos dançantes dos sons brasileiros eram subaproveitados. “Quando comecei a tocar na noite paulistana não havia festas e casas noturnas que abrissem espaço para MPB nas pistas de dança. O que havia eram as casas de música ao vivo e noites ‘temáticas’, como forró, samba ou noites de samba-rock. Não havia alguém com a proposta de quebrar os segmentos e transformar todo esse balaio em uma festa só”, lembra.
Para ele, a geleia geral brasileira só agora começa a ser assimilada sem preconceito. “No começo havia muita resistência à diversidade da MPB nas pistas, a galera queria ou só forró, ou só samba, ou só samba-rock, ou só funk. Enfim, música brasileira dançante, na cabeça das pessoas naqueles tempos era sinônimo de Jorge Ben ou Tim Maia, apenas. No começo, foi muito duro introduzir os Novos Baianos, a Bethânia, a Clara Nunes, a Elza Soares, e por aí vai. Fui mostrando que era possível, que era dançante também. Hoje em dia todo mundo já assimilou, não questionam mais ou oferecem qualquer resistência como há quinze anos”, compara.
A questão da diversidade da Pilantragi vai além da música. Eles são um coletivo de DJs, músicos, cenógrafos, fotógrafos, artistas de rua, chefs de cozinha, entre outros, dedicados à cultura brasileira, que este ano irão abrir seu próprio centro cultural. “A festa é apenas um dos pilares do coletivo”, afirma Bento.
Meia Lua Inteira – Caetano Veloso
Uma das marcas das festas são as intervenções artísticas, a cada semana, um grupo de cenógrafos assina a concepção de arte, artistas em geral expõem seus trabalhos, novos chefs apresentam seus pratos inspirados na culinária nacional, entre outros. O Carnaval também é visto pelo coletivo como uma oportunidade de levar a cultura brasileira para as ruas, este ano o bloco da Pilantragi sairá pela segunda vez no dia 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá.
Fora sua própria festa, Bento indica para os fãs de música brasileira as festas Levada da Maré, Calefação Tropicaos e Voodoohop. Ele também preparou, a pedido do Virgula Música, um playlist com cinco faixas que não saem do seu case: A Minha Menina, Os Mutantes; O Telefone, Jorge Ben; Meia Lua Inteira, Caetano Veloso; Alegria, Cartola e Não Vem que Não Tem, Wilson Simonal.
Já MZK elege as festas Pixaim, Vinil é Arte e o Baile do DJ Nuts. No seu playlist entraram Um Dia Eu Chego Lá, Tim Maia; Dorothy, Jorge Ben; Uma Sombra na Estrada, Trio Ternura; Peasant Dance, Airto Moreira e Taieiras, de Ely Camargo.
Trio Ternura – Uma Sombra Na Estrada
Tutu Moraes também soltou a sua seleção: Ilha de Maré, Alcione; Ê Menina, Gil e João Donato; Barato Total, Gal Costa; Reconvexo, Maria Bethânia e Tropicália, Caetano Veloso.
Em relação à balada na mesma pegada que a Santo Forte, Tutu escolheu a Toqtô. “Tem muitas festinhas bacanas rolando na cidade, mas exclusivamente de música brasileira, talvez eu destacasse a festa ToqTô, do Zé Pedro e do Marcus Preto. Nem sempre eu tenho agenda disponível pra frequentar, mas nas poucas vezes em que estive, me identifiquei bastante com o repertório. Claro, cada festa tem seu estilo, sua `pegada´, mesmo com repertórios comuns, em parte. Mas a ideia de trazer um amplo leque de possibilidades da MPB eu vejo ali e aprovo. Os meninos são uns queridos e a festa tem um superastral. Começou há pouco tempo, mas promete”.
Em uma miríade de possibilidades, Odara, Sem Loção, Selvagem, Brasilidades, Brazília Teimosa, Criolina, Ferro na Boneca, são outras festas que engrossam as estatísticas desse novo mundo em que tudo é divino, maravilhoso. Parafrasesando, ainda, os Doces Bárbaros, é preciso, apenas, estar atento e forte.
SERVIÇO
PILANTRAGI, no Bebo sim
Nesta quinta (16), a partir das 20h
DJs Pita Uchoa (Calefação Tropicaos), Rodrigo Bento (residente), PG
Quanto: R$ 13 reais até 22h e 20 reais após 22h + vale cachaça ou catuaba
Avenida Alfonso Bovero, 1107, Perdizes
VIRADO À PAULISTA, no Boteco Prato do Dia
Quando: Sexta (17), às 23h
DJs Magrão, MZK, Paulão Onde: Rua Barra Funda, 34, São Paulo
Quanto: Ingresso: R$ 10
SANTO FORTE, na Grand Metrópole
Quando: dia 25 (sábado, feriado de aniversário de São Paulo)
Onde: Galeria Metrópole, Avenida São Luís, São Paulo, Centro
Wilson Simonal - Nem Vem Que Não Tem
Ely Camargo – Taieiras